“Após ciclovias e faixas de ônibus, pedestre é a prioridade em SP”

Publicado originalmente em: Mobilize
Autor: Marcos de Sousa/ Mobilize
Data: 26/11/2015

Na terceira parte de sua entrevista ao Mobilize (vejas as outras partes aqui e aqui), o secretário paulistano de transportes, Jilmar Tatto, fala em valorização do pedestre, melhoria da sinalização, novo modelo de calçadas e também aponta estratégias para a manutenção e expansão do sistema cicloviário da cidade. Confira a seguir:


Qualquer que seja o sistema de transporte da cidade, as pessoas reclamam muito do caminho entre suas casas e os terminais e pontos de ônibus, por conta da má condição das calçadas. Nós do Mobilize defendemos o conceito de calçadas como sistema de transporte. Se as cidades tiverem calçadas largas, bem mantidas, as pessoas poderão fazer pequenas viagens, de 1 km a 2 km, apenas caminhando, sem necessidade de tirar seus carros das garagens. Como a gestão municipal pretende tratar dessa infraestrutura urbana?

Nós também entendemos que calçadas são um modo de transporte. Depois de fazer as faixas exclusivas de ônibus, depois de iniciar o programa de ciclovias, nós estamos voltando nosso olhar ao pedestre. Existem dois setores da sociedade que não são articulados para exercer pressão sobre o poder público: um é o usuário do transporte público e o outro é o pedestre. Assim, como são setores não organizados, cabe ao setor público trabalhar para estimular a melhoria dessas infraestruturas. No caso dos pedestres, nós criamos dentro do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito uma Câmara Temática sobre Pedestres, como os cicloativistas já têm. Quanto mais gente participar dessa organização, que se torna “um grilo” no ouvido do gestor público, da imprensa, melhor para a sociedade.

Mas há algum plano para a construção de calçadas?
Estamos experimentando um novo modelo de calçadas para a cidade, que está sendo implantado na rua Sete de Abril, no Centro. Todos os cabeamentos e dutos serão alojados em galerias inspecionáveis, de forma que caso alguma concessionária precise trabalhar na área ela poderá retirar algumas placas do piso e chegar até o duto ou cabo sem a necessidade quebrar a calçada. A ideia é evitar que se faça uma obra e que no dia seguinte outra obra destrua tudo.

Projeto de novo tipo de calçada, na rua Sete de Abril, em São Paulo – Imagem: Gestão Urbana

Mas, enquanto isso, o pedestre continua sendo tratado como chato que prejudica o tráfego. Os semáforos das cidades abrem em verde e depois de cinco segundos já começam a piscar em vermelho. Isso é irritante e desorienta o pedestre. A CET não pode mudar esse critério?
Eu também sou pedestre e também não vejo sentido naquilo…

Mas o sr. não é o secretário, não é quem manda na CET?
A equipe técnica da CET adotou esse critério porque é uma tendência mundial. Mas por prudência nós levamos essa discussão para a Câmara Temática, primeiro sob a lógica do pedestre, que não deve ser apressado, principalmente pelos veículo motorizados. Nós estamos analisando a questão e não vejo nenhuma dificuldade em mudar esse critério. Nossa objetivo, como diz a Política Nacional de Mobilidade, é priorizar o pedestre…

Vamos falar de bicicletas. Como a prefeitura está trabalhando para melhorar e manter as ciclovias recém-implantadas na cidade? É muito comum para quem pedala encontrar trechos com o pavimento todo esburacado, com acúmulo de água, lama e limo, situação que acaba gerando acidentes. Há algum plano para “passar a limpo” essas ciclofaixas que já estão dando sinais de desgaste e envelhecimento precoce?
Nós já temos um programa de reforma de ciclovias e já fizemos algumas obras para corrigir os pontos mais críticos. Mas há que entender que a prefeitura tem um projeto e uma estratégia para a implantação do sistema cicloviário da cidade, com os 400 km de ciclovias. Primeiro, queríamos cumprir a meta porque considerávamos que a cidade precisava ter uma rede cicloviária. Segundo, porque tínhamos que conquistar um espaço segregado para o ciclista, mesmo que a qualidade desse pavimento fosse igual à do do pavimento da rua, ou à da calçada. Era melhor ter 400 km com essa qualidade do que apenas 50 km com a qualidade da ciclovia da av. Paulista. Terceiro, a estratégia era ocupar a cidade e enfrentar as polêmicas com o usuário do carro, com a imprensa, com os comerciantes. Depois que se ocupa o espaço fica mais fácil politicamente reformar o pavimento, ampliar a ciclovia…Nós fizemos esse debate com os cicloativistas e mostramos que temos técnicos capacitados para projetar e construir ciclovias. Tínhamos uma limitação de recursos, e sobretudo enfrentávamos a resistência de uma cidade que ainda não tinha a cultura do uso da bicicleta. Agora nós temos inauguração de ciclovias todos os dias e ninguém mais reclama.

Mas, obviamente, temos que cuidar do que foi feito, temos que fazer alguns ajustes. A prefeitura terá que continuar o processo de implantação – porque 400 km é muito pouco para uma cidade como São Paulo – , reformar as ciclovias existentes e fazer os ajustes necessários. Em alguns pontos nós usamos um tipo de pavimento, um traçado mais sinuoso, e com a experiência fomos concluindo pela necessidade de mudança. Por último, precisamos melhorar a sinalização nas ciclovias.

Mas quem vai manter as ciclovias no dia a dia?
Nós debatemos isso internamente e concluímos que essa tarefa deve ficar com as Subprefeituras, e elas já começaram a trabalhar. O cidadão que tiver que encaminhar uma reclamação deve buscar as subprefeituras ou fazê-la pelo telefone 156.

E as travessias de pontes, o programa vai seguir?
Já fizemos várias travessias: na ponte da Casa Verde, Vila Guilherme, Vila Maria, na Cruzeiro do Sul. E estamos preparando o projeto da ponte exclusiva para ciclistas e pedestres na Cidade Jardim, sobre o Rio Pinheiros.

Imagem do post: Calçada com placas de concreto em São Paulo.  Foto: Divulgaçao/ABCP

Todo dia atravesso; todo dia me arrisco: o caso do acesso à ponte Cidade Universitária

Autora: Silvia Stuchi Cruz*
Colaboração técnica: Meli Malatesta**
Data: 24/10/2015

Diariamente – em todos os horários – inúmeras pessoas se arriscam para realizar a travessia da alça da ponte Cidade Universitária em continuidade à avenida Prof. Manoel José Chaves. O local é acesso para estação de trem, pontos de ônibus, o campus da USP, entre outros, no entanto, não há condições mínimas para cruzar a via. Além da falta de faixa de pedestre e de semáforo, no outro lado da travessia a pessoa se depara com um degrau de cerca de meio metro de altura para acessar, ou melhor, para “escalar” a calçada oposta.

