“Documentário sobre dificuldades de locomoção no HC é lançado na Faculdade de Medicina da USP”

Publicado originalmente em: Instituto de Estudos Avançados – IEA-USP
Autor: Vinícius Sayão
Data: 21/09/2017

Comentário da Cidadeapé: Como é chegar a pé ao maior complexo hospitalar da América Latina? Esse documentário produzido pela USP retrata os principais desafios à locomoção de pacientes e seus acompanhantes no entorno do Hospital das Clínicas. Temos acompanhado um projeto da CET – Companhia de Engenharia de Tráfego de readequação e acessibilidade da região através da Câmara Temática de Mobilidade a Pé. Durante o mês da mobilidade, nossos articuladores Rafael Calabria e Meli Malatesta participaram de debates na USP para discutir soluções para os problemas de mobilidade da região.

Na tarde do dia 20 de setembro aconteceu a primeira exibição de ‘Dis’mobilidade Urbana, documentário sobre dificuldades de locomoção na região do complexo do Hospital das Clínicas (HC), produzido pela IEA e pela Faculdade de Medicina (FM) da USP, com apoio do HC. O lançamento ocorreu durante o encontro Novos Olhares sobre a ‘Dis’Mobilidade no Complexo do HC, inserido na programação da Semana da Mobilidade da Faculdade.

O documentário pode ser visto na íntegra aqui.

Alternando entre depoimentos e imagens, o filme mostra a dificuldade que diversas pessoas sofrem para chegar ao hospital. São recorrentes casos em que os pacientes chegam horas antes da consulta. O motivo é a existência de obstáculos no caminho, tanto a pé quanto de transporte público. Como mostrado, há pacientes com dificuldade de locomoção que demoram até 25 minutos para percorrer uma distância de cerca de 400 metros, entre o hospital e a estação Clínicas do metrô.

Uma outra paciente no documentário é uma menina de oito anos de idade, cadeirante. A mãe dela relata que para conseguirem subir da estação do metrô à Av. Dr. Arnaldo – não existe elevador ligando os dois pontos –, é preciso que algum funcionário se disponha a empurrar a cadeira-de-rodas, enquanto ela leva a criança no colo. “É sempre um constrangimento para ela, que não é mais tão pequena”, diz a mãe.

Em outro momento, é mostrado um cadeirante e seu acompanhante a caminho do hospital. Por diversas vezes os dois são forçados a transitar pela rua, no meio dos carros, porque as calçadas, cheias de obstáculos e buracos, não permitem a passagem da cadeira.

O problema do trânsito também é amplamente comentado no documentário. Na região, o tráfego atrasa – quando não impede – a chegada das ambulâncias. Apesar da existência de uma “ambulofaixa” na Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, a principal via do complexo, os veículos insistem em parar nela: “A pessoa não desce do carro. Ele fica e se a CET encostar, ele vai dar uma volta e parar aqui de novo”, comenta Rita Peres, coordenadora de segurança corporativa do Hospital. “Chegamos ao ponto de precisar ligar a sirene da ambulância para transitar dentro do complexo”, complementa Maria Amélia de Jesus, enfermeira coordenadora do plantão.

Funcionários do hospital relataram como muitas vezes o atendimento de emergência acontece no meio da rua, em casos que as ambulâncias não conseguem chegar. Também acontece frequentemente, segundo eles, de pacientes não conseguirem chegar ao setor onde serão atendidos, sendo socorridos em geral pela equipe do Hospital da Criança, que é o mais próximo da saída do metrô e no início da avenida.

A ideia de fazer o filme surgiu da percepção dos funcionários da Comissão de Sustentabilidade da FM de que era necessário fazer algo novo para a Semana da Mobilidade da FMUSP.

O filme foi produzido e dirigido pela jornalista Fernanda Cunha Rezende, que coordena a área de comunicação do IEA, com apoio dos funcionários do Instituto, da FMUSP e médicos do HC. O roteiro e edição são de Diego Machado.

