Por Mateo Murillo, associado da Cidadeapé
A Praça Coronel Custódio Fernandes Pinheiro – conhecida como Praça do Pôr do Sol – situada no bairro estritamente residencial do Alto de Pinheiros – vem sendo objeto de polêmico debate.
Trata-se de um espaço público excepcional, pela vista desimpedida do horizonte que dispõe e pelos amplos gramados em meia encosta, onde pode-se disfrutar do crepúsculo do fim de tarde – o que deu origem ao nome pelo qual a praça é conhecida.

Usos Atuais
Nos últimos anos, a praça-mirante ganhou destaque metropolitano, chegando a receber mais de 10 mil visitantes em finais de semana. Só que junto com a fama vieram impactos à vizinhança residencial, como excesso de lixo, música alta (tanto diurna como noite adentro), comércio irregular de bebidas e comidas, entre outros, além do desgaste precoce dos gramados, não acompanhado de um plano de manutenção adaptado ao intenso uso em feriados e finais de semana.
Praça do Pôr do Sol – efeitos de usos excessivos/ desregrados. Fotos de Parque Pôr do Sol.
Devido à falta de gestão pública que delimite regras de ocupação e planos de manutenção condizentes com as atuais demandas, a Praça do Pôr do Sol está em risco de perder seu encanto – e sua função.
CERCAMENTO
De forma atabalhoada e sem a devida transparência, a Prefeitura cercou a praça, que passou a permanecer fechada entre 22h e 06h. Essa medida, da forma como ocorreu, além de inconstitucional, fere a Lei Nº 16.212, de 10 de junho de 2015, que dispõe sobre a gestão participativa das praças do município de São Paulo – inclusive através da criação de comitês de usuários para auxiliar na gestão do espaço.

Além disso, está em curso a discussão do Projeto de Lei 01-00454/2021 do Vereador Xexéu Tripoli (PSDB), que propõe transformar o espaço da atual praça em parque municipal. Na prática, caso o projeto vier a ser aprovado pela Câmara Municipal, isso significará retirar da Subprefeitura de Pinheiros a responsabilidade pela manutenção e gestão da praça, passando esta à Secretaria do Verde e Meio Ambiente. Isso implicaria também na aplicação da Lei Nº 15.910, de 27 de novembro de 2013, que dispõe sobre a criação e organização de Conselhos Gestores dos Parques Municipais.
Na opinião pública paulistana parece haver um falso entendimento que associa parque com cercamento (gradil). Mas não há nenhuma vinculação técnica ou jurídica entre o fato de um espaço público ser classificado como parque e dele ser necessariamente cercado. O uso de cercas ou grades (assim como de outros tipos de “barreiras” à circulação – como cercas vivas, arbustos, guarda-corpos, espelhos d´água, lagos, etc) são decisões paisagísticas que devem estar associadas a características e demandas específicas de cada espaço público.
PRAÇA OU PARQUE?
A discussão sobre se a Praça do Pôr do Sol deva ser entendida como parque ou praça tem sido travada principalmente de um ponto de vista administrativo – ou seja, sobre quem deve ser o órgão responsável por ela (a Subprefeitura de Pinheiros ou a Secretaria do Verde e Meio Ambiente). Mas, independentemente disso, o espaço deve ser tratado da mesma maneira em relação às suas funções e gestão. Em ambas situações, a legislação vigente exige uma gestão participativa e transparente – seja como praça ou como parque – que deverá lidar com os atuais conflitos entre demandas locais e metropolitanas.

Sob uma ótica técnico-urbanística, o conceito de praça guarda uma forte relação de interdependência com seu entorno. Em sua essência, é uma continuidade dos espaços públicos e das atividades humanas que ocorrem em seu perímetro. Assim, a praça, comparativamente ao parque, é um espaço potencialmente mais integrado ao seu entorno (não que parques não possam sê-lo).
Portanto, defendo que, para lidar com os atuais conflitos que ocorrem entre os usos locais (residenciais) e a crescente centralidade que a Praça do Pôr do Sol vem ganhando, o caráter de praça – acima abordado – deve ser reforçado.
Isso significa aumentar os usos locais em volta e dentro da praça. Significa também melhorar as condições de circulação a pé nos arredores e nos caminhos que a cruzam.
PROPOSTAS
A praça possui caminhos que a atravessam que, como tais, devem ser preservados e mantidos para uso em qualquer horário. Bloquear essas circulações significa transformar a Praça do Pôr do Sol em uma nova barreira urbana. Isso diminui o número de pessoas na rua, gerando um circulo vicioso de insegurança urbana e custos desnecessários.


Um caminho possui mais centralidade1 na medida em que ele é mais contínuo e quanto mais outros caminhos ele cruze. Nesse sentido, ganha destaque o percurso que corta a Praça do Pôr do Sol quase no seu centro, que se estende desde a Marginal Pinheiros (próximo à Estação Cidade Universitária da CPTM) até o espigão do Caaguaçu (na Av. Heitor Penteado, próximo à estação Vila Madalena Metrô).

Esse caminho é atualmente muito deficiente quanto às suas condições de caminhabilidade2 e acessibilidade3. Mas possui potencial excepcional4 se readequado com dimensões e intervenções adequadas e, principalmente, se somado a novos usos locais.
Adequações localizadas no uso do solo também seriam fundamentais para reforçar o uso local nas ruas em volta à Praça do Pôr do Sol. Sem alterar a característica residencial e de baixa densidade do bairro, a praça possui uma centralidade que favorece a criação de uma zona de transição no seu entorno imediato. Isso poderia ser viabilizado através de incentivos para a criação de térreos ativos, com atividades econômicas e/ou institucionais compatíveis com o uso residencial existente.
Para atender às novas demandas e promover seu controle efetivo, a implantação de novos usos dentro da praça merece ser estudado. Além de instalações para sua manutenção e vigilância, equipamentos como sanitários públicos e quiosques podem ser objeto de novos projetos – mas sempre evitando a criação de qualquer nova obstrução à paisagem.
Uma maneira de atender essa diretriz seria construir em pequenos cortes na encosta, criando novos espaços abertos à vista do poente, mas cobertos pelos jardins/ gramados a montante.

Esse mesmo conceito pode ser utilizado para delimitar e organizar os acessos e a circulação de pedestres na borda superior da praça. A instalação de gradil ou cerca no topo da encosta deve ser evitado a todo custo, para preservar a vista desimpedida do horizonte desde a Rua Desembargador Ferreira França. Assim, uma alternativa possível seria a criação de jardins suspensos (mediante incremento da inclinação das encostas e/ ou construção de lajes-jardim) que impeçam a passagem onde se mostrar necessário, mas mantendo a mesma visibilidade original desobstruída do horizonte.

Na parte inferior da praça, há taludes que, por sua inclinação, já constituem barreiras ao acesso. Nos pontos onde ainda for possível acesso não desejado, um incremento da inclinação dos taludes somado à uma vegetação específica (não pisoteável) torna desnecessário o uso de gradis/ cercas.
Somado as alternativas acima, uma sinalização orientativa e rondas permanentes de vigilantes/ guarda civil permitiriam um controle da praça e seu entorno muito mais eficiente e seguro aos pedestres e frequentadores do que cercamentos arbitrários.
MAS, E OS ABUSOS?
Para lidar com os excessos causadores de graves desrespeitos ao sossego dos moradores da vizinhança (independentemente do espaço público ser praça, parque, rua ou avenida) regras claras e de fácil aplicação devem ser definidas. Não há outra saída. Não será um gradil ou cerca que vai resolver (podem até atrapalhar).
Apesar de que acessos bem definidos e uma boa visibilidade ajudem no controle e aumentem a sensação de segurança para todos, não existe espaço urbano público de qualidade sem o estabelecimento de regras. Legislação existe. Mas falta uma estratégia clara e única a ser aplicada aos espaços públicos de São Paulo que, aos poucos, consiga criar um ambiente urbano onde moradores, frequentadores e vizinhanças locais se respeitem mutuamente, sem necessidade de segregar espaços e pessoas.
Não se trata de favorecer apenas uma forma de ocupar um espaço. Cada espaço público tem uma vizinhança específica e perfis de visitantes/ frequentadores diferentes.
Temos uma lei para a gestão participativa das praças. Também há lei para a gestão participativa de parques. Há a lei do Plano Diretor vigente, que define parâmetros de incomodidade urbana segundo zona e horário5. Há também a lei que regulamenta a apresentação de artistas de rua. Mas falta um entendimento prático da aplicabilidade daquilo que pode e não pode no espaço público – em diferentes horários e medidas.
Por citar um feliz exemplo de espaço público bem ocupado e administrado, o Bryant Park (em Manhattan, Nova Iorque) possui regras claras do que pode e não pode. Trata se de uma praça, apesar de cercado por movimentadas avenidas, possui acesso fácil e um acesso ao metrô. O Bryant Park abriga um grande gramado para desfrute dos frequentadores e circulações bem definidas sempre abertas ao público. O gramado possui horários em que fecha para manutenção. Na sua última reforma teve seu gramado rebaixado, para ficar mais visível aos olhos dos transeuntes e implantado um sistema de mobiliários móveis (cadeiras e mesas) que podem ser livremente utilizados pelos frequentadores.



O exemplo acima não deve ser entendido como referência a ser seguida indiscriminadamente. Cada espaço é único e como tal, deve criar sua identidade e suas próprias regras de operação/ gestão e manutenção.
Mas, em suma, podemos concluir que o projeto do espaço público deve incluir um desenho consistente e de fácil compreensão que esteja de mãos dadas com um uso consistente e com regras de fácil assimilação e aplicação.
REFERÊNCIAS
1 No sentido topológico do termo, onde pode ser entendido como “melhor conectado” com os demais caminhos (tanto locais como globais/ metropolitanos) de uma dada configuração de circulação. Ver HILLIER, B.; HANSON, J. “The Social Logic of Space” e “Space is the machine” – Cambridge University Press, 1984.
2 Qualidade do lugar, correspondente à facilidade para o deslocamento a pé, considerando indicadores como segurança pública, segurança viária, acessibilidade, condição do passeio, iluminação, atratividade, integração com transporte coletivo, entre outros.
3 No sentido da norma NBR 9050 (ABNT).
4 Principalmente se comparado às condições de caminhabilidade das vias na região do Alto de Pinheiros e no entorno da Praça do Pôr do Sol, onde predominam a ausência de continuidade dos percursos – seja devido à falta de faixa livre contínua, falta de travessias sinalizadas para pedestres como pela configuração pouco contínua do sistema viário.
5 No quadro 4b, anexo da Lei Municipal Nº 16.402 de 22 de março de 2016
- Projeto de Lei 01-00454/2021; vide: http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/fulltext/projeto/pl0454-2021.pdf.
- Parecer conjunto nº 775/2021 das comissões sobre o projeto de lei nº 0454/21; vide http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/fulltext/parecer/conj0775-2021.pdf.
- Nunes, Mônica “#PôrDoSolSemCerca: moradores criam movimento contra cercamento de praça pela prefeitura, sem consulta pública”, em https://conexaoplaneta.com.br/blog/pordosolsemcerca-moradores-criam-movimento-contra-cercamento-de-praca-pela-prefeitura-sem-consulta-publica/#fechar, acessado em 31/08/2021
- Mekari, Danilo “A vista para o pôr do sol mais bonita de São Paulo não pode ser cercada”, em https://portal.aprendiz.uol.com.br/2016/11/09/vista-para-o-por-sol-mais-bonita-de-sao-paulo-nao-pode-ser-cercada/, acessado em 31/08/2021
- Rodrigues, Rodrigo “Prefeitura conclui gradeamento da Praça Pôr do Sol, na Zona Oeste de SP; MP diz que fechamento sem consulta pública fere lei municipal”, em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2021/06/14/prefeitura-conclui-gradeamento-da-praca-por-do-sol-na-zona-oeste-de-sp-mp-diz-que-fechamento-sem-consulta-publica-fere-lei-municipal.ghtml, acessado em 31/08/2021
- SAAP – Sociedade dos Amigos de Alto de Pinheiros “Cercada por alambrado, Praça Pôr do Sol vai fechar das 22h às 6h”, em http://www.saap.org.br/areas-verdes/cercada-por-alambrado-praca-por-do-sol-vai-fechar-das-22h-as-6h/, acessado em 31/08/2021
- SAAP – Sociedade dos Amigos de Alto de Pinheiros “Parque do Pôr do Sol”, em https://parquepordosol.wordpress.com/, acessado em 31/08/2021
- D’Alessio, Emilio “Piazza del Campo – what makes it great?”, em https://www.pps.org/places/piazza-del-campo, acessado em 31/08/2021
- Wikipédia, a enciclopédia livre “Bryant Park”, em https://pt.wikipedia.org/wiki/Bryant_Park, acessado em 31/08/2021
- Ling, Anthony “Cercar espaços públicos é errado em todos os sentidos imagináveis”, em https://caosplanejado.com/cercar-espacos-publicos-e-errado-em-todos-os-sentidos-imaginaveis/, acessado em 31/08/2021
- Project for Public Spaces “What Role can Design Play in Creating Safer Parks?”, em https://www.pps.org/article/what-role-can-design-play-in-creating-safer-parks#comments, acessado em 31/08/2021
- Alex, Sun “Projeto da praça: convívio e exclusão no espaço público” – Senac, 2008
- Netto, Vinicius M. “The social fabric of cities” – Routledge, 2017
- Hillier, B and Hanson, J “The Social Logic of Space” – Cambridge University Press, 1984
- Lynch, Kevin “A imagem da cidade” – WMF, 2011
Mateo Murillo é Arquiteto e Urbanista, Consultor em mobilidade e colaborador da Cidadeapé