Para realizar a travessia o cidadão tem as seguintes alternativas:

a) corre e arrisca a própria vida;
b) aguarda incansavelmente a boa vontade dos veículos reduzirem a velocidade ou pararem, possibilitando a travessia;
c) aguarda incansavelmente uma brecha no tráfego volumoso e de velocidade elevada para que consiga atravessar.

Nenhuma das opções anteriores é coerente com o apontado em leis federais e municipais: o pedestre é prioridade e deve realizar seu trajeto de modo confortável e com segurança. Para além das dificuldades de travessia, no local as calçadas são irregulares e a iluminação é insuficiente. Após as 18h, a segurança fica ainda mais comprometida por conta deste fator.

Voltando à questão da travessia, o local já foi cenário de diversas discussões entre cidadãos e o poder público, bem como manifestações da sociedade civil. Em 2010, cansados de esperar por uma ação da prefeitura, o grupo Geocidade decidiu pintar a faixa de pedestre e acrescentou ainda os dizeres “Devagar: vidas”.

Devagar - Vidas. Alça da ponte da cidade universitária, Praça Arcipreste Anselmo de Oliveira. Foto Adriano Rangel para o Geocidade

Devagar – Vidas. Alça da ponte da cidade universitária, Praça Arcipreste Anselmo de Oliveira. Foto Adriano Rangel para o Geocidade

Pouco tempo depois, a intervenção urbana foi apagada pela prefeitura, com o argumento de que a sinalização realizada pela sociedade estava “confundindo” os motoristas. Em 2010, por conta do acesso da Ciclofaixa de Lazer à Ciclovia do Rio Pinheiros (travessias para pedestres e ciclistas), técnicos da CET realizaram vistorias no local para tentar solucionar o problema, porém nenhuma sinalização foi implantada até o momento…

Em 2012, a Rachel Schein, fotógrafa e cicloativista, fez registros para o VádeBike, apontando os mesmos problemas. Ver a partir do 1’33’’.

Gincana dos pedestres: como atravessar as ruas em São Paulo

Vale ressaltar que no início de 2015, após diversas solicitações por SAC, ofícios e reuniões, a CET instalou semáforo e faixas de pedestres para atravessar a av. Prof. Manoel Chaves, junto à praça Panamericana (ali, onde as pessoas esperavam e desistiam de atravessar ou atravessavam correndo numa brecha entre os segundos 33’’ e 1’30’’ do vídeo).

Por que não sinalizar se é clara a necessidade de atravessar no local?

Provavelmente a justificativa da CET, baseada no CTB e na resolução do CONTRAN que determina normas para a colocação da faixa de pedestre, é que o local deve oferecer segurança ao pedestre. De fato as alças da ponte Cidade Universitária não foram projetadas para receberem travessias de pedestres, uma vez que seu desenho tem padrão rodoviário e permitem desempenho veicular com alta velocidade.  Colocar semáforo no local seria criar uma armadilha, dado que as condições de visibilidade geradas pela geometria viária não permitem reação do condutor para parar ao visualizar a  luz vermelha.

Para que haja tempo de reação, seria necessária intervenção na geometria viária de forma a reduzir a velocidade veicular da alça e, como consequência, impactaria no trânsito da pista local da Marginal Pinheiros. Como nada foi feito, pode-se concluir que a prioridade continua sendo: manter a fluidez dos veículos automotores, e nada mais!

Ué, mas e o outro lado da ponte Cidade Universitária? Por que lá existem semáforo e faixa de pedestre?  Mesmo com a área da ilha central sendo bem restrita, a sinalização existe. Ou seja, são cumpridas – minimamente – as condições para que o pedestre atravesse com conforto e segurança.

Alça da ponte Cidade Universitária, direção à Marginal Pinheiros, sentido Interlagos. Travessia de acesso ao portão da USP. Foto Silvia Cruz

Alça da ponte Cidade Universitária, direção à Marginal Pinheiros, sentido Interlagos. Travessia de acesso ao portão da USP. Foto Silvia Cruz

 

Solução?

Até o momento, baseados em argumentos que não são condizentes com a realidade cotidiana local – de pessoas se arriscando diariamente para realizar a travessia no ponto tratado – a resposta que nos fornecem é: já que a alça de acesso à ponte Cidade Universitária não oferece segurança, é melhor não ter sinalização! Solução fácil, não?… Sobretudo para quem não precisa atravessar o local todos os dias.

É claro que há como resolver com um projeto completo de segurança de tráfego, mas isso vai complicar o acesso veicular à ponte e refletir no trânsito de toda a via local da Marginal Pinheiros.

Enquanto isso, o relatório de acidentes de trânsito realizado anualmente pela mesma CET continua a fornecer o diagnóstico com um índice exorbitante de óbitos em ocorrências de trânsito e atropelamentos. Enquanto isso, atropelamento é a ocorrência de trânsito que mais mata no país e a maior causa de morte por causas externas de crianças até 10 anos em São Paulo. Enquanto isso, as pessoas vão continuar a atravessar mesmo sem a infraestrutura e o respeito necessário… Pois a travessia, simplesmente, faz parte do caminho.

Por fim, reforça-se a urgência da implantação de semáforo e faixa de pedestre na travessia da alça da ponte Cidade Universitária em continuidade à avenida Prof Manoel José Chaves, assim como ocorre na alça da ponte Cidade Universitária em direção à Av. Eng. Bilings (Marginal Pinheiros sentido Interlagos). Medidas como essa  visam inverter o paradigma da mobilidade, pensando as cidades de modo a priorizar as pessoas, em todos os seus modos de deslocamento, sobretudo os mais frágeis.

Aproveite e faça agora um SAC no site da prefeitura pedindo uma faixa de pedestre nesta alça, ou em qualquer outro lugar onde achar necessário. Se não souber como fazer, veja aqui: SAC: por que fazer e como fazer.

 

* Silvia Stuchi Cruz é membro da Cidadeapé, idealizadora da Corrida Amiga e secretária executiva da CT Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP.

** Meli Malatesta é membro da Cidadeapé, arquiteta e urbanista, presidente da CT Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP e editora do blog Pé de Igualdade.

Imagem do post: Alça da ponte da cidade universitária, Av. Prof Manoel José Chaves. Foto Silvia Cruz

“Teste mostra: tempo dos semáforos ignora necessidades dos pedestres”

Publicado originalmente em: Outra Cidade
Autor: Camila Montagner
Data: 16/10/2015

O que é? Todo mundo já teve que dar aquela corrida para conseguir atravessar a rua antes que o semáforo fique vermelho. Pensando nas discrepâncias entre o tempos semafóricos e em quantos segundos o pedestre realmente precisa para atravessar a rua, a Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo cronometrou o tempo de travessia e de espera aos quais os pedestres estão sujeitos na esquina da Libero Badaró com o Viaduto do Chá. Veja o resultado das medições, e como as pessoas com mobilidade reduzida têm problemas sérios .