Debate

Mesa Dismobilidade urbana - 1
Debateram, da esquerda para a direita, Paulo Saldiva, Rafael Calabria (Cidadeapé), Linamara Battistella, Júlia Greve e Helena Ribeiro

Após a exibição, o diretor do IEA e professor da FMUSP Paulo Saldiva; as professoras da Medicina Júlia Maria D’Andréa Greve e Linamara Rizzo Battistella, secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência; a diretora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, Helena Ribeiro e o geógrafo Rafael Gândara Calabria, da Cidadeapé, debateram o tema a partir do filme.

Saldiva comentou algumas de suas ideias para ajudar a solucionar os problemas de mobilidade na região, como solicitar ao metrô a implantação de um elevador que chegue ao nível da Avenida Dr. Arnaldo, visto que atualmente há elevador apenas entre o andar da plataforma dos trens e o das catracas, um abaixo do nível da avenida. Outra ideia é a possibilidade de serem oferecidas cadeiras de rodas emprestadas no metrô, semelhante ao sistema de bicicletas compartilhadas. O professor acredita que é necessário um “urbanismo pensando na qualidade de vida das pessoas”.

Concordando com Saldiva, Rafael Calabria disse ser necessário uma redistribuição do espaço da região: “Existem ambulantes na região, porque as pessoas que ficam fora do hospital precisam comer. Só uma lanchonete não dá conta. É preciso colocar os ambulantes em uma local que não atrapalhe a movimentação”.

Quanto ao trânsito a pé no complexo, os participantes do debate comentaram um projeto apresentado no filme, que propõe o fechamento da Av. Dr. Enéas apenas para o tráfego de ambulâncias e pedestres. “CET sempre foi negativa, porque, segundo ela, não teria para onde deslocar o trânsito”, explicou Helena Ribeiro. A Dr. Enéas fica entre duas vias movimentadas, a Rua Teodoro Sampaio e a Av. Rebouças.

“Do jeito que está, o ambiente da região reflete hostilidade ao paciente, não hospitalidade. As calçadas são péssimas. Muitas vezes acontece isso que o filme mostrou, o cadeirante andando no meio da rua”, complementou Helena. Ainda sobre as calçadas, Júlia Greve acrescentou: “A calçada é uma das coisas mais importantes para mudar a mentalidade do paulistano, para fazê-los sair de seus carros. Atualmente, as calçadas são muito ruins para que a gente ande.”

Para Linamara, é preciso “ações articuladas, não isoladas” para mudar a situação. Ela diz que é preciso ouvir as pessoas e que elas possam dialogar juntamente com as instituições envolvidas: o HC, o Metrô, a CET e a prefeitura.

Para que os órgãos públicos se atentem ao problema, a secretária propôs que se fizesse um estudo de quanto custa em reais para o Estado uma pessoa que se acidenta por quedas nas calçadas. Foi em caso semelhante que a prefeitura instaurou o rodízio veicular na capital: após pesquisa de Paulo Saldiva que mostrava como a poluição afetava não somente o indivíduo, mas a sociedade como um todo e quanto isso custava financeiramente.

Saldiva, por fim, comentou as cenas do filme que mostram um cadeirante, o paciente Jean Claude, e seu acompanhante, percorrendo o caminho ao HC. Para ele, as imagens mostram, de fato, a existência de uma ambiente hostil nas ruas e calçadas, contrastadas com a tranquilidade ao se entrar no hospital. “Da porta para dentro, melhora. O problema é chegar”, concluiu o professor.

Próximas exibições

No próximo sábado, 23 de setembro, o filme encerrará a programação da Virada da Mobilidade, numa exibição às 17h na sala 2 do Cinearte, no Conjunto Nacional. Para falar do filme e de seu tema central, Saldiva e Meli Malatesta, especialista em mobilidade a pé e por bicicleta, farão a exposição “Humanos e Urbanos: uma Caminhada na Fronteira entre Saúde e Doença nas Ruas de São Paulo”. Para participar, é necessário realizar inscrição prévia.

