“Onde e como puder”

Publicado originalmente em: Pé de Igualdade, um blog do portal Mobilize
Autor: Meli Malatesta
Data: 28/01/2015

Caminhar nas ruas das cidades nos obriga a enfrentarmos diariamente várias travessias em cruzamentos e interseções pois se repetem a cada cem ou duzentos metros em média. Isto significa, para um percurso cotidiano a pé de 15 minutos, cerca de oito a dez travessias. Ao voltarmos, este número duplica, certo? E o que significa para as nossas vidas esta ação tão corriqueira?

Atravessar ruas são momentos muito importantes em nossa vida: é a hora da negociação da utilização do espaço e do tempo urbanos (das ruas e avenidas) com os usuários das outras formas de mobilidade, majoritariamente a mobilidade motorizada: automóveis, motos, ônibus, caminhões, utilitários.

Alguns destes locais tem uma negociação de uso pré-formalizada por sinalização de trânsito (placas, faixa de pedestre, semáforo de pedestres), mas a maioria não, valendo a equação mental básica que realizamos de forma automática em nosso cérebro: tempo necessário para ir de uma calçada à outra X velocidade do carro que se aproxima. Na maioria das vezes este cálculo funciona, mas quando falha, o pior resultado é sempre para quem não está pilotando uma pesada máquina motorizada.

No caso dos pontos contemplados com sinalização de trânsito, pode se afirmar com muita certeza que quem atravessa a pé geralmente não confia muito na faixa de pedestre. Para que isto ocorra é necessário haver sempre fiscalização e intensas campanhas de trânsito para garantir seu respeito pelos motoristas.

Veículo forçando a passagem em meio à travessia de pedestresCampanha educativa em BH

Mesmo quando as faixas de travessia de pedestres são semaforizadas com foco para pedestres a situação não muda muito. Quem está a pé já sabe que vai esperar muito e ter pouquíssimo tempo para atravessar. Isto ocorre porque os critérios para definir a divisão do espaço e do tempo das vias, tem pesos e medidas diferentes para os pedestres e veículos. Para o fluxo motorizado a divisão de uso do tempo e do espaço urbano adotada pelas metodologias da engenharia de tráfego é definida pelo tempo necessário à sua passagem, ou seja, considera o fluxo de veículos passam por hora ou minuto no cruzamento ou interseção e tem como objetivo dar vazão a todos os veículos que esperam em fila.

Já para o fluxo a pé, o tempo do direito de travessia é determinado pelo tempo gasto para se atravessar a rua na faixa de pedestres, independentemente de quantos pedestres estejam atravessando no momento. Considera-se como se houvesse uma só uma linha de frente de pessoas aguardando a travessia, sem levar em conta os que se acumulam atrás na formação do pelotão de espera e muito menos a importante característica de que o fluxo dos pedestres acontece sempre em dois sentidos.

Largura da faixa insuficiente para acomodar o fluxo Correria em brecha veicular

Assim a situação de submobilidade das travessias a pé, com diferentes pesos e medidas envolvidos numa simples e importante operação de divisão do direito de uso do espaço e do tempo públicos urbanos, traz aos que a praticam sensações de surpresa e indignação, que resultam na falta de confiança na faixa, foco ou qualquer outra sinalização voltada ao usuário da via que caminha.

Por outro lado, a repetida vivência desta desconfiança produz a rebeldia no uso dos espaços públicos pelos pedestres, refletida principalmente na realização das inúmeras travessias diárias na base do “onde e como puder”, contando apenas com as equações mentais de sobrevivência.

“O pedestre pede passagem com os pés”

Publicado originalmente em: ANTP
Autor: Letícia Leda Sabino, Silvia Stuchi Cruz , Maria Ermelina Brosch Malatesta (Meli)
Data: 23/12/2014

CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSTITUIÇÃO DA OBRIGATORIEDADE DA UTILIZAÇÃO DO GESTO DE MÃO NA REALIZAÇÃO DAS TRAVESSIAS

  1. INTRODUÇÃO 

O artigo tem como objetivo analisar o projeto de lei (PLC 26/10) da Deputada Perpétua Almeida, em tramitação no Congresso Nacional, que propõe alterar o Código de Transito Brasileiro (doravante CTB) – Lei Federal 9.503 / 97, tornando obrigatório o gesto do pedestre para que o indivíduo indique sua intenção de atravessar a rua.

