Acompanhamos apresentações da Prefeitura sobre a intenção de construir VLT no centro e apresentamos aqui os principais pontos de atenção
A Cidadeapé assistiu a duas apresentações da Prefeitura de São Paulo sobre o projeto da construção de duas linhas de Veículo Leves sobre Trilhos (VLT) no centro da cidade, em reuniões do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes e da Câmara Temática de Mobilidade a Pé. Esse projeto, conduzido pela SPUrbanismo, promete “integrar o centro” e conectar as centenas de linhas de ônibus que passam pela região. O custo total previsto é de R$4 bilhões. Seguiremos acompanhando as atualizações sobre o projeto, que em breve deverá passar por consulta pública.
Enquanto não chegam mais informações, levantamos seis questões sobre o projeto que consideramos importantes, considerando os possíveis impactos para a mobilidade a pé:
1. Oportunidade para retirar os carros do centro da cidade
Levando em conta outros projetos de implantação de VLT pelo Brasil e pelo mundo, essa pode ser uma ótima oportunidade para substituir faixas de circulação de carros das ruas por um transporte limpo e silencioso. Nas apresentações, a SPUrbanismo afirmou que o projeto visa a redução de faixas de carros para apenas uma. Há pelo menos uma exceção já declarada, no Viaduto Dona Paulina (imagem abaixo), onde a calçada, já bastante larga, seria reduzida para dar espaço às duas vias do VLT e duas de carro (hoje essa via conta com 3 faixas de carro e 2 de ônibus).
A SPUrbanismo também afirmou categoricamente que o VLT não compartilharia espaço com carro, mas possivelmente com ônibus em alguns trechos.
Contudo, sabemos que é possível haver resistências à retirada de espaço para a circulação de carros, especialmente durante o desenvolvimento e implantação do projeto. Se a Prefeitura hesitar em tirar esse espaço e permitir o compartilhamento dos trilhos com outros modos, há grandes riscos de o projeto perder sua função. É preciso insistir para que o projeto do VLT seja o caminho para a restrição cada vez maior para a circulação de carros no centro da cidade.
2. Haverá ampliação de espaço para a mobilidade a pé?
A outra grande oportunidade do projeto é ampliar o espaço destinado à circulação a pé, bastante grande no centro especialmente no horário comercial. A SPUrbanismo afirmou que a redução de faixas de veículos para implantação do VLT possibilitaria o alargamento de calçadas e a criação de ciclovias. Essas mudanças que extrapolam a implantação do VLT em si estão sendo chamadas de intervenções urbanísticas e devem custar 25% do total do projeto, 4 bilhões.
Na apresentação foi citada uma estimativa de requalificação de 50 km de calçadas, tornando-as acessíveis. Não foram apresentadas, no entanto, previsões para o alargamento das calçadas.
3. Como será a integração entre linhas de ônibus?
O objetivo primordial do VLT é integrar os modos de transporte público que convergem no centro da cidade. Na apresentação, foi citada a “Integração Multimodal no Centro + 9 estações de metrô + 2 estações da CPTM + 5 terminais de ônibus” (conforme imagem abaixo).
Pairam algumas dúvidas sobre como se dará essa integração. Serão criadas rotas acessíveis entre os acessos às estações, terminais e pontos de ônibus? Como será organizada a informação aos passageiros, para orientar a localização dessas estações, terminais e pontos e indicar quais linhas de ônibus são atendidas em cada local? Como se dará a integração a pé entre os pontos de VLT em viadutos e os corredores atravessados por eles (como viaduto e avenida 9 de Julho, Viaduto Maria Paula e Frederico Alvarenga)?
Para serem consideradas integrações de verdade, é necessário que haja conectividade tanto da infraestrutura quanto da informação disponível aos usuários – levando em conta que passam todos os dias pelo centro da cidade pessoas que não conhecem esse espaço. Além disso, a integração tarifária entre os diferentes modos precisa ser discutida.
4. Compartilhamento de espaço com pedestres
Uma das vantagens do VLT é a sua proximidade do nível da rua por onde se deslocam os pedestres, facilitando a acessibilidade. Mas essa proximidade pode também representar um risco de conflitos com pedestres, especialmente se a organização dos espaços da via não considerarem os fluxos por onde caminham. É necessário, portanto, que os princípios de Sistemas Seguros norteiem os novos desenhos das vias no projeto.
5. Importância do mobiliário urbano de qualidade e de arborização
O projeto prevê a implantação de 5km de corredores verdes. É oportuno acompanhar a arborização com um projeto de mobiliário urbano de qualidade, com bancos com encosto e bebedouros espalhados nas áreas de maior circulação de pessoas. Esses mobiliários são fundamentais para o conforto de quem circula a pé, especialmente crianças, idosos e pessoas com deficiência.
6. E as contrapartidas sociais?
Chama atenção o fato de o projeto do VLT estar inserido em um plano maior da chamada “revitalização” do centro da cidade, que inclui operações urbanas, a PPP do Parque Dom Pedro e até a implantação de novas avenidas. Tudo isso se combina com o plano do governo do estado de transferir a sua sede para os Campos Elíseos. Esses movimentos, no entanto, preocupam pela falta de sensibilidade social – seja porque estão sendo tocados com pouco diálogo com a população que já vive no centro, seja porque em alguns casos, preveem a “atração” de novos moradores para a região sem considerar a necessidade de suprir o déficit habitacional para os paulistanos de baixa renda.
Nesse sentido, nos preocupa que projetos que venham a melhorar a circulação no centro da cidade e caminhem no sentido da descarbonização dos transportes não estejam combinados com programas de habitação social na região. Sem as contrapartidas sociais, projetos como o VLT podem ameaçar a permanência de moradores de baixa e média renda na região – que são justamente as pessoas que já se deslocam por meios mais sustentáveis. O próprio projeto do VLT pretende ser viabilizado por uma parceria público-privada – cuja contrapartida para os investidores pode ser a própria valorização dos imóveis da região. Logo, se não estiver combinado com políticas de habitação social
Em resumo, o projeto do VLT tem grande potencial para diminuir distâncias e tempos de deslocamento para quem usa transporte público e precisa passar pelo centro da cidade. Os principais ganhos que ele pode trazer, no entanto, estão ligados às intervenções urbanísticas, como a redução de faixas de veículos, a ampliação de calçadas e ciclovias, a melhora da acessibilidade e a qualificação do mobiliário urbano. Como essas intervenções não são o objeto principal do projeto, há o risco de ele ser entregue sem que elas sejam contempladas ou sejam feitas de forma inadequada. Esse é um risco grande, considerando que algumas dessas intervenções são mais polêmicas e que não são baratas (representam 25% do custo do projeto). Além disso, preocupa muito como a questão da habitação social é jogada para escanteio, o que aumento o risco de o projeto do VLT se tornar mais um indutor de gentrificação. Esses são alguns pontos essenciais para acompanharmos e debatermos, considerando que a consulta pública deve ser aberta nos próximos meses.