Imagem do post: Cena do documentário "Dis’mobilidade Urbana"

“Caminhando a passos curtos”

Publicado originalmente em: Revista Trip
Autora: Bianka Vieira
Data: 03/03/2017

Enquanto crescia, Thiago Hérick de Sá ouvia histórias de seu avô. Em uma delas, sua mãe contava: “Sempre que tinha de ir à cidade, ele gostava e fazia questão de ir a pé. O problema é que os carros que passavam pela estrada insistiam em oferecer carona. Como recusar favor por aquelas bandas era desfeita, toda vez que o velho Ribamar ouvia o barulho do motor não pensava duas vezes: se escondia no mato.” O feito do avô marcou Thiago, e a história foi escolhida para ser a epígrafe da sua tese de doutorado, Como estamos indo? Estudos do deslocamento ativo no Brasil, concluída em 2016 na Faculdade de Saúde Pública da USP, em São Paulo. Em uma série de estudos — alguns deles feitos em parceria com pesquisadores de Austrália, China, Estados Unidos, Índia e Inglaterra —, ele mostra como as coisas mudaram: do tempo de Ribamar pra cá, a população brasileira não apenas está andando menos, como também está com a saúde comprometida por conta disso.

“A gente tem três enormes problemas, que são a saúde, o ambiente e o aquecimento global. Eles vão bater na nossa porta muito em breve, mas acho que esse sentido de urgência ainda não calou fundo em quem governa e toma as decisões”, diz Thiago. Como efeito, vemos o desenvolvimento urbano caminhar cada vez mais na direção contrária. A motorização contínua das cidades é um exemplo. Apenas nos últimos 10 anos, a frota do Estado de São Paulo passou de 15 milhões de veículos, em 2006, para 28,3 milhões, em dezembro do ano passado, como mostra o Denatran. Só na capital, o número chega a 7,8 milhões, segundo o Detran paulista (sem contar veículos de fora que passam pela cidade diariamente). O aumento da frota também está longe de ser proporcional ao crescimento da população: de acordo com dados da Fundação SEADE, a taxa de crescimento anual do Estado é de apenas 0,85%.

Imagem do post: Crianças na rua. Foto: Irene Quintàns.

“Em São Paulo, 97,8% dos idosos não conseguem atravessar a rua no tempo dos semáforos”

Publicado originalmente em: Agência Fapesp
Autora: Maria Fernanda Ziegler
Data: 03/05/2016

Poucos metros separam uma calçada da outra. Mas, quando o sinal verde autoriza a travessia de pedestres, cruzar a rua pode se tornar uma façanha, principalmente para as pessoas com mais de 60 anos: o luminoso com o bonequinho vermelho começa a piscar antes que eles cheguem com segurança ao outro lado da calçada.

Um estudo feito na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) constatou que 97,8% dos idosos da cidade de São Paulo não conseguem caminhar a 4,3 km/h, velocidade exigida pelo padrão apresentado pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP) para os semáforos da cidade. Na média, a velocidade alcançada pelos voluntários com mais de 60 anos que participaram do estudo foi bem menor que o exigido: apenas 2,7 km/h.

Para medir a velocidade da marcha dos 1.191 idosos que participaram do estudo foi necessária a infraestrutura do Estudo SABE – Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento, pesquisa longitudinal de múltiplas coortes sobre as condições de vida e saúde dos idosos do município de São Paulo.

Esse estudo multicêntrico teve início em 2000, quando, por iniciativa da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), foram pesquisadas pessoas de 60 anos ou mais de sete grandes cidades da América Latina e do Caribe, entre elas São Paulo. Com apoio da FAPESP, o estudo foi reeditado em São Paulo em 2006 e 2010 e em 2016 teve sua quarta edição.

“A velocidade de marcha exigida para atravessar as ruas da cidade não condiz com a população idosa e não podemos desconsiderar o aumento da população idosa no município de São Paulo e no Brasil inteiro”, disse Etienne Duim, autora de artigo com resultados do estudo publicado no Journal of Transport & Health – os outros autores são José Leopoldo Ferreira Antunes e Maria Lucia Lebrão (falecida em julho de 2016).

