“Caminhos Cruzados: Envelhecer ativamente – a mobilidade a pé na vida da pessoa idosa”

Publicado originalmente em: Como Anda
Data: 11/08/2017

Caminhos Cruzados é uma experiência de debate virtual com o objetivo de discutir um mesmo tema a partir de visões e abordagens distintas. Além de responderem cada uma das três perguntas elaboradas pelo Como Anda, cada convidado deve comentar a resposta do outro. Trata-se de um esforço para revelar as divergências, singularidades e, também, as semelhanças entre as perspectivas de cada um sobre a mobilidade a pé no Brasil.

Envelhecer ativamente: a mobilidade a pé na vida da pessoa idosa

Com Maria Lima, doutoranda em envelhecimento ativo pela Unicamp, e Élio Camargo, membro da Cidadeapé — Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo.

1. Estima-se que em 2025 o Brasil terá a sexta maior população de idosos do mundo. Quais medidas consideram essenciais para garantir cidades mais caminháveis para as pessoas à medida que envelhecem?

Maria Lima: É fundamental e urgente (estamos atrasados) não só adaptar espaços, mas preparar a sociedade para o desafio de conviver com seu contingente de idosos. O envelhecimento cada vez mais aumentará o impacto social, econômico, cultural e físico, e isso já está influenciando nas políticas públicas de atenção social e de saúde.
Ao planejar ou replanejar cidades, é importante considerar estratégias distintas e intersetoriais para, por exemplo, impedir a criação de novas barreiras e extinguir as já existentes; adaptar as edificações e criar novas para um ambiente mais convidativo e seguro para o caminhar; e principalmente ensinar a população a enxergar o idoso como uma pessoa ativa, que não só vive como precisa viver a cidade, afinal, eles serão, em breve, a grande maioria!
O que vemos hoje? Idosos restringindo seus espaços de vida por medo de cair, da violência, de não conseguir subir num ônibus; isso tudo aumenta o confinamento. Precisamos consolidar uma cidade integradora, convidativa ao caminhar, com espaços abertos e oportunidades para aumentar a participação ativa dos idosos nas mais variadas atividades, desde as econômicas às recreativas. Para isso, é preciso engajamento de toda sociedade em prol do Envelhecimento Ativo e Saudável e por um ambiente adequado para todas as pessoas.
Enrique Peñalosa, urbanista colombiano e ex-prefeito de Bogotá, fala que “se a cidade é boa para as crianças, os mais pobres e os mais fracos, então é boa para todos”.

EC: Maria, é exatamente isso que você cita. Se é boa para os mais fracos e deficientes, será ótima para todos. Por isso temos que exigir o desenho universal e dar assim condições de todos para viver e curtir a cidade, sem se preocupar ou deixar alguém “fora da cidade”.

Élio Camargo: Ter os melhores caminhos, com calçadas adequadas, travessias seguras e as melhores paisagens possíveis.
As calçadas precisam ter uma largura suficiente para circulação das pessoas (a pé ou cadeirante), um piso regular, não liso (antiderrapante) e ter fácil acessibilidade às travessias (sem ressaltos nas guias).
As travessias não deveriam ser demoradas (afinal merecemos uma continuidade em nossa caminhadas, não paradas e esperas constantes) e com segurança e tempos suficientes para cruzar a via com conforto (sem precisar correr). Merecemos ter o mesmo tempo de travessia e espera destinado aos veículos.
Infelizmente, os carros ocuparam nossas calçadas públicas, transformando-as em uso totalmente particulares como entradas de carro para suas garagens. Não bastasse isso, até as saídas dos prédios da cidade se apossaram oficialmente de nosso caminho, mandando-nos prestar atenção às saídas dos veículos. E não vemos soluções tão próximo para essa ocupação automobilística.
As paisagens, podem ser naturais com muito verde ou mesmo artificiais, mas com boa apresentação para sentirmos-nos bem no meio das pessoas, que se sintam bem. Uma coisa que fez muita diferença em usufruir a cidade foi o Cidade Limpa, que tirou-nos as máscaras, mostrando a como é. Entretanto, uma coisa que me deixa chateado é ver os cartazes colados nos postes e as faixas estendidas, agredindo-nos.