Preparar… apontar… atravessar!

São Paulo não foi feita para pedestres, e parece fazer questão de lembrá-los disso. Faltam faixas para atravessar a rua, faltam passarelas, faltam calçadas mais largas e bem conservadas. E, mesmo quando essas coisas existem, o tempo do semáforo pode ser um obstáculo. Ou por não dar o tempo necessário, ou por dificultar a circulação pela falta de um sistema mais racional de funcionamento.

A Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé organizou o Desafio da Travessia no Dia Mundial Sem Carro, 22 de setembro. Foram realizados diversos testes, com pessoas de diferentes perfis tentando atravessar um cruzamento do centro de São Paulo. E os resultados preocupam. Pessoas com mobilidades reduzidas não conseguem atravessar alguns trechos dentro do tempo estabelecido pelos semáforos. Em outros casos, foi necessário gastar um tempo desproporcional para chegar ao outro lado.

O cruzamento escolhido para fazer a cronometragem foi o da rua Libero Badaró com o viaduto do Chá. O primeiro trecho, o T1, foi selecionado por ser o semáforo que permanece por menos tempo com o sinal verde aberto para pedestres. O segundo foi incluído no trajeto do Desafio porque a sua travessia é longa precisa ser feita em duas etapas, os trechos T2 e T3, que são separados por uma ilha.

São Paulo_Travessia viaduto do Chá

A região possui grande fluxo de pedestres, incluindo funcionários da prefeitura de São Paulo, localizada logo em frente ao cruzamento (prédio com heliponto azul na foto acima). Além disso, o local possui um dos nove semáforos para deficientes visuais da cidade. A atividade foi realizada entre 13h e 14h e todos os voluntários que atravessaram o cruzamento esperaram na calçada para atravessar durante a abertura do sinal para pedestres. Abaixo você confere o tempo que cada um dos representantes das pessoas com mobilidade reduzida levou para cruzar a Líbero Badaró (T1).

Os tempos semafóricos do T1 são 5 segundos de verde e 10 de vermelho piscante, ou seja, o pedestre tem ao todo 15 segundos para atravessar enquanto o fluxo de carros permanece retido. Em compensação, quem anda a pé pode ter que esperar até 30 segundos até que a sua passagem seja novamente liberada. Logo, esse tempo não é suficiente para três dos onze voluntários atravessarem a rua. Ele foi insuficiente para uma das pessoas com carrinho de bebê, um homem com muletas e um dos cadeirantes motorizados.

Gráfico: Outra Cidade. Fonte: Cidadeapé

Gráfico: Outra Cidade. Fonte: Cidadeapé

 

O tempo disponível para que pedestres realizem a travessia é calculado pela CET como a soma do verde com o vermelho piscante. O André Tassinari (que escreveu aqui no Outra Cidade contando sobre as suas aventuras andando com um carrinho de bebê por São Paulo, lembra?), ou melhor, a “pessoa com carrinho de bebê 1”, conseguiu atravessar antes da liberação da circulação dos carros, mas ficou sujeito ao estresse de percorrer a maior parte de T1 no vermelho intermitente.

O tempo não deveria ser calculado apenas para ser o suficiente, mas considerando a quantidade de pedestres que circula. No semáforo para veículos o tempo não é calculado para que o carro mais próximo atravesse o cruzamento e o de trás fique esperando. O mesmo deveria valer para quem anda a pé.

Joana Canêdo, do Cidadeapé                                                               

Nos trechos T2 e T3 o problema é a falta de sincronia entre os ciclos dos semáforos de cada etapa da travessia. Um pedestre leva, em média, 16 segundos para atravessar cada trecho, mas, quando chega na ilha, ele é impedido de continuar e completar a outra metade do trajeto porque encontra o sinal para pedestres fechado. O tempo de espera na ilha foi estimado em 30 segundos. Como o local recebe fluxo intenso de pedestres, o espaço da ilha pode ser insuficiente para acomodar todas as pessoas que chegam ali durante os 70 segundos nos quais o semáforo para a travessia de T2 permanece aberto. No total, para atravessar o Viaduto do Chá o pedestre leva quase dois minutos para percorrer uma distância de 40 metros.

Esperar para correr

No cruzamento da Libero Badaró, onde o tempo disponível para a travessia a pé desafia até mesmo quem está em boas condições físicas e coloca o pedestre sobre a tensão que precede a liberação do fluxo das duas vias, é o único que permanece mais tempo no vermelho piscante que no verde. Nesse mesmo sinal, o tempo de vermelho é o dobro do tempo do verde e do vermelho somados. Ou seja, a liberação das duas ruas para os veículos é priorizada em detrimento dos pedestres, que são privados de um tempo viável de travessia.

É uma situação difícil de compreender, pois a região claramente tem um fluxo de pessoas maior que o de veículos (tanto que várias vias naquela região foram transformada em calçadões) e teria motivos de sobra para priorizar o pedestre.

As evidências de que o compartilhamento das vias precisa ser repensado na cidade se manifestam por todos os lados, bem abaixo dos nossos pés (e dos da prefeitura).

 

Imagem do post: Espera para atravessar a rua Libero Badaró na esquina com o Viaduto do Chá. Foto: Cidadeapé

“Reduzir o ‘custo-pedestre’ deveria ser prioridade na política brasileira”

Comentário da Cidadeapé: Momento de reflexão sobre o que é ser pedestre nas cidades brasileiras. Fala-se muito do custo econômico dos engarrafamentos. E os custos morais, urbanísticos e ambientais de ser pedestre? Entre as sugestões práticas e baratas para melhorar a qualidade do deslocamento a pé e a qualidade da mobilidade na cidade: reajustar os tempos semafóricos e fiscalizar o trânsito com foco no pedestre.

Publicado originalmente em: Blog do Sakamoto
Autor: Leonardo Sakamoto e Thiago Guimarães
Data: 03/10/2015

E se as grandes cidades brasileiras fossem feitas para pedestres e não para carros?

A programação da maior parte dos semáforos é feita, hoje, para escoar mais facilmente o fluxo de automóveis. Ou seja, o tempo de verde ou vermelho raramente leva em conta a quantidade de gente a pé, muitas vezes espremida na calçada ou num canteiro central de avenida, esperando para chegar ao outro lado. Pedestres e ciclistas precisam se contentar com as sobras, porque a rua não pertence a eles.

Thiago Guimarães, pesquisador do Instituto de Planejamento de Transportes e Logística de Hamburgo, na Alemanha, e um dos grandes especialistas brasileiros em mobilidade urbana, afirma que “pedestres não têm seus interesses defendidos fortemente e de modo organizado e são os que recebem menor prioridade do poder público e os que mais sofrem em ambientes forjados para atender de modo quase irrestrito os imperativos da motorização”.

