OPINIÃO – Sobre o relatório de vítimas fatais no trânsito paulistano

Autor: Joana Canêdo*
Data: 15/05/2015

A semana que se seguiu à publicação do Relatório de acidentes de trânsito fatais da CET, referentes ao ano de 2014, foi repleta de análises da mídia. O grande destaque foi para o número de morte de ciclistas que teria aumentado — mas que deixou de levar em consideração a quantidade de ciclistas em circulação, ou seja, proporcionalmente ao uso de bicicletas, as mortes de ciclistas diminuíram 10% em São Paulo.

Fiquei me perguntando por que não pareceu chocante para ninguém que  a maior vítima do trânsito na capital paulista sempre foi, e continua sendo, os pedestres. E isso mesmo quando os acidentes estavam em queda. (Entre os poucos jornais que tocaram no assunto estão:  Metro e Agora, e o portal Mobilize; e a Globo fez uma reportagem específica sobre a avenida mais letal da cidade).

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Por que tão pouca gente  comentou que tantas pessoas morrem atropeladas todos os dias em São Paulo. Será que essa “fatalidade” é normal?

Os pedestres representam a maioria dos usuários das vias da cidade, mais de 13 milhões de pessoas se deslocam a pé todos os dias na RMSP (contra 12 milhões de carros). Ainda assim todo o planejamento do viário é pensado e estruturado para facilitar o fluxo, e com isso a velocidade, dos veículos e o conforto dos motoristas, demonstrando que a segurança no trânsito não é prioridade das ações de mobilidade na cidade.

Em São Paulo, as velocidades máximas permitidas nas ruas são assustadoramente altas, o que aumenta a gravidade dos atropelamentos,  a maior causa de fatalidades no trânsito da cidade.

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Além disso há uma cultura de desrespeito às leis básicas do trânsito, como parar na faixa para o pedestre atravessar, prioridade do pedestre na conversão, ultrapassar o limite de velocidade da via, etc. Sem contar uma engenharia de tráfego que calcula tempos semafóricos em função do número de carros na via e não em função do tempo necessário para as pessoas atravessarem, para citar apenas alguns exemplos de como as pessoas que caminham estão sempre em último lugar na escala de prioridades.

É urgente que a cidade abra os olhos e reaja para a segurança dos atores mais vulneráveis da mobilidade urbana: as milhões de pessoas que andam pelas ruas e calçadas de São Paulo todos os dias e se encontram constantemente em situação de risco.

Segunda o relatório da CET, em 2014, 44,4% das vítimas fatais do trânsito foram pedestres, 555 no total, sendo que 537 deles morreram atropelados, em sua grande maioria por automóveis (45%, seguidos de ônibus, 26%, e motos, 20%). Esse número significa um aumento de 8% na morte de pedestres, quando comparado a 2013.

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De todas as mortes de pedestres, mais de 35% foram de pessoas com mais de 60 anos – sinal de que os mais velhos, com mais dificuldade de deslocamento e de atenção, enfim os mais vulneráveis, são as grandes vítimas.

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O perfil sócio econômico das vítimas se equivale ao perfil socioeconômico da população abrangida pelo Modal a Pé na Pesquisa de Origem e Destino do Metrô (2007).

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Quanto ao local dos acidentes fatais, eles estão espalhados por toda a cidade. Mas observando bem o os mapas é possível identificar pontos específicos onde é nítida a necessidade de ações estratégicas para evitar mortes.

É o caso, por exemplo, do centro da cidade, onde a restrição da circulação de veículos poderia ser ampliada, uma vez que é uma área com grande número de circulação de pessoas a pé e com ampla estrutura de transporte público.

As marginais do  Tietê e do Pinheiros, ao lado das avenidas Marechal Tito e Teotônio Vilela, foram as recordistas de atropelamentos fatais, indicando uma óbvia necessidade de reduzir a velocidade máxima permitida nessas vias imediatamente.

A Zona Leste precisa de uma atenção especial, pois é a região na cidade com o maior número de vítimas fatais, ultrapassando 17% do total das 10 regiões consideradas, sendo que quase 50% das vítimas da região eram pedestres.

Há várias outras conclusões que podem ser tiradas deste relatório e que deveriam subsidiar políticas públicas voltadas para a segurança sobretudo do pedestre, o ator mais vulnerável da mobilidade.

É preciso destacar que, apesar de 32% das viagens serem feitas exclusivamente a pé na cidade (e esse número não inclui caminhantes que vão para os pontos de ônibus, estações de trem, até a padaria do bairro ou almoçar ao meio-dia), o pedestre é sempre o último a ser considerado nas políticas públicas. Quando essas o fazem, é dificultando a sua vida ou os infantilizando.

Os chamados projetos de segurança para o pedestre incluem a instalação de  barreiras físicas em cruzamentos onde há muito trânsito de veículos – o que aumenta a distância e diminui a eficiência dos trajetos. Isso é uma inversão da prioridade, garantida por lei, ao pedestre pois, segundo o art. 38 do Código Brasileiro de Trânsito, “o condutor deverá ceder passagem aos pedestres e ciclistas” ao fazer a conversão. Com essas barreiras, a CET passa, na prática, a prioridade ao condutor do veículo. E não vou nem citar as campanhas “educativas” que idiotizam o pedestre ao exibir palhaços atravessando fora da faixa.