ML: Vemos o quão importante é ter espaços acessíveis, convidativos, seguros. No caso específico dos idosos, quantos deles relatam medo de sair na rua devido ao grande movimento de carros, falta de sinalização, o tempo de travessia não suficiente, entre outros fatores. Segundo o Relatório Anual de Acidentes de Trânsito, divulgado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), idosos representaram 33,2% das vítimas fatais por atropelamento em 2016 em São Paulo. Grande parte desses acidentes poderia ter sido evitado se houvesse, acima de tudo, respeito ao pedestre.
Há ainda as calçadas, que deveriam ser espaços seguros, pensados para uma boa caminhabilidade, mas que colocam em risco a vida do idoso por não oferecer, por exemplo, pisos aderentes e que escoe melhor a água da chuva. Se uma calçada deslizante é perigoso para um jovem ou adulto, imagine para um idoso que tem reflexo diminuído.

2. De que maneira o caminhar pode ser encarado como estímulo à participação contínua da pessoa idosa nas atividades sociais, econômicas e culturais?

Maria Lima: Ao garantir um ambiente seguro para o caminhar, os idosos têm ampliados os seus espaços de vida, aumentam seu engajamento e com isto participam ativamente destas atividades. Um ambiente não convidativo, inseguro e de riscos, faz com os idosos restrinjam seu espaço de vida, levando muitos a só sair de casa por necessidade (consultas médicas, por exemplo), excluindo assim de suas vidas as atividades sociais, econômicas e culturais.
Diminuem também a prática de atividade física, fundamental para a manutenção de uma vida saudável. Entram, então, em um ciclo retroalimentativo: não saem de casa, então perdem oportunidades de se movimentar, seja por meio de atividades físicas ou mesmo sociais. Isso acarreta em declínio físico e psicológico, o que os leva a não querer sair de casa.

EC: Realmente a prática de atividade física é fundamental para uma vida saudável. Na sociedade agrária, as pessoas não se aposentam, apenas mudam suas atividades, trocando seus papéis, mas continuam ativas. Como na sociedade urbana as pessoas são desligadas completamente de seus trabalhos, a caminhada é a prática excelente da atividade física e mental e oportunidade para a interação social necessária.

Élio Camargo: Com a idade precisamos nos manter ativos e nada mais fácil do que manter a nossa atividade natural e universal de mobilidade, caminhar. Por outro lado, nossas atividades deixam de ser longínquas e passam a ser mais próximas, podendo ser alcançadas a pé e deixamos da necessidade do automóvel. Se precisamos deslocar mais para longe dispomos de tempo e dos transportes coletivos, que nos ligam por duas caminhadas em seus extremos, sempre ajudando-nos no exercício diário. Se acontece algum congestionamento ou retenção do transporte, podemos tranquilamente descer e caminhar (fazendo um excelente exercício) até outra continuidade. A mobilidade a pé facilita o acesso às atividades sociais, culturais, compras e econômicas, sem preocupação com estacionamentos. Quanto mais caminhamos, mais bem pode nos fazer para a qualidade de vida, sem qualquer outra preocupação.

ML: É exatamente isso: precisamos estimular o caminhar como meio de deslocamento para que continuemos ativos tanto do ponto de vista físico, como do social, ao caminhar pela cidade experienciamos a cidade de modo diferente da que dentro de um carro, por exemplo. Temos experiência sonora, sensibilidade à temperatura, os estímulos visuais, táteis (pisar uma calçada de pedra portuguesa, por exemplo, é uma experiência única). Além disso tudo, é a forma de deslocamento mais saudável e sustentável.

3. Qual o papel do movimento pela mobilidade a pé para sensibilizar a população e os tomadores de decisão sobre a importância de compreender e aprofundar o conhecimento sobre mobilidade da pessoa idosa?

Maria Lima: O melhor entendimento sobre o tema é urgente tanto para a área da saúde pública quanto para aqueles que discutem os aspectos relacionados à mobilidade a pé nas cidades, isto porque é preciso, o quanto antes (repito: estamos atrasados quanto a isso), assumir um compromisso social no sentido de desenvolver um olhar mais cuidadoso para os caminhos que percorremos diariamente e que pela rotina, passam despercebidos. Precisamos refletir sobre as particularidades de uma cidade ideal, ou pelo menos, mais voltada aos seus habitantes e suas necessidades; é necessário mobilizar as pessoas e mostrar que as cidades boas e seguras para caminhar para os idosos são boas pra todo mundo.
Com isso em mente, desenvolvi uma oficina na qual procuro estimular no idoso a compreensão do conceito de caminhabilidade; busco, junto com eles, refletir e analisar os percursos que fazem cotidianamente, o caminho que os trouxe até este momento de suas vidas, como também os desafios que têm pela frente, os caminhos que ainda percorrerão. É um momento para abordar, conhecer e discutir melhor suas experiências multidimensionais intrínsecas e extrínsecas ao ato de caminhar. Neste momento de reflexão, procuramos responder questões como “o que significa mobilidade para os idosos?”; “Como ela é realizada, experienciada e percebida?”; “quais as características particulares dos idosos e como condicionam seus modos de deslocamentos derivados dos desejos e necessidades de realizar as atividades?”; “quais atributos do ambiente que os idosos priorizam quando pensam em se deslocar nas ruas?”; “o que seria necessário para o ambiente proporcionar uma melhor caminhabilidade?”. Chamo esta oficina de “De olho no caminho”.