“Pedestres não consomem energia fóssil e não alimentam processos produtivos nefastos ao meio ambiente; contribuem para o próprio bem-estar; não requerem pesados investimentos para a construção de infraestruturas e sua manutenção”, afirma Thiago. Apesar disso, “é altíssimo o custo de ser pedestre no país. Em termos morais e do ponto de vista urbanístico, o valor do custo-pedestre é segura e significativamente superior ao custo dos congestionamentos vivenciados pelos motoristas.”

Pedi a Thiago um texto para este blog sobre esse tema, apontando sugestões práticas que os prefeitos e prefeitas podem adotar para melhorar essa situação.

O custo-pedestre no Brasil, por Thiago Guimarães

Foi divulgado, nesta sexta (2), mais um estudo sobre o custo dos congestionamentos em cidades brasileiras. A pesquisa, coordenada pelo professor Eduardo Haddad, da Universidade de São Paulo, retoma uma questão muito querida por economistas e por muitos dos que volta e meia experimentam a tormenta de um homérico engarrafamento: quanto dinheiro é jogado fora quando estamos parados no trânsito?

Não que essa pergunta seja nova. Diversos estudos – talvez os mais famosos recentemente publicados sejam os de autoria de Marcos Cintra, Adriano Murgel Branco e de pesquisadores do Instituto de Pesquisas Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP) – já se debruçaram sobre esta questão e muitas farpas foram trocadas sobre o mais adequado método de se traduzir em dinheiro o tempo que a sociedade torra travada nas filas de veículos sobre o asfalto.

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Embora haja diversas formas de se calcular os ganhos econômicos caso os congestionamentos não existissem ou fossem mais modestos, no geral esses estudos acabam indicando valores casa dos bilhões de reais – cifras à primeira vista assustadoras e que sempre serão capaz de vender jornais.

Há, no entanto, perguntas ainda mais relevante spara as cidades brasileiras e ainda pouco exploradas: Qual o custo que as cidades brasileiras impõem a quem se desloca a pé? O que a sociedade perde ao atormentar quem realiza viagens feitas do modo mais natural e humano possível?

Vale a pena andar a pé? – Nas regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte e Porto Alegre, cerca de um em cada três deslocamentos é feito exclusivamente a pé. Em cidades pequenas e médias, bem como em algumas capitais do Brasil, essa proporção é ainda maior.

Pedestres não consomem energia fóssil e não alimentam processos produtivos nefastos ao meio ambiente. Ao deixar o sedentarismo de lado, contribuem para o próprio bem-estar. Para se locomoverem, não requerem pesados investimentos para a construção de infraestruturas e sua manutenção. São atores sempre presentes em espaços urbanos com vida.

Em comparação com os outros participantes do trânsito, pedestres não têm seus interesses defendidos fortemente e de modo organizado, são os que recebem menor prioridade do poder público e os que mais sofrem em ambientes forjados para atender de modo quase irrestrito os imperativos da motorização.

A mais evidente prova dos altos custos impostos aos pedestres é a baixa qualidade dos passeios públicos. Como calçadas dignas são artigo raro no Brasil, andar a pé significa correr riscos constantemente.

Risco de sofrer uma lesão por conta de uma calçada descontínua, irregular ou esburacada.

Risco de ter restrito seu direito de ir e vir em função de calçadas estreitas ou íngremes demais.

Risco de se sentir desconfortável ou inseguro por problemas de iluminação, falta de arborização e de mobiliário urbano apropriado.

E o risco de fazer tudo certo, ser atropelado e nem ver o motorista infrator punido.

Em suma: independentemente de um valor numérico específico, é altíssimo o custo de ser pedestre no país. Em termos morais e do ponto de vista urbanístico, o valor do custo-pedestre é segura e significativamente superior ao custo dos congestionamentos vivenciados pelos motoristas.

Incentivos ao pedestrianismo – Andar, passear a pé e se sentir livre para escolher um lugar para ficar são atividades que precisam ser incentivadas em locais que almejam mais qualidade urbana. Reduzir o custo-pedestre deveria ser a diretriz número um da política de mobilidade dos municípios brasileiros.

Entretanto, melhorar a mobilidade de pedestres pode incomodar outros interesses (especialmente em situações em que o espaço e o tempo urbano são escassos demais) e exige algum investimento. Refazer ou alargar as calçadas é muito caro? Criar calçadões vai atrair a fúria de comerciantes, que ainda creem que vaga de estacionamento para cliente na porta é um grande diferencial? Sem problema, prefeito.

Aqui seguem duas sugestões práticas e baratas para estimular o pedestrianismo em sua cidade.

a) Reajustar os tempos semafóricos de modo a aumentar o tempo de verde ou reduzir o tempo de espera para pedestres
Seguindo tradição da engenharia de transportes, os procedimentos amplamente adotados para a programação semafórica têm como um objetivo central fazer escoar as filas de veículos motorizados. As durações de cada verde e vermelho são calculadas com base em contagens ou estimativas de fluxos de automóveis, não importando a quantidade de gente a pé que se espreme de um lado da rua para chegar ao outro. Pedestres e ciclistas precisam se contentar com as sobras de tempo em cada ciclo. Em certos casos, automóveis têm um eterno verde, só interrompido quando pedestres apertam um botão, pedindo permissão para atravessar a rua.

Cidades que queiram considerar mais as pessoas precisam dar alguns passos para reverter essa lógica semafórica. Em diversos cruzamentos de Graz, a segunda maior cidade da Áustria, a redução do tempo máximo de espera para pedestres a 50 segundos não prejudicou significativamente a vida de motoristas. Em alguns casos, pedestres têm sempre sinal aberto. Quem tem que pedir permissão são os carros.

b) Fiscalizar o trânsito com foco no pedestre
Nunca vi um agente de trânsito controlando velocidade em área residencial. Rodar a 70 km/h ou a 90 km/h em uma via expressa (como a Marginal do Pinheiros em São Paulo, onde a decisão de reduzir o limite de velocidade gerou a ira da Ordem dos Advogados do Brasil) faz muito menos diferença para a vida humana do que trafegar a 30 km/h ou a 50 km/h em uma via que serve o interior de um bairro.

No primeiro caso, a probabilidade de morte no caso de um choque entre um automóvel e uma pessoa é praticamente certa. Já no segundo, há uma grande diferença entre os riscos de fatalidade entre os dois níveis de velocidade.

Está com dúvida sobre onde radares de velocidade devem ser posicionados? Fácil. É só descobrir as ruas próximas de onde crianças costumam brincar e mapear escolas. O futuro de sua cidade com certeza agradecerá.