De acordo com dados da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade), em 2016, o percentual de idosos na cidade de São Paulo era de 12,74%.

“O que constatamos com o estudo é que a cidade não é regulada para o idoso, mas para um indivíduo adulto que, na maioria dos casos, anda entre 4 e 6 km/h sem maiores problemas. Isso tem o efeito de fazer com que o idoso fique cada vez mais confinado em casa”, disse Antunes, professor titular da FSP e orientador do estudo.

A pesquisa tomou como base dados da CET-SP (de agosto de 2016) que regula o tempo dos semáforos a partir de um cálculo que considera a velocidade média para o pedestre como 4,3 km/h. O cálculo é feito para a travessia enquanto o sinal de pedestre está verde. O estudo não considerou o tempo do sinal vermelho piscante. Segundo a CET, não houve alteração no tempo dos semáforos após o período de realização da pesquisa. A análise bibliográfica sobre o tema, feita pelos pesquisadores, apontou que cidades têm reduzido a velocidade média de percurso para pedestres, como Valência e Barcelona, na Espanha, com os seus atuais 3,2 km/h.

Segundo Duim, um estudo realizado na Inglaterra teve resultados muito parecidos com os de São Paulo. “O estudo inglês inclusive teve peso na regulamentação do país, que aumentou o tempo dos semáforos”, disse.

Os dois estudos concluem que, para a população idosa, a caminhada tem importante relação com a saúde e com a interação social e que fatores que atrapalhem a movimentação desse público – como a dificuldade de atravessar ruas – podem indicar perda de autonomia e até mesmo de qualidade de vida do idoso.

Sem pressa

Duim sugere para a capital paulista mudanças parecidas com as adotadas na Inglaterra e na Espanha. Isso garantiria a autonomia e mobilidade da população idosa e, principalmente, a redução de riscos de atropelamentos.

“Aumentar 5 segundos o tempo para cada semáforo pode trazer um impacto no trânsito? Pode. Mas, pelo que vimos nos estudos realizados em outros países, essa mudança é diluída também com a adoção de outras medidas, como alteração de velocidade do trânsito e incentivo ao uso de transporte público, por exemplo”, disse.

Duim indica como alternativa interessante para São Paulo a proposta adotada em Curitiba, onde foram implantados alguns semáforos inteligentes: o idoso insere um cartão num dispositivo eletrônico para determinar que precisará de mais tempo para atravessar a rua.

“O mesmo também vale para outras pessoas com dificuldade de locomoção, como cadeirantes, grávidas e pessoas com crianças pequenas, por exemplo. É uma solução que não impacta tanto o trânsito e cria um processo interessante de inclusão social”, disse.

Mais sobre a pesquisa:

Artigo em português: Tempo de travessia para pedestre e a velocidade de marcha de pessoas idosas

Artigo em inglês: Walking speed of older people and pedestrian crossing time

Reportagem SBT: Tempo de alguns semáforos é menor que velocidade de caminhada dos pedestres

Entrevista CBN: Tempo de travessia dos semáforos de SP é inferior à velocidade média dos pedestres

Imagem do post: Sem faixa de pedestre na via, idoso precisou da ajuda do comerciante João que sinalizou para os veículos pararem. (Foto: Victor Chileno)

 

 

 

 

“Caminhabilidade e velhice”

Publicado originalmente em: Portal do Envelhecimento
Autora: Mônica Rodrigues Perracini
Data: 17/04/2017

Como podemos tornar nossas cidades mais caminháveis para as pessoas à medida que envelhecem? Qual é o papel de cada um de nós? Cidadãos e gestores públicos? Qual é o impacto da falta de boas condições para caminhabilidade nos espaços de vida dos idosos? 