EC: Sem dúvida, estamos atrasados em mobilizar as pessoas e exigir dos responsáveis uma cidade boa para a mobilidade a pé. Não só por seus aspectos econômicos, sociais e de saúde, mas também pelo reconhecimento da falência do transporte individual motorizado. A única solução está em priorizar o transporte coletivo de qualidade e seu modo de conexão (a pé). Já temos desde 2012, a lei da Mobilidade Urbana que prioriza isso, só falta os responsáveis serem obrigados a fazer.

Élio Camargo: Mostrando sua naturalidade, necessidade e principalmente suas vantagens pessoais e estéticas, podemos convencer mais pessoas e autoridades a praticar e valorizar a mobilidade a pé. As pessoas que gostam de caminhar e bom transporte coletivo podem trocar, com muitas vantagens, o transporte motorizado individual com custos econômicos, saúde e ganho ambiental. Não há solução na mobilidade motorizada individual por capacidade das vias, então só resta às autoridades melhorarem o transporte coletivo e favorecer a mobilidade a pé, tanto dos idosos quanto da população em geral, como sua complementação, nas duas pontas do transporte coletivo. Com a modernização do sistema viário, haverá a necessidade de transferências entre linhas e modais, que precisam ser efetuadas a pé. Estas transferências devem ser seguras e facilitadas em sua realização. Dentre estas facilidades estão a localização dos pontos e transferências nas esquinas, junto às faixas de pedestres. Complementando, a localização dos pontos e transferências devem ter suas localizações indicadas também nas placas de rua.

ML: Como o Élio explanou, precisamos eliminar as barreiras em prol da mobilidade a pé, afinal de contas, ela é ponto de partida, meio e fim para todos os outros modais. Entre os modais. Não importa o modal que você escolha para fazer a maior parte do seu percurso: você sempre terá de conviver com uma calçada para chegar onde quer. E não esqueçamos: nós estamos motoristas, motociclistas ou ciclistas, mas o somos todos pedestres.

Maria Lima é fisioterapeuta especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, especialista em Saúde Coletiva e Sociedade, Mestra em Ciências da Saúde pela UFPE e doutoranda em Gerontologia pela Unicamp. Atualmente reveza-se entre o desenvolvimento de seus estudos na temática da Caminhabilidade, Espaço de Vida, Fragilidade e Envelhecimento e suas atividades como fisioterapeuta na Prevent Senior. Também é idealizadora da oficina De Olho no Caminho: a experiência multidimensional dos idosos pelos espaços que caminham.

Élio Camargo, 74 anos, casado com a Jandira, pai de 3 filhos e avô de 5 bonitos netos. Tem história de vida com a indústria automobilística. Sociólogo e engenheiro de processos na indústria do transporte (cargas e pessoas), ligado em inovação, tecnologia e pessoas. Morador há 50 anos de São Paulo (veio do interior). Atualmente presta consultoria em planejamento estratégico a pequenas empresas e se interessa muito pela mobilidade das pessoas. Não tem atividade partidária, contra a obrigatoriedade de votar, cético e sem religião, mas sempre otimista.

 

Imagem do post: Como Anda

“Em São Paulo, 97,8% dos idosos não conseguem atravessar a rua no tempo dos semáforos”

Publicado originalmente em: Agência Fapesp
Autora: Maria Fernanda Ziegler
Data: 03/05/2016

Poucos metros separam uma calçada da outra. Mas, quando o sinal verde autoriza a travessia de pedestres, cruzar a rua pode se tornar uma façanha, principalmente para as pessoas com mais de 60 anos: o luminoso com o bonequinho vermelho começa a piscar antes que eles cheguem com segurança ao outro lado da calçada.