Imagem do blog: Semáforo de pedestre com o sinal vermelho. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 

Desafio da Travessia na Semana da Mobilidade 2015

Pela readequação dos tempos semafóricos de travessias de pessoas nas ruas da cidade

No Dia Mundial Sem Carro (22/09/2015), a Cidadeapé, Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo, realizou o “Desafio da Travessia”, no cruzamento do Viaduto do Chá com a Rua Libero Badaró, no centro de São Paulo.

O objetivo dessa ação era observar as travessias das vias e o tempo destinado aos pedestres para ir de um lado ao outro da rua. As travessias são locais onde se alternam os direitos de passagem entre veículos e pessoas a pé, e quando há sinalização semafórica, é ela que controla os deslocamentos.

Três questões se colocam:

1) Como esse direito de passagem é distribuído no tempo e no espaço entre pessoas que estão realizando seu deslocamento a pé e pessoas que estão conduzindo veículos?

2) Os tempos de travessias são suficientes para as pessoas atravessarem com segurança e conforto?

3) Os tempos de espera levam em conta o fluxo de pedestres e a quantidade de pessoas que se acumulam no local?

Abaixo as principais conclusões da ação. Para o relatório completo, clique aqui.

Atividade

Ficamos no local entre 13h e 14h. O sol estava a pino e a temperatura chegou a passar de 37º na sombra. Nesse período, alguns voluntários fizeram as travessias nos dois locais selecionados, sempre aguardando o verde e atravessando segundo a sinalização. Cronometramos o tempo de travessia dessas pessoas.

Além disso, observamos os indivíduos que estavam passando por lá e também registramos essas travessias em fotos e filmes e coletamos depoimentos. Dessa forma, pudemos observar vários tipos de situações encontradas em travessia, que dificilmente são levadas em conta no planejamento dos ciclos semafóricos.

Dois pontos foram selecionados para nossos voluntários realizarem a travessia.

Travessia T1 – LIbero Badaró

A travessia da Libero Badaró foi selecionada porque o pedestre tem apenas 5’’ de tempo verde que, somados a 10” de vermelho intermitente, oferecem um total de 15’’ para atravessar a rua. É a travessia com o menor tempo para o pedestre, e aquela onde o tempo de espera para atravessar é o dobro do tempo de travessia. Isso se dá provavelmente por ser a única travessia nesse cruzamento que exige que os veículos das duas vias (Viaduto do Chá e Libero Badaró) parem para que os pedestres cruzem a Libero Badaró. Ou seja, mesmo com o alto fluxo de pedestres, o estágio do pedestre é calculado de modo a não deixar os veículos das duas vias aguardando muito tempo.

Travessia T1 - Libero Badaró

Travessia T1 – Libero Badaró. Foto: Cidadeapé

Travessia T2 + T3 – Viaduto do Chá

O segundo local selecionado para o “desafio” foi atravessar o Viaduto do Chá. Para tanto o pedestre precisa cruzar T2, uma ilha e depois T3. Nesse caso os tempos de travessia são maiores: em T3 o pedestre tem 50’’ de verde e em T2 esse tempo chega a 1’10’’. Seriam tempos amplamente suficientes para atravessar se não fosse pelo fato de não serem sincronizados: após atravessar a primeira etapa, o pedestre é obrigado a esperar na ilha para que o próximo semáforo se abra. Assim, o tempo total de travessia chega a quase 2 minutos.

Travessia T3 - Viaduto do Chá

Travessia T3 – Viaduto do Chá. Foto: Cidadeapé

Análise

Ainda que os tempos tenham se mostrado suficientes em vários casos individuais nas travessias de T1, cujo semáforo foi calculado com precisão para que uma pessoa consiga atravessar a rua no tempo mínimo necessário, algumas questões ficam latentes.

Desafio da Travessia - tempos de travessia T1

1) O tempo de 5’’ de verde + 10’’ de vermelho intermitente é o menor estágio possível para o pedestre, e não permite uma travessia tranquila, pois:

a) se a pessoa não começar a se movimentar exatamente quando o foco fica verde, corre o risco de perder a oportunidade do verde e de imediato encontrar o vermelho intermitente (quando, pelas regras, não pode mais dar início à travessia)
b) a velocidade de travessia é calculada para ser de 1,2 m/s no verde e 1,4 m/s no vermelho intermitente (é isso mesmo: o cálculo parte do princípio que ao visualizar o vermelho intermitente o pedestre deve acelerar o passo de modo a chegar do outro lado da rua o mais breve possível).
c) pessoas com objetos, carrinho de bebê, cadeira de rodas ou outros dificultadores obviamente demoram mais para iniciar a travessia, logo, perdem o tempo mínimo necessário para completá-la, alcançando o passeio oposto quando o foco já está vermelho para o pedestre. Da mesma forma, pessoas com dificuldades permanentes ou temporárias de locomoção são prejudicadas no tempo de travessia.

2) O ciclo semafórico considera a largura da via e a velocidade teórica de um pedestre ideal, e não o fluxo de pessoas querendo atravessar a via; é calculado em função do tempo de deslocamento, e não da quantidade de pessoas que passam pelo local. Assim, as pessoas que estão chegando ao cruzamento necessariamente têm que esperar o próximo ciclo para atravessarem.

3) O tempo aberto para pedestre é iníquo em relação aos tempos verdes para os veículos – nesse caso os veículos têm o dobro do tempo.

4) Pode parecer bobagem para os órgãos de trânsito, que usam de uma matemática lógica e racional, mas a travessia não deveria ser apenas “suficiente”, ela deveria ser também livre de estresse. O pedestre não quer, e não deveria, se sentir pressionado pelo semáforo e ameaçado pelos veículos prestes a acelerar quando o verde abre para eles. Mesmo quando o semáforo para veículos reabre, o término da travessia das pessoas a pé deve ser respeitado para que seja retomado o fluxo desses veículos. Esta prioridade, ainda que prevista no CTB, é perceptivelmente desrespeitada pelos condutores de veículos.

No caso de T2 + T3 o tempo de travessia se estende por minutos, em razão do tempo de espera antes de cruzar a primeira rua e em seguida mais um tempo longo de espera na ilha. No total, os pedestres precisam de quase dois minutos para chegar de um lado ao outro da via, para fazer um percurso de 40 metros.

Desafio da Travessia - tempos de travessia T2 + T3

Conclusão

As travessias são um dos pontos críticos no caminho de quem anda, pois é nelas que acontecem os encontros com os veículos. São locais de interrupção do trajeto e de potenciais conflitos. Nas travessias, alternam-se os tempos destinados aos diversos usuários das vias.

A Cidadeapé acredita que a prioridade ao pedestre determinada pelo CTB, assim como pelo Plano Nacional de Mobilidade, e que também é mencionada no Plano Diretor Estratégico de São Paulo, deve valer igualmente para as travessias.

A segurança é o principal quesito, mas não o único. As pessoas que andam gastam sua energia para se deslocar, estão expostas ao sol, à chuva, ao frio. Elas precisam também de conforto e dignidade. E devem ter o direito de ter seu ritmo de deslocamento respeitado, sem longas interrupções.

Cabe insistir que um tempo de verde e menos de 10 segundos é uma afronta às pessoas. Sabe-se que o vermelho intermitente é uma indicação de que o indivíduo pode terminar a travessia (ver box abaixo). Mas 5 segundos de verde é intimidante e indigno. É o tempo de olhar para o chão e ao erguer a cabeça o vermelho já está piscando. Induz o pedestre a se colocar numa situação de estresse, sendo obrigado a se apressar para conseguir terminar a travessia, sob o risco de estar infringindo as regras de trânsito e de ser ameaçado pelos motoristas. Isso provoca a sensação que o direito de passagem do pedestre é menor do que o dos veículos – o que afeta negativamente a qualidade do deslocamento a pé pela cidade.

Significa claramente que para os órgãos de trânsito cabe ao mais vulnerável o tempo mínimo possível, quando o que está instituído no CTB e no Plano Nacional de Mobilidade é que o pedestre deveria ter prioridade nas ruas.

O uso de metodologias e dados diferentes para lidar com fluxos veiculares e a pé é no mínimo injusto e deveria ser revisto. O cálculo dos ciclos semafóricos deveria levar em conta parâmetros equivalentes, onde todos os atores do trânsito tenham sua parte equânime na distribuição dos tempos de interrupção e deslocamento.

Assim, acreditamos que é preciso reverter a lógica semafórica, ou seja, que o pedestre não seja obrigado a se contentar com as brechas dos fluxos veiculares, mas sim, que tenha seu tempo e espaço garantidos e priorizados, conforme instituído pela legislação federal.

Solicitamos a revisão da metodologia para calcular os tempos semafóricos considerando os direitos e necessidades das pessoas e um tempo de verde para pedestres mínimo de 15 segundos em todos os semáforos e calculado considerando também o número de usuários pedestres como é o tempo semafórico veicular.

VEJA AQUI O RELATÓRIO COMPLETO

CTB – Anexo 2: CORES DAS INDICAÇÕES LUMINOSAS PARA PEDESTRES

Vermelha: indica que os pedestres não podem atravessar.
Vermelha Intermitente: assinala que a fase durante a qual os pedestres podem atravessar esta a ponto de terminar. Isto indica que os pedestres não podem começar a cruzar a via e os que tenham iniciado a travessia na fase verde se desloquem o mais breve possível para o local seguro mais próximo. [grifo nosso]
Verde: assinala que os pedestres podem atravessar.

Fonte: Anexo II do Código de Trânsito Brasileiro

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“Onde e como puder – Parte I”

Comentário Cidadeapé: O post de hoje é uma republicação do texto de Meli Malatesta, consultora de mobilidade a pé que trabalhou por décadas na CET. Ela discute aqui a metodologia usada pelos órgãos de trânsito para definir os tempos e espaços para pedestres e veículos nos cruzamentos das vias da cidade.

Publicado originalmente em: Pé de Igualdade, um blog do portal Mobilize
Autor: Meli Malatesta
Data: 28/01/2015

Caminhar nas ruas das cidades nos obriga a enfrentar diariamente várias travessias em cruzamentos e interseções, pois elas se repetem a cada cem ou duzentos metros em média. Isto significa, para um percurso cotidiano a pé de 15 minutos, cerca de oito a dez travessias. Contando com a volta, este número duplica, certo? E o que significa para as nós esta ação tão corriqueira?

Atravessar ruas é um momento muito importante: é a hora de negociar a utilização dos espaços e dos tempos urbanos (das ruas e avenidas) com os usuários das outras formas de mobilidade, majoritariamente a mobilidade motorizada: automóveis, motos, ônibus, caminhões, utilitários.

Alguns destes locais têm uma negociação de uso pré-formalizada por sinalização de trânsito (placas, faixa de pedestre, semáforo de pedestres). Mas a maioria não, e o que vale é a equação mental básica que realizamos de forma automática em nosso cérebro: tempo necessário para ir de uma calçada à outra X velocidade do carro que se aproxima. Na maioria das vezes este cálculo funciona. Mas quando falha, o pior resultado é sempre para quem não está pilotando uma pesada máquina motorizada.

No caso dos pontos contemplados com sinalização de trânsito, pode-se afirmar com muita certeza que quem atravessa a pé geralmente não confia muito na faixa de pedestre. Para que isto ocorresse seria necessário haver sempre fiscalização e intensas campanhas de trânsito para garantir seu respeito pelos motoristas.

Veículo forçando a passagem em meio à travessia de pedestres

Campanha educativa em BH

Campanha educativa em BH

Mesmo quando as faixas de travessia de pedestres são semaforizadas com foco para pedestres a situação é difícil. Quem está a pé já sabe que vai esperar muito e ter pouquíssimo tempo para atravessar. Isto ocorre porque os critérios para definir a divisão do espaço e do tempo das vias têm pesos e medidas diferentes para pedestres e veículos. Para o fluxo motorizado, a divisão de uso do tempo e do espaço urbano adotada pelas metodologias da engenharia de tráfego considera o fluxo de veículos que passam por hora ou minuto no cruzamento ou interseção e tem como objetivo dar vazão a todos os veículos que esperam em fila.

Já para o fluxo a pé, o tempo do direito de travessia é determinado pelo tempo necessário para se atravessar a rua na faixa de pedestres, independentemente de quantos pedestres estejam atravessando no momento. Considera-se como se houvesse uma só uma linha de frente de pessoas aguardando a travessia, sem levar em conta os que se acumulam atrás na formação do pelotão de espera e muito menos a importante característica de que o fluxo dos pedestres acontece sempre em dois sentidos.

Largura da faixa insuficiente para acomodar o fluxo

Correria em brecha veicular

Na falta de faixa, correria em brecha veicular

Assim a situação de submobilidade das travessias a pé — com diferentes pesos e medidas envolvidos numa simples e importante operação de divisão do direito de uso dos espaços e dos tempos públicos urbanos — provocam usualmente sensações de surpresa e indignação, que resultam na falta de confiança na faixa, semáforo ou qualquer outra sinalização voltada ao usuário da via que caminha.

Dessa forma, a repetida vivência desta desconfiança acaba por produzir uma rebeldia em relação ao uso dos espaços públicos pelos pedestres. Isso se reflete principalmente na realização das inúmeras travessias diárias na base do “onde e como puder”, contando apenas com as equações mentais de sobrevivência.

Veja também: Onde e como puder: parte II

Quanto tempo para poder atravessar uma rua?

Comentário Cidadeapé: No nosso segundo post desta semana dedicada à Travessia, apresentamos o vídeo realizado no Dia Mundial Sem Carro 2015 por um associado da Cidadeapé .

Você aguenta esperar 2 minutos e 10 segundos para ter só 15 segundos para atravessar uma rua? Se você tentar atravessar a rua Maria Figueiredo no cruzamento com a Avenida Paulista, vai ter que esperar… Olhe só o registro do Adriano Afonso nesse vídeo.

Ciclo semafórico no local

35 segundos de foco vermelho quando os veículos estão vindo da Maria Figueiredo
+ 1 minuto e 37 segundos de foco vermelho quando os veículos estão vindo da Paulista e fazendo a conversão na Maria Figueiredo
= 2 minutos e 12 segundos de tempo de espera para poder atravessar 

10 segundos de foco verde para o pedestre
+  5 segundos de foco vermelho intermitente
= 15 segundos total de travessia

O resultado desse ciclo semafórico que prioriza o fluxo de veículos é o seguinte:
44 pedestres atravessaram no vermelho.
14 pedestres e 1 ciclista atravessaram no verde.
25 carros e 5 motos fizeram a conversão à direita na Maria Figueiredo.
Apenas 5 pedestres aguardaram o sinal verde para atravessar.

Cadê a equidade entre os meios de deslocamento na cidade?

Segundo o Código de Trânsito Brasileiro (art. 38) o pedestres tem a prioridade na conversão, o condutor do veículo devendo lhe ceder a passagem. A MENOS QUE haja sinalização semafórica dizendo o contrário (art. 70), o que é o caso aqui. Ou seja, o órgão de trânsito optou deliberadamente por retirar a prioridade do pedestre, diminuindo seu direito de passagem.

 

Avenida Paulista X Rua Maria Figueiredo. 11/09/2015 14:00:00

Vídeo realizado por: Adriano Afonso

“A Ilha”

Comentário Cidadeapé: Esta semana damos início a uma série de posts sobre travessia de rua. Falaremos de faixas de pedestres, tempos semafóricos, prioridades e direito a rua. Para começar de uma maneira descontraída, o filme “A Ilha”, da seleção de 40 curtas sobre mobilidade urbana que o portal Mobilize compilou.

A ILHA
Produção
: OZI Escola de Audiovisual de Brasília
Direção: Alê Camargo
Trilha Sonora: Charles Tôrres
Equipe 3D: Alan Monteiro, Alexandre da Costa, Bruna Lobato, Erick de Farias, Fabiana Catunda, Felipe Benvólio, Jefferson Soares, João Rabelo, Juliana Fontes, Paulo Lima, Thiago Perrone, André Araújo, Bruno Godinho, Carolina de Oliveira, Edno de Freitas, Frederico Kusel, Jefferson da Silva, Nicolas Barros, Renan de Alencar, Rodrigo Guimarães, Tatiana Canelhas.

No Dia Mundial Sem Carro propomos o “Desafio da Travessia”

Para chamar a atenção para a dificuldade de atravessar nas faixas de pedestres, a Cidadeapé promove um desafio para ver como diversos tipos de pessoas encaram esse deslocamento

Atravessar uma faixa de pedestre deveria ser uma ação prosaica no contexto de quem caminha pela cidade. Na faixa, as pessoas têm prioridade nas travessias, de acordo com o art. 70 do CTB.

No entanto, diversos fatores acabam fazendo com que a travessia seja um momento de estresse, desconforto e insegurança. Quando não há sinalização semafórica para pedestres, muitos motoristas simplesmente não param para as pessoas atravessarem. Quando ela existe, o pedestre fica refém dos tempos semafóricos determinados pela CET, que em geral priorizam a fluidez dos veículos, e não das pessoas. Assim, o tempo de espera para poder atravessar costuma ser muito longo, enquanto o tempo de travessia é muito curto.

Os tempos semafóricos deveriam permitir que todas as pessoas atravessem a rua com segurança e tranquilidade. Assim, no Dia Mundial Sem Carro, a Cidadeapé propõe um desafio: avaliar como diversos tipos de pessoas, em situações corriqueiras do dia a dia, conseguem completar um dos cruzamentos mais movimentados do centro histórico: o Viaduto do Chá com a Rua Líbero Badaró.

A proposta é cronometrar e registrar em vídeo a travessia de 11 voluntários em condições diferentes de mobilidade. Foram convocados: criança, idoso, cadeirante, deficiente auditivo, deficiente visual, jovem, adulto com carrinho de bebê, pessoa com bengala ou andador, pessoa com imobilização temporária, mulher com salto alto e pessoa carregando bagagem.

A iniciativa da Cidadeapé é o início de uma série de mobilizações pela readequação dos tempos semafóricos de travessias de pedestres pela cidade. Os resultados serão apresentados à Secretaria Municipal de Transportes. O evento integra a programação especial da Semana da Mobilidade 2015.

Desafio da Travessia

Dia: Terça-feira, 22/09/2015
Hora: 13h00
Local: Viaduto do Chá x Rua Líbero Badaró

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Ver aqui a nota para a imprensa

Imagem do post: Cruzamento Xavier de Toledo X Viaduto do Chá. Foto: Cesar Ogata

“Meu nome é pedestre e preciso de você para não morrer”

Publicado originalmente em: Outra Cidade
Autor: Camila Montagner
Data: 25/08/2015

O que é? Caminhar é um impulso tão natural que raramente pensamos sobre as nossas necessidades como pedestres. Nas ruas da cidade o pedestre divide o espaço com os veículos mais rápidos, maiores e vai, aos poucos, abrindo mão da facilidade de ir e vir com suas próprias pernas em nome da segurança. Camila Montagner conta como andar em São Paulo virou uma atividade arriscada e propõe maneiras de tornar a cidade mais caminhável. Afinal, como a gente já falou recentemente, a cidade não é uma cadeia alimentar em que motoristas comem ciclistas e ciclistas comem pedestres. Cidade é espaço de convivência – e respeito.

Pedestres na contramão

Caminhar é o jeito mais simples de se locomover: podemos virar em qualquer esquina, não precisamos nos preocupar com congestionamentos, não necessitamos de carteira de habilitação e nossos tênis não carecem de emplacamento. Tudo parece tão óbvio, dito assim. O problema é o que o óbvio nunca é óbvio (com o perdão da repetição – e da rima).

Além de sair de um lugar para chegar em outro, andar é um exercício saudável e uns poucos minutos por dia já são suficientes para dar aquela condicionadinha física marota.

Tentando traduzir pedestre em veículo, dá para dizer:

  • Nos movemos a uma velocidade média de 5 quilômetros por hora, um ritmo tranquilo que deveria ser garantia de segurança
  • Somos MUITO mais compactos que uma bicicleta, um triciclo e um Fiat 147
  • Só que dividimos a via com outros meios de transporte, com os quais cultivamos uma relação um tanto quanto… complicada

Quem é pedestre sabe: a impressão é que, quando andamos, estamos sendo inconvenientes e atrapalhando o fluxo dos veículos motorizados ou movidos a rodas. Esses veículos respondem a um outro ritmo, mais sincronizado com o a urgência, e fazem com que andar pela cidade seja uma experiência contracultural – ou de necessidade pura e simples. Afinal, quem é muito pobre só tem os pés para ir de um lugar para o outro ou para economizar uma grana que faz uma baita diferença no final do mês.

Esse estranhamento tem um número alto e claro. Em uma pesquisa feita pela Rede Nossa São Paulo, 72% dos pedestres afirmaram que são desrespeitados no trânsito.

O pedestre virou um estranho, principalmente porque o crescimento desordenado da cidade ampliou as distâncias e chegar ao trabalho ou à escola usando apenas as próprias pernas se tornou inviável para muita gente. Estamos mais familiarizados com os 5,63 milhões de carros circulando pelas ruas da cidade  do que com os 34% da população que anda a pé diariamente, segundo a mesma pesquisa. Entre os que caminham todos os dias, 20% o fazem como único meio de locomoção. Somos muitos pelas calçadas afora.

Eu tenho consciência do meu privilégio de ter supermercado, hospital, emprego e entretenimento a algumas quadras de distância. É só atravessar os portões e andar em frente. Se deslocar dezenas de quilômetros faz parte do cotidiano daqueles que não tem a mesma sorte. 46% das pessoas, ainda segundo a pesquisa, disseram passar mais de uma hora e meia se deslocando por São Paulo todos os dias para o trabalhar ou estudar.

O risco do lado de cá do meio-fio

Em 2014 aconteceram 538 acidentes fatais para pedestres em São Paulo, sendo que o número de 555 mortes nos diz que alguns desses atropelamentos fizeram mais de uma vítima. Esses números representam 45% do número de acidentes e 44,4% dos óbitos no trânsito. Entre os envolvidos em acidentes fatais podemos contar apenas 70 pedestres sobreviventes. A fragilidade fica evidente quando fazemos a mesma relação para os motoristas/passageiros, que é de 221 feridos para 207 mortos.

O próprio desenho da cidade bane os pedestres de certas áreas com vias rápidas de múltiplas pistas. A Marechal Tito, por exemplo, que possui 4 faixas de rolamento em uma área de comércio em São Miguel Paulista, na Zona Leste, é a via onde se concentra o maior número de mortes de pedestres por quilômetro de extensão. Foram 11 atropelamentos fatais ao longo de seus 7,6 km, nos quais foram registrados semáforos quebrados e falhas de sinalização, com faixas de pedestres apagadas.

O “Namore sua Cidade” é um encontro da Associação Pela Mobilidade a Pé. Foto: Leandro Beguoci

Por onde vamos

Uma outra pesquisa, realizada pela Mobilize em 2014, mostra que a sinalização para pedestres em São Paulo recebeu a nota 3,7 (de 10), resultado abaixo de capitais como Cuiabá, Goiânia e Natal. Mesmo Curitiba, que conseguiu a melhor avaliação, não passou de 5,5.

Além de tornar as ruas mais seguras, a sinalização para pedestres também pode incentivar mais gente a andar a pé. Em Porto Alegre, um grupo de estudantes em uma alção organizada pela Shoot the Shit fizeram um crowdfunding para melhorar a sinalização. Eles espalharam cartazes que indicam uma estimativa de quanto tempo de caminhada é necessário para percorrer a distância entre o local onde a placa foi instalada e pontos turísticos, hospitais e parques.  A Empresa Pública de Transporte e Circulação da cidade chegou a retirar alguns cartazes que estavam nas bases dos semáforos, deixando os que foram pregadas nos postes.

porto-alegre-sinalização-para-pedestre

Ex-alunos do Colégio Farroupilha, de Porto Alegre – RS, juntamente com a organização Shoot the Shit, elaboraram e instalaram uma série de placas de sinalização que auxiliam os pedestres a se locomover na capital gaúcha. Foto: Lara Ely /Zero Hora

Como contou o urbanista Danilo Cersosimo em seu texto de estreia aqui na Outra Cidade, os espaços para pedestres costumam ser ignorados no planejamento urbano, mas essas zonas para quem anda a pé têm ganhado espaço na Europa. A nossa cultura de exaltar o carro como símbolo de independência e posição social é muito mais parecida com os EUA e o jeitinho deles de deixar os pedestres de fora da paisagem do sonho americano.

Mesmo na Europa o trânsito não foi sempre assim, tão amigável. A capital holandesa, Amsterdam, cidade de 811 mil habitantes onde hoje ocorrem entre 15 e 20 acidentes fatais nas vias de tráfego por ano, também começou a se redesenhar para abrigar os carros nos anos pós Segunda Guerra Mundial.

Ciclovias foram removidas para abrigar mais carros e o número de mortes nas trânsito do país chegou a 3.264 em 1972, como contou Marc van Woudenberg para o Citylab. A história deu uma mãozinha com a crise energética de 1973 (que retornou em 1979), mas foram os protestos que fizeram a diferença. Grupos se organizaram para pedir mais segurança para as crianças e ciclistas e as ruas foram gradualmente se transformando em lugares melhores para todos os seus usuários. Entre 2000 e 2013 ocorreram 274 acidentes fatais na cidade, nos quais 27% das vítimas eram pedestres (vale lembrar que lá a distribuição dos modais é bem diferente da nossa e as bicicletas, por exemplo, representam 48% do tráfego).

Encontro "Namore a sua Cidade", da Associação pela Mobilidade e Pé (foto: Leandro Beguoci)

Encontro “Namore a sua Cidade”, da Associação pela Mobilidade e Pé. Foto: Leandro Beguoci

Em São Paulo uma faixa exclusiva para pedestres será testada na rua Vergueiro, na Liberdade.  Joana Canêdo, da Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo, considera que a estrutura das ruas precisa ser diferente e essas mudanças, mesmo temporárias, mostram que a necessidade de mais espaço para pedestres existe.

A gente tem essa imagem de que a rua é só para os carros, mas podemos abrir ruas para pedestres, como as que tem no centro e funcionam muito bem. Precisa de política pública, precisa de investimento e também é preciso pensar mais sob a lógica do pedestre. (Joana Canêdo)

A gente também já falou sobre a importância de se ter calçadas caminháveis, mas as estruturas para pedestres também precisam ser eficientes e seguras. Para ser eficiente, uma rua precisa comportar o fluxo de pessoas andando e oferecer continuidade, inclusive nas travessias.

Ainda há um longo caminho pela frente para fazer do andar a pé um meio seguro de se locomover, mas isso não quer dizer que não estamos andando.

Imagem do post: Placa de pedestres no centro de São Paulo. Tão alta que o pedestre só sabe da homenagem se olhar bem para o céu. Foto: Leandro Beguoci