Ir de um lugar ao outro, ou andar (caminhar) é uma atividade que aprendemos desde cedo e incorporamos rapidamente ao nosso repertório de movimentos. Afinal, é um marco no desenvolvimento quando uma criança dá seus primeiros passos. Depois, o andar se torna tão rotineiro que mal percebemos como o fazemos. Andamos para ir e vir. A etimologia da palavra andar (‘walk’ na língua inglesa) fala sobre ‘viajar sobre os pés’ e percorrer um caminho. As duas condições são um fato: para caminhar usamos nossos pés ao longo de um percurso ou caminho.

O conceito de caminhabilidade, do inglês walkability,surgiu para indicar a influência do ambiente construído no caminhar. Ou seja, o quanto a condição física de cada pessoa e sua relação com o entorno (ambiente) permite o seu deslocamento a pé com qualidade. Reflete em que medida o ambiente construído está adequado ou aceitável para caminhar. Isso depende tanto dos atributos físicos do ambiente, tais como as condições das calçadas, iluminação, segurança quanto da percepção de quem se desloca.

Os deslocamentos a pé se realizam no início e no final de todas as modalidades de transporte, assim como na conexão entre elas. Caminhar na cidade é vital pois, permite o acesso básico aos serviços e à atividades de lazer, de compras e de trabalho, dentre outras. Caminhar reconhecidamente traz benefícios para a saúde e uma melhor qualidade de vida e, é essencial para a manutenção da independência nas atividades fora de casa. Além disso, o caminhar fora de casa evita o isolamento social e proporciona uma sensação de liberdade.

Os principais fatores que afetam a decisão de deslocamento a pé dependem das características pessoais (condições físicas, aspectos psicológicos, culturais, socioeconômicos); características do deslocamento (distância e tempo, propósito, se é preciso carregar algum volume, do ambiente construído e social. A interação desses fatores influencia a tomada de decisão de sair de casa.

Caminhabilidade é um princípio fundamental das boas cidades para se viver, aquelas que são chamadas de amigáveis. Trata-se da qualidade do caminhar, da acessibilidade à cidade para qualquer pessoa, de qualquer idade, com qualquer tipo de dificuldade motora. Cidades caminháveis geram funcionalidade, conforto, conscientização e participação social e, por fim são fundamentais para inclusão das pessoas. Uma cidade não amigável é cruel, parcial, limitadora e excludente. De acordo com Glicksman e colaboradores (2013), caminhabilidade tem se tornado um importante conceito no campo da Gerontologia, especialmente nos programas que incentivam o envelhecimento ativo, para garantir que os idosos permaneçam ativos em suas casas e comunidades.

Dentro das perspectivas de construção de cidades inclusivas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como Cidade Amiga do Idoso aquela que estimula o envelhecimento ativo, ao otimizar as oportunidades para a saúde, a participação e a segurança, com o objetivo de aumentar a qualidade de vida à medida que se envelhece e gerar participação econômica e social em ambiente seguro e acessível.

À medida que se envelhece, as pessoas enfrentam desafios específicos de mobilidade. Muitos irão desenvolver incapacidades que podem levar ao declínio das capacidades físicas, cognitivas, sensoriais e psicoafetivas que tornam mais difíceis a adaptação ao meio, reduzindo assim a mobilidade nos espaços de vida. Muitas pessoas idosas com mobilidade reduzida passam a depender das condições oferecidas pela infraestrutura urbana para que possam desempenhar atividades de forma segura.

Entre os grandes empecilhos para um caminhar seguro na rua estão as calçadas em mau estado. Em muitas regiões das cidades a calçada não existe, ou sua largura é insuficiente para acomodar a circulação com conforto, ou ainda se observa a ocorrência de irregularidade no piso, tais como buracos, tampos de inspeção de serviços elevados, declividades acentuadas, ausência de guias rebaixadas, degraus, muretas para contenção de água, falta de concordância de nível, postes e placas mal alocados, dentre outras.

Essas irregularidades são responsáveis por eventos de quedas de pedestres, sendo algumas com consequências graves. A calçada é via fundamental para caminhabilidade. Esta deve ser entendida não só como um corredor de passagem e deslocamento, mas como um espaço de permanência e de convivência adequado à mobilidade e aos sentidos humanos, já que estes fornecem a base biológica das atividades, do comportamento e da comunicação no espaço urbano. A calçada é também um espaço de convivência e de troca.

Um dos meios para discutir cidades amigáveis pode ser através da caminhabilidade. Questões como qualidade e disponibilidade de infraestrutura pedestre contida em uma área definida, presença de amenidades, como bancos e áreas cobertas que promovam a eficiência, o conforto e a segurança do deslocamento a pé são considerados na avaliação de ambientes que promovem a caminhabilidade. A facilidade de ter acesso a bens e serviços através do espaço público, a proximidade e interação entre pessoas e a percepção e sensação de segurança e liberdade são outros aspectos importantes relacionados a caminhabilidade nos espaços urbanos. É apontado como um conceito simples e ao mesmo tempo amplo, assim como é o ato de mover-se.

Os idosos de diferentes faixas etárias e com limitações motoras, visuais ou auditivas reagem de formas distintas frente às barreiras do ambiente. A forma como percebem o meio urbano é essencial na tomada de decisão de sair de casa. Um idoso que se sente inseguro não estabelece uma relação com a cidade, com isto, não tem oportunidade de participação e tende a ficar confinado dentro de casa. Em contrapartida, uma cidade convidativa e caminhável incentiva uma maior mobilidade em todas as pessoas e especialmente nas pessoas idosas.

É necessária a adaptação da sociedade para o desafio de pensar no futuro das grandes cidades diante do impacto social, econômico e cultural devido às mudanças no perfil etário da população brasileira. Para 2050, a projeção de pessoas com 60 anos ou mais é de 29% da população total brasileira.

Assim, é preciso compreender e aprofundar o conhecimento sobre mobilidade da pessoa idosa, destacando as associações entre mobilidade e caminhabilidade com os atributos do ambiente, e assim, desenvolver estratégias para atender e satisfazer as necessidades dessa população no contexto da mobilidade urbana.

Ver Bibliografia completa e Biografia da Autora.

Imagem do post: Sem faixa de pedestre na via, idoso precisou da ajuda do comerciante João que sinalizou para os veículos pararem. (Foto: Victor Chileno)

I Seminário Caminhos da Cidade: mobilidade urbana e saúde

A Cidadeapé foi convidada a participar do seminário organizado pela Faculdade de Saúde Pública da USP e fará uma apresentação na mesa “Conversas sobre Mobilidade e Saúde”, a partir das 10h50.

O Seminário é aberto ao público. Venham fazer parte!

I Seminário Caminhos da Cidade: mobilidade urbana e saúde
Data:
16 de maio de 2016
Horário: das 8h às 12h30
Local: Anfiteatro João Yunes da Faculdade de Saúde Pública da USP
Endereço: Av. Dr. Arnaldo, 715
Organização: Faculdade de Saúde Pública da USP

O “I Seminário Caminhos da Cidade: O desafio de discutir mobilidade urbana e saúde”, promovido pelo Departamento de Epidemiologia em parceria com o Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP, e com apoio da Comissão de Cultura e Extensão da FSP-USP (CCEx), será realizado no dia 16 de maio, no auditório da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Programação

  • 8h00 Credenciamento e Recepção
  • 8h15 Abertura oficial
  • 8h45 Mesa 1: Cidade e Mobilidade
    • Dr. Francisco Comaru (Universidade Federal do ABC)– Cidades e Urbanização não planejada.
    • Ms. Marcelo Pereira Bales (CETESB) – Poluição veicular no município de São Paulo
    • Dra. Maria Ermelina Malatesta (ONG Pé de igualdade) – Mobilidade ativa
    • Dr. Tácito Pio da Silveira (Dir. de Planejamento de Transporte – SPTrans) – Plano de Mobilidade de São Paulo.

Ao final das apresentações, abertura para perguntas e debate.