A ideia presente na referida proposição é a de que, nos locais onde não exista sinalização semafórica, o gesto serviria de alerta aos condutores para priorizarem a travessia do pedestre, facilitando-lhes as precauções e atitudes necessárias para dar cumprimento ao que (JÁ) determina o CTB.

A pouca importância dada à Mobilidade Não Motorizada e em especial à Mobilidade a Pé e ao Pedestre nas cidades brasileiras é uma realidade infelizmente absorvida pelos usuários da via como um cenário habitual. Refletindo, igualmente, as posturas instituídas ao longo de todo o CTB e ao breve e incompleto Capítulo IV(Artigos 68, 69 e 70), dedicado aos direitos e deveres dos pedestres e condutores de veículos não motorizados. Nele são definidas 5 (cinco) posturas básicas, relativas à comportamento / prioridades e infraestrutura:a)

COMPORTAMENTO E PRIORIDADES – Compete aos cidadãos

O pedestre atravessando na faixa de pedestres tem prioridade na travessia, ou seja, não deveria parar na calçada para esperar os veículos passarem na via e então cruzar com segurança e sim o contrário. Exceto quando está em um cruzamento com sinal semafórico para pedestres em que este deve aguardar o sinal verde.-

O pedestre pode cruzar em qualquer local da rua se não houver nenhuma faixa a 50 metros de distância dele, mas deve fazê-lo perpendicular ao eixo da calçada. Para exemplificar: as quadras têm em média 200 metros, então é completamente permitido cruzar no meio das quadras.-

O ciclista desmontado e empurrando a bicicleta tem os mesmo direitos e deveres do pedestre.

  1. b)      INFRAESTRUTURA – Compete aos órgãos de trânsito

É assegurado ao pedestre condições mínimas de circulação tanto em vias urbanas como em vias rurais, garantindo prioridade do pedestre na pista de rolamento na ausência de passeio (calçada) e o órgão de trânsito tem obrigação de sinalizar e garantir formas de circulação do pedestre quando as passagens dos mesmos se encontrem obstruídas.-

O órgão responsável pela via deve manter as passagens de pedestres em boas condições e seguras. Ou seja, é responsabilidade dos órgãos de trânsito – através de sinalização, educação e outras ferramentas – garantir que os pedestres possam praticar as ações definidas acima sem se sentir constantemente ameaçado.

A legislação de trânsito brasileira é alicerçada em convenções internacionais e também na longa experiência mundial. E, não há, no mundo, a obrigatoriedade do gesto para o pedestre realizar sua travessia. A razão é simples: nesses países, o ser humano é mais valorizado.

Quando se criou esta forma de indicação de intenção de travessia em Brasília, como em outras cidades que seguiram este procedimento, tratou-se de um enfoque centrado no ponto de vista do veículo e não do ser humano. O que é um equívoco, resultante justamente dessa cultura impregnada da prevalência do automóvel.

Em outras palavras, há muito tempo é parte de nossa cultura de que a via é destinada aos automóveis, cujo espaço é de seu uso exclusivo, o qual deve permanecer livre de obstáculo, salvo exceções em que se “concede” o compartilhamento com outro usuário.  A própria nomenclatura técnica da via é impregnada de automóvel-centrismo: pista de rolamento, leito carroçável, faixa de tráfego etc.

Assim, a adoção do gesto por lei, sob a pretensão de proteger o pedestre, significa, ao contrário, mais uma medida a reforçar a cultura dominante do automóvel em detrimento do ser humano. É prática comum da legislação brasileira que as leis garantam condições melhores do que as que vivemos e vivenciamos. Em outras palavras, cumprir e respeitar o que foi regulamentado parece uma grande dificuldade.

Esta constatação reflete-se na tramitação agora no Senado de uma revisão do Art. 69, no capítulo de pedestres, e no Anexo II do CTB sobre Sinalização,  em que define a obrigatoriedade do pedestre fazer o “Gesto de Pedestre” para solicitar a travessia.

Após a introdução, nos tópicos seguintes, abordaremos o projeto (PLC 26/10) da Deputada Perpétua Almeida, que propõe a obrigatoriedade do gesto do pedestre para atravessar a rua, seguido das experiências de algumas cidades brasileiras que já adotaram/ adotam o gesto e, por fim, são apresentadas as conclusões.

 

  1. A ANÁLISE DO PROJETO DE LEI

Em princípio, aos leitores distraídos e com uma análise rasa do assunto, o PLC 26/10 parece tratar-se de um dispositivo que objetiva ampliar a segurança no trânsito e resguardar a vida do pedestre. No entanto, o propósito da lei acaba por transferir e transmutar a responsabilidade para o pedestre de uma regra que o CTB já estabeleceu para os condutores.

Ou seja, quando se define na legislação que a responsabilidade pela garantia da segurança dos usuários mais vulneráveis é a dos condutores de veículos automotores, considera-se que estes veículos, pela enorme energia cinética que representam, devem ser conduzidos com mais cautela e precauções, em face dos enormes danos potenciais que representam.

É detalhada a seguir uma análise sobre aspectos que seriam invalidados e desconsiderados caso esta lei entre em vigor e os nossos diversos questionamentos sobre a inviabilidade de implementação de tal exigência:

SOB O PONTO DE VISTA DO CUMPRIMENTO DO CTB

Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:
2º Respeitadas as normas de circulação e conduta estabelecidas neste artigo, em ordem decrescente, os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres.

– O pedestre só terá direito à incolumidade se fizer o gesto? “regulamentar” o que já está regulamentado? Ou seja, já é apontado que “veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores”, o que precisamos é colocar isso em prática. Não é o gesto em si que garantirá a efetividade e aplicabilidade.

Art. 44. Ao aproximar-se de qualquer tipo de cruzamento, o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial, transitando em velocidade moderada, de forma que possa deter seu veículo com segurança para dar passagem a pedestre e a veículos que tenham o direito de preferência.

Para ter direito de preferência o pedestre deverá fazer sinal de braço? O pedestre já tem preferencia, mais uma vez se faz necessário reforçar no processo de formação do condutor e  de educação o respeito à legislação voltada ao pedestre.

Art. 69. Para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a visibilidade, a distância e a velocidade dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até cinquenta metros dele, observadas as seguintes disposições:
I – onde não houver faixa ou passagem, o cruzamento da via deverá ser feito em sentido perpendicular ao de seu eixo;

– com o sinal de braço ou sem o sinal de braço?

II – para atravessar uma passagem sinalizada para pedestres ou delimitada por marcas sobre a pista:
a) onde houver foco de pedestres, obedecer às indicações das luzes; Muitos dos acidentes que ainda temos em travessia com foco e onde se põe a culpa no pedestre é na verdade decorrência das políticas de programação semafórica que impõe  ao pedestre  tempo de espera  muito longos e o tempo de travessia reduzidos. É preciso rever urgentemente os padrões e metodologias  para garantir a segurança na travessia e a equidade do direito de sua utilização.
b) onde não houver foco de pedestres, aguardar que o semáforo ou o agente de trânsito interrompa o fluxo de veículos;

– com o sinal de braço ou sem o sinal de braço?

III – nas interseções e em suas proximidades, onde não existam faixas de travessia, os pedestres devem atravessar a via na continuação da calçada, observadas as seguintes normas:
a) não deverão adentrar na pista sem antes se certificar de que podem fazê-lo sem obstruir o trânsito de veículos ; com o sinal de braço ou sem o sinal de braço? Como um pedestre poderá obstruir o trânsito?
b) uma vez iniciada a travessia de uma pista, os pedestres não deverão aumentar o seu percurso, demorar-se ou parar sobre ela sem necessidade.

– Mas também não devem atravessar correndo como se sentem pressionados a fazer em muitas situações na cidade

Art. 70. Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica, onde deverão ser respeitadas as disposições deste código. Com sinal de braço ou sem sinal de braço? Ou seja, teremos de “pedir licença” para utilizar um espaço que já é nosso de direito.  Já existe o sinal da faixa e todos os demais veículos deveriam sempre parar antes das faixas de pedestres para garantir travessias seguras.
Parágrafo único. Nos locais em que houver sinalização semafórica de controle de passagem será dada preferência aos pedestres que não tenham concluído a travessia, mesmo em caso de mudança do semáforo liberando a passagem dos veículos.

– E se ele não tiver feito o sinal de braço? E não exigir-se que este pedestre saia correndo para liberar a via, como ocorre com frequência nas cidades brasileiras?

Art. 170. Dirigir ameaçando os pedestres que estejam atravessando a via pública, ou os demais veículos: .
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa e suspensão do direito de dirigir;
Medida administrativa – retenção do veículo e recolhimento do documento de habilitação.

– E se ele não tiver feito o sinal de braço? Existe alguma infração para o pedestre para o não cumprimento do gesto?

SOB O PONTO DE VISTA DE SEGURANÇA DE TRÂNSITO

  • A eficácia do gesto do pedestre está vinculada a sua percepção pelo condutor que exige um padrão de visibilidade presente nas travessias de trecho de vias retilíneos onde haja proibição de estacionamento para evitar que o pedestre fique oculto pelo alinhamento dos veículos estacionados; a maioria das travessias é realizada em vias com estacionamento liberado e nos cruzamentos envolvendo a conversão veicular o que  elimina qualquer potencial de eficácia da medida ou seja, o condutor não conseguirá visualizar o gesto a tempo de esboçar alguma reação;
  • O gesto implicará num sentimento de falsa segurança por parte do pedestre ao imaginar que os condutores terão uma melhor percepção em função dele o que na maioria das vezes é falho.  Este sentimento implicará em atitudes que colocam em risco sua integridade ao iniciar a travessia sem a adequada avaliação do tempo necessário para executá-la e o tempo de aproximação do veículo;
  • Os condutores poderão alegar a falta do gesto para justificar comportamentos inadequados em relação às precauções a serem tomadas nos locais  de travessias, sinalizados ou não;
  • A falta do gesto poderá ser alegada por réus de processos judiciais decorrentes de homicídios por atropelamentos; O pedestre que não fizer o gesto será culpado sobre o seu atropelamento?
  • A segurança no trânsito depende e pode ter grandes incrementos de acordo com o desenho urbano da uma cidade. Um desenho urbano coerente e que priorize os deslocamentos não motorizados automaticamente faz com as pessoas tenham comportamento que não coloquem em risco sua integridade e que respeitem todos os modais.

SOB O PONTO DE VISTA DE CAMPANHAS EDUCATIVAS

  • Em Brasília, quando aplicado em campanha educativa funcionou, tanto que foi a fonte de inspiração deste projeto de lei, porém muitos apontam que o sucesso não se deu pelo gesto, mas pela fiscalização intensa que ocorreu ao mesmo tempo em que houve a implementação de tal prática. Já em São Paulo, por ocasião do Programa de Proteção ao Pedestre da CET, apesar de divulgado não teve grande adesão conforme atestou a própria CET em pesquisas realizadas.
  • Deveria-se investir em educação para o respeito dos pedestres e das faixas de pedestres, uma sinalização que já temos em vigor.

SOB O PONTO DE VISTA PRÁTICO

  • Nem todos os pedestres que atravessam tem disponível, para executar o gesto, um dos braços exigidos.  Estes podem estar ocupados carregando pacotes, segurando guarda-chuva, transportando duas crianças (qual delas os pais deveriam deixar soltas à beira de uma travessia para executar o gesto?) ou mesmo limitações físicas definitivas ou transitórias – pessoas sem braços ou com os braços imobilizados temporariamente;
  • O gesto pode ser confundido com um pedestre pedindo taxi ou fazendo sinal para um conhecido;
  • Ruas sem iluminação: problema frequente de falta de iluminação dos espaços urbanos. Como os motoristas enxergarão os pedestres?
  • Chuva: com chuva, diminui a visibilidade dos motoristas e pedestres;
  • Problemas com motoristas distraídos;
  • Problemas com motoristas alcoolizados;
  • A medida demanda ampla campanha de divulgação. Como será feito? Há acoplado uma obrigatoriedade de nova sinalização para lembrar tanto pedestres quanto motoristas sobre a utilização do gesto?
  • Não toca em problemas como: faixas de pedestre, sinalização, semáforos e, principalmente, redução da velocidade;
  • Como será garantida essa relação de “confiança” entre pedestre e motorista? O motorista também deve corresponder com um gesