Por que só agora a Prefeitura está preocupada com as mortes no trânsito?

Nas primeiras semanas de janeiro, duas ações da Prefeitura de São Paulo a respeito da mobilidade urbana ocuparam o noticiário: o aumento nas tarifas de ônibus e o embate com as empresas de transporte por aplicativos. A primeira ação já era esperada desde dezembro, pelo menos pelos representantes da sociedade civil no Conselho Municipal de Trânsito e Transportes, que tentaram em vão dialogar com a gestão sobre alternativas para não tornar o acesso ao transporte público cada vez mais custoso à população.

Já a segunda ação veio em resposta ao anúncio de uma empresa de transporte por aplicativo de que colocaria na rua o serviço de transporte de passageiros por motocicletas, à revelia da proibição da Prefeitura. Do lado de quem quer operar o serviço, argumenta-se que a Prefeitura não pode proibir o serviço que uma lei federal supostamente autoriza. Do outro lado da briga, o prefeito Ricardo Nunes defende que a proibição é uma das prerrogativas da prefeitura e que a lei federal não cita motos. Mas o que chama atenção é outro argumento defendido por Nunes: o de que o serviço de transporte de passageiros em motocicletas promoveria uma carnificina no trânsito.

Essa afirmação pode ser conectada com outro fato que veio à tona em janeiro, mas com bem menos repercussão: o aumento na quantidade de vidas perdidas no trânsito paulistano pelo 4º ano consecutivo. Foram 1.031 pessoas mortas pela brutalidade do trânsito em 2024, segundo os dados do Infosiga – em um universo de mais de 26.000 sinistros, que deixam inúmeras sequelas entre as vítimas envolvidas. É a primeira vez desde 2015 que ultrapassamos as 1.000 mortes anuais.

Evolução dos óbitos no trânsito da cidade de São Paulo de 2015 a 2024 (reprodução site Infosiga)

Os números mostram que a carnificina já está acontecendo, antes mesmo de o transporte de passageiros por motocicletas começar a funcionar na cidade. Mas por que essa quantidade de vidas perdidas não são suficientes para chamar a atenção do prefeito? Motociclistas já são a maioria entre as vítimas da violência no trânsito (46,8%), mas a Prefeitura insiste em afrouxar a fiscalização que poderia salvar suas vidas, enquanto propagandeia a faixa azul como solução – sem sequer disponibilizar os dados e estudos completos que permitiriam confirmar sua eficácia.

Mortes no trânsito em 2024 na cidade de São Paulo por meio de transporte da vítima (elaboração própria)

Enquanto isso, os pedestres são 36,8% dos mortos de um trânsito que parece cada vez mais sem lei. O número de agentes de trânsito nas ruas não para de cair, reduzindo a capacidade de fiscalização das infrações que ameaçam os pedestres. Além disso, a Prefeitura paralisou ações de acalmamento de tráfego, como a implantação de Zonas Calmas, essenciais para reduzir os atropelamentos em áreas de maior movimentação. Vale lembrar que essas ações estavam previstas no Plano Municipal de Segurança Viária, que foi abandonado quando o prefeito decidiu eliminar a meta de redução de mortes no trânsito do programa de metas referente ao seu primeiro mandato.

O que se vivencia hoje é um retrocesso em relação às políticas públicas que permitiram que a cidade de São Paulo reduzisse a violência no trânsito – e a tendência é piorar, caso a gestão continue apenas performando uma preocupação com o tema. Se por um lado é louvável que a Prefeitura comece a cobrar as empresas de transporte por aplicativo pela responsabilidade sobre os sinistros de trânsito causados pelos condutores que operam seus serviços, é contraditório testemunhar sua paralisia diante do aumento da letalidade das ruas. Seria a hora de o prefeito mostrar que está preocupado em agir para tornar o trânsito da cidade minimamente civilizado e retomar o Plano Municipal de Segurança Viária.

Mortes de pedestres e ciclistas voltam a aumentar em São Paulo

A plataforma do governo do Estado, Infosiga, divulgou o balanço das ocorrências no trânsito em 2019. O resultado infelizmente não nos surpreende: aumento de quase 2% nas mortes de pedestres (de 374 em 2018 para 381 em 2019) e de alarmantes 64% nas mortes de ciclistas (de 22 em 2018 para 36 em 2019). Representando 5% de aumento no total de mortes para a mobilidade ativa.

Sao Paulo-SP 2019 - Óbitos por Modal de Locomoção da Vítima

Sao Paulo, SP 2019 – Óbitos por Modal de Locomoção da Vítima. Fonte: Infosiga, Governo do Estado de São Paulo

Esses números trágicos são a comprovação da falta de continuidade de políticas concretas de segurança viária que vinham dando resultados nos últimos anos e que foram descontinuadas e desestruturadas desde o início da gestão Dória-Covas. No último ano da Década de Segurança Viária da ONU, a Prefeitura de São Paulo continua favorecendo o idealizado “fluxo” de veículos e o conforto de quem está protegido em seus automóveis em detrimento das vidas de quem anda a pé ou de bicicleta. Ainda que,  de acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana e o Código de Trânsito Brasileiro, os modos ativos de deslocamento devessem ser priorizados.

Para reduzir as mortes no trânsito, é preciso que a Prefeitura se comprometa com ações mais ágeis, robustas, sistemáticas e descentralizadas. O aumento no número de mortes das pessoas mais vulneráveis no sistema de trânsito, pedestres e ciclistas, reforça a necessidade urgente de reduzir as velocidades por toda a cidade e aumentar a fiscalização.

E isso deve ser feito não apenas com a implantação de radares e fiscalização por toda a cidade, mas também com projetos de mudanças nos desenhos das ruas, de forma a obrigar motoristas a dirigirem com o máximo de cautela e atenção, em velocidades compatíveis com a segurança de todos. Seguiremos atentos e pressionando a Prefeitura a adotar medidas com a urgência que essa questão de saúde publica exige.

Nota editada a partir do texto da Ciclocidade.