Um estudo feito na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) constatou que 97,8% dos idosos da cidade de São Paulo não conseguem caminhar a 4,3 km/h, velocidade exigida pelo padrão apresentado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP) para os semáforos da cidade. Na média, a velocidade alcançada pelos voluntários com mais de 60 anos que participaram do estudo foi bem menor que o exigido: apenas 2,7 km/h.

Para medir a velocidade da marcha dos 1.191 idosos que participaram do estudo foi necessária a infraestrutura do Estudo SABE – Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento, pesquisa longitudinal de múltiplas coortes sobre as condições de vida e saúde dos idosos do município de São Paulo.

Esse estudo multicêntrico teve início em 2000, quando, por iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), foram pesquisadas pessoas de 60 anos ou mais de sete grandes cidades da América Latina e do Caribe, entre elas São Paulo. Com apoio da FAPESP, o estudo foi reeditado em São Paulo em 2006 e 2010 e em 2016 teve sua quarta edição.

“A velocidade de marcha exigida para atravessar as ruas da cidade não condiz com a população idosa e não podemos desconsiderar o aumento da população idosa no município de São Paulo e no Brasil inteiro”, disse Etienne Duim, autora de artigo com resultados do estudo publicado no Journal of Transport & Health – os outros autores são José Leopoldo Ferreira Antunes e Maria Lucia Lebrão (falecida em julho de 2016).

De acordo com dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), em 2016, o percentual de idosos na cidade de São Paulo era de 12,74%.

“O que constatamos com o estudo é que a cidade não é regulada para o idoso, mas para um indivíduo adulto que, na maioria dos casos, anda entre 4 e 6 km/h sem maiores problemas. Isso tem o efeito de fazer com que o idoso fique cada vez mais confinado em casa”, disse Antunes, professor titular da FSP e orientador do estudo.

A pesquisa tomou como base dados da CET-SP (de agosto de 2016) que regula o tempo dos semáforos a partir de um cálculo que considera a velocidade média para o pedestre como 4,3 km/h. O cálculo é feito para a travessia enquanto o sinal de pedestre está verde. O estudo não considerou o tempo do sinal vermelho piscante. Segundo a CET, não houve alteração no tempo dos semáforos após o período de realização da pesquisa. A análise bibliográfica sobre o tema, feita pelos pesquisadores, apontou que cidades têm reduzido a velocidade média de percurso para pedestres, como Valência e Barcelona, na Espanha, com os seus atuais 3,2 km/h.

Segundo Duim, um estudo realizado na Inglaterra teve resultados muito parecidos com os de São Paulo. “O estudo inglês inclusive teve peso na regulamentação do país, que aumentou o tempo dos semáforos”, disse.

Os dois estudos concluem que, para a população idosa, a caminhada tem importante relação com a saúde e com a interação social e que fatores que atrapalhem a movimentação desse público – como a dificuldade de atravessar ruas – podem indicar perda de autonomia e até mesmo de qualidade de vida do idoso.

Sem pressa

Duim sugere para a capital paulista mudanças parecidas com as adotadas na Inglaterra e na Espanha. Isso garantiria a autonomia e mobilidade da população idosa e, principalmente, a redução de riscos de atropelamentos.

“Aumentar 5 segundos o tempo para cada semáforo pode trazer um impacto no trânsito? Pode. Mas, pelo que vimos nos estudos realizados em outros países, essa mudança é diluída também com a adoção de outras medidas, como alteração de velocidade do trânsito e incentivo ao uso de transporte público, por exemplo”, disse.

Duim indica como alternativa interessante para São Paulo a proposta adotada em Curitiba, onde foram implantados alguns semáforos inteligentes: o idoso insere um cartão num dispositivo eletrônico para determinar que precisará de mais tempo para atravessar a rua.

“O mesmo também vale para outras pessoas com dificuldade de locomoção, como cadeirantes, grávidas e pessoas com crianças pequenas, por exemplo. É uma solução que não impacta tanto o trânsito e cria um processo interessante de inclusão social”, disse.

Mais sobre a pesquisa:

Artigo em português: Tempo de travessia para pedestre e a velocidade de marcha de pessoas idosas

Artigo em inglês: Walking speed of older people and pedestrian crossing time

Reportagem SBT: Tempo de alguns semáforos é menor que velocidade de caminhada dos pedestres

Entrevista CBN: Tempo de travessia dos semáforos de SP é inferior à velocidade média dos pedestres

Imagem do post: Sem faixa de pedestre na via, idoso precisou da ajuda do comerciante João que sinalizou para os veículos pararem. (Foto: Victor Chileno)