  • 10h30 Intervalo
  • 10h50 Mesa 2: Conversas sobre Mobilidade e Saúde
    • Dr. Thiago de Sá (Docente da FMABC) – Mobilidade motorizada e impactos na saúde
    • ONG Cidadeapé – Experiências e Propostas de Mobilidade para o Município
    • Pesquisas da FSP/USP
    o Idosos e dificuldade de atravessar as ruas em segurança (Etienne Duim – Estudo SABE)
    o Educação ambiental para promoção da saúde com trânsito solidário (Sandra Costa de Oliveira)
    o De casa para escola – mobilidade de crianças (resultados preliminares) (Sandra Costa de Oliveira)

Ao final de cada Mesa, haverá abertura para perguntas e debate.

“Andar a pé como modo de transporte: conceituando infraestrutura para circulação a pé”

Publicado originalmente em: ANTP
Autor: Juliana Tiemi Tamanaha
Data: 07/02/2015

Nos últimos anos, a população brasileira passou a pressionar por investimentos no sistema de transporte, principalmente por mais linhas de metrô. A ineficiência da cidade voltada para o uso privilegiado do automóvel comparada à eficiência do metrô faz com que o foco da opinião pública esteja neste último – atualmente, o único modo de transporte eficiente e estruturador.

No entanto, um sistema de transporte eficiente não é composto apenas de metrô. Temos linhas de ônibus em corredores, o BRT (Bus Rapid Transit), o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), as ciclovias e as áreas destinadas ao uso do pedestre. Cada modo de transporte serve a uma função e suas características podem não abranger a todos os tipos de trajetos.

Geralmente, quem usa automóvel consegue utiliza-lo para quase todos os tipos de trajetos, por ser o modo mais flexível. Já o usuário de transporte público utiliza mais de um modo, uma vez que o metrô não chega a todos os bairros e o ônibus não chega a todas as ruas. Um sistema de transporte eficiente deve abranger o máximo de tipos de deslocamentos possíveis.

Portanto, além de uma malha metroviária estrutural, as grandes cidades brasileiras precisam de um conjunto de investimentos em todos os tipos, capaz de lidar com a diversidade característica da cidade.

Segundo a pesquisa realizada pela ANTP (1), em 2012, andar a pé ainda é o modo de transporte principal mais utilizado no Brasil – respondendo por 32% dos deslocamentos.

Assim, a Política Nacional de Mobilidade Urbana (lei federal nº 12.587/2012) e o Código Brasileiro de Trânsito (lei federal nº 9.503/1997) colocam o modo “andar a pé” como prioridade em relação aos outros modos.

Apesar de ser reconhecida no meio técnico como modo de transporte e ser reconhecida como prioridade pela legislação, a circulação a pé não tem a mesma prioridade de produção técnica e atendimento, como tem os demais modos. Todo o ser humano é pedestre em algum momento, mesmo que use predominantemente outro modo de transporte. Essa indefinição enquanto agente na cidade favorece que as intervenções em favor do pedestre não ocorram.

Neste sentido, a questão do pedestre se coloca como um desafio às cidades brasileiras. Se é o transporte mais comum e prioridade segundo a legislação, existe uma necessidade premente de inserir os caminhos do pedestre como parte das grandes intervenções públicas.

Para tanto, é preciso reconhecer também que os caminhos dos pedestres (calçadas, faixas de pedestres, espaços livres, entre outros) são infraestrutura urbana, porque articulam e ordenam a cidade tal como são as linhas de metrô, as ruas e avenidas, os corredores de ônibus, etc. Assim, como já muito difundido no meio técnico, é necessário mais uma vez, defender que as calçadas brasileiras se tornem responsabilidade do poder público e não do proprietário de cada lote na cidade.