São portanto mais do que urgentes políticas públicas voltadas especificamente para a segurança das pessoas que andam pela cidade, as grandes vítimas do trânsito urbano

Entre as primeiras medidas que devem ser tomadas estão:

1) Redução da velocidade dos veículos automotores nas ruas – por meio de redução do limite das velocidades das vias, mas também através de ações de engenharia, como implantação de traffic calming, implantação de ciclovias, estreitamento das faixas em avenidas, plantio de árvores no centro da via, entre outros.

2) Uma verdadeira reeducação do trânsito, na qual todos os atores aprendam e obedeçam às regras mais fundamentais do CTB, como a mais óbvia, de respeitar o limite de velocidade da via, mas também a de que (Art. 44): “ao aproximar-se de qualquer tipo de cruzamento, o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial, transitando em velocidade moderada, de forma que possa deter seu veículo com segurança para dar passagem a pedestre e a veículos que tenham o direito de preferência”.

Pequenas reduções de velocidade diminuem de forma significativa as mortes no trânsito. Gráfico- WRI Brasil - EMBARQ Brasil Impactos da Redução dos Limites de Velocidade em Áreas Urbanas

Pequenas reduções de velocidade diminuem de forma significativa as mortes no trânsito. Gráfico- WRI Brasil – EMBARQ Brasil Impactos da Redução dos Limites de Velocidade em Áreas Urbanas

Veja aqui um estudo da WRI Brasil – EMBARQ Brasil sobre o Impacto da redução dos limites de velocidade em áreas urbanas

Veja aqui as recentes propostas da prefeitura de São Paulo quanto a redução de velocidade em algumas avenidas da cidade

* Agradeço as sugestões de Rafael Calábria e as colocações de Meli Malatesta.

“Fotos sobre tapume propõem olhar mais atento à calçada paulistana”

Publicado originalmente em: Mobilize Brasil
Autor: Regina Rocha / Mobilize Brasil
Data: 02/03/2015

Mostra com cenas urbanas e foco em calçamento histórico de São Paulo é exposta em plena rua, de modo a ser vista por todos os que passam diante de um tapume de obra

Quem passar a pé pelo bairro de Higienópolis, na região central de São Paulo, não pode deixar de parar e observar as imagens que recobrem os tapumes de uma obra no número 200 da rua Dr. Gabriel dos Santos.

Nesse suporte pouco usual, o fotógrafo Duda Groisman montou sua exposição fotográfica Por onde vou, que destaca um calçamento paulistano  – de ladrilho hidráulico, com a estampa do diagrama do estado – concebido há quase 50 anos (por Mirthes dos Santos Pinto), e que se tornou um ícone da capital.

Esse piso, que persiste em várias calçadas da cidade, conta uma história pouco conhecida dos próprios cidadãos, que sempre apressados, não tem tempo de refletir sobre seus próprios percursos. Assim, essa intervenção e produção artística no ambiente urbano tem a intenção de fazer o resgate dessa história da cidade, materializada num produto emblemático, e levar os passantes, protagonistas das imagens, a refletirem sobre seus caminhos.

Foto tira partido do reflexo da popular calçada com o diagrama de SP.  Foto: Duda Groisman

Foto tira partido do reflexo da popular calçada com o diagrama de SP.
Foto: Duda Groisman

 

Percepção da cidade

Duda Groisman, um administrador de empresas que em 2009 trocou o mundo corporativo pela fotografia, explica seu interesse por esse tema que, esclarece, é apenas uma parte do seu interesse maior pela vida da cidade, pelo ambiente urbano: “Deixei de usar o carro no dia a dia e, ao me deslocar caminhando, de bicicleta ou de transporte público, fui mudando minha percepção da cidade. Muita coisa passou a chamar minha atenção, como  observar este calçamento, sobre o qual pouca gente tem informação; eu mesmo não conhecia sua história, e veja que ele está aí desde 1966!”.

Pouco antes do dia 25 de janeiro, aniversário da cidade, Groisman viu a oportunidade de realizar esta mostra nos tapumes de uma obra em construção (da Think Construtora, parceira no projeto), e a série de fotos que tinha sobre o calçamento veio a calhar. “A ideia me agradou por ser uma intervenção urbana e democrática, ficando a vista de todos, 24 horas por dia, por muito tempo, diferente do que acontece em outros espaços expositivos. E o tema tinha ligação com a cidade, sua história, e com a arquitetura e design, por se tratar de uma obra, incluindo o restauro de dois casarões”, explicou.

Para o fotógrafo, interessa também levar as pessoas a se fixarem mais na paisagem urbana. “A grande maioria passa sem notar, não apenas o passeio, mas outros tantos detalhes da cidade. Claro que o paulistano até olha o chão por onde anda, pois se não, pode cair (risos) nos buracos de nossas calçadas mal cuidadas. Mas no dia a dia não vai olhar como observador, curioso das formas, materiais…”

A mostra “Por onde vou” ocupa o tapume de cerca de 38 m X 2,10 m, com 11 fotos em tamanho grande (para ser vista também por quem passa de carro ou na calçada oposta, explica o fotógrafo). E tem como cenário o calçamento dos bairros de Higienópolis, Santa Cecília, Barra Funda, Jardins e Centro.

Mostra fotográfica “Por onde vou” de Duda Groisman
Endereço: Rua Dr. Gabriel dos Santos, 200 – Higienópolis – São Paulo
Referência: próximo à estação Marechal Deodoro do metrô
Quando: por tempo indeterminado
Mais sobre a história do calçamento paulistano: www.facebook.com/porondevou