A partir desta reflexão, podemos extrapolar alguns conceitos de transporte de massa para este modo:

  1. Planejar a infraestrutura para pedestre seguindo alguns requisitos de planejamento de estrutura urbana: conectar origens e destinos mais intensos com calçadas maiores, propor travessias que sejam capazes de vencer barreiras urbanas (pontes e viadutos devem prever calçadas largas), desenvolver espaços de passagem e permanência na cidade (conectar praças, parques, equipamentos públicos que garantam a vida urbana).
  2. Fazendo um paralelo com o que consideramos para as vias para automóveis (ruas locais, avenidas coletoras e arteriais, vias de trânsito rápido), é necessário ter um conceito para diferente para cada “via de pedestres”, relacionando capacidade (número de viagens admitidas) com o tipo de infraestrutura (a escala da intervenção).

Andar a pé pode ser tanto uma atividade individual, como ir da casa à padaria; como pode ser coletiva, como ir de uma estação de metrô para um grande local de empregos, como a Avenida Paulista, quando essa ação passa a ser um “fluxo de pedestres”. Ou seja, enquanto o primeiro caso tem a dimensão da escala local, o segundo tem a dimensão da escala metropolitana. Quando andar a pé passa a ser atividade coletiva, passa a ter importância na estrutura urbana.

  1. A partir do conceito de diferentes escalas para a infraestrutura do pedestre, criar parâmetros para projetar estes caminhos. Em 2012, a prefeitura de São Paulo criou a Lei das Calçadas, em que os parâmetros mínimos eram apresentados para adoção dos proprietários de cada lote. Esta lei, na verdade, foi concebida no âmbito da acessibilidade universal, mas não entra na questão da calçada como função estrutural da cidade. Assim, o “mínimo aceitável” muitas vezes não é adequado às diferentes situações de escala. A calçada deve assumir diferentes dimensões dependendo do seu uso.
  2. Extrapolar o conceito de infraestrutura para circulação a pé: além das calçadas e travessias, os caminhos de pedestres também podem ser feitos em escadarias fixas, escadas rolantes, elevadores, passarelas, etc. Há vários exemplos já implantados que tornam o caminho de pedestre uma infraestrutura urbana:
  3. Elevador Lacerda em Salvador – conecta a cidade baixa e a cidade alta;
  4. Escadas rolantes da Comuna 13, em Medelín – conectam bairros separados por um desnível de 384 metros;
  5. Passarela sobre a Avenida Rebouças – conecta o corredor de ônibus desta avenida ao Hospital das Clínicas;
  6. Complexo Rubem Braga, Rio de Janeiro – conecta estação de metrô General Osório com o Morro do Cantagalo;
  7. Plano Inclinado Dona Marta – conecta a favela Dona Marta situada em um morro com o bairro de Botafogo.

Assim, além de defendermos que o poder público seja responsável pelas calçadas, precisamos defender também que estas sejam consideradas como infraestrutura. Ao enxergar todo o tipo de lugar que é passível de caminhada como infraestrutura para a circulação a pé, estamos também produzindo infraestrutura urbana, logo, desenvolvimento urbano. Este conceito valoriza a condição do pedestre, e, assim possa receber recursos e investimento pelo poder público.

Juliana Tiemi Tamanaha. Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade de São Paulo, Analista de Desenvolvimento e Gestão Jr. da Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô.

Nota

(1) ANTP. Sistemas de Informações da Mobilidade Urbana – Relatório Geral de 2012.

Bibliografia

BRAGA, G. & SCHNEIDER, N. . Medidas de desempenho de infra-estruturas para pedestres.

Estudos de caso: travessias semaforizadas na cidade de São Paulo. Revista dos Transportes Públicos – ANTP, 2000, a. 22. Disponível em

GEHL, Jan. Cidades para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013.

MALATESTA, Maria Ermelina Brosch. Andar a Pé: um modo de transporte para a cidade de São Paulo. São Paulo, 2007. Dissertação de mestrado apresentada à FAUUSP.

MALATESTA, Maria Ermelina Brosch. Andar a pé: um transporte desvalorizado nos grandes centros.

YÁZIGI, Eduardo. O mundo das calçadas: por uma política democrática de espaços públicos. São Paulo: Humanitas, Imprensa Oficial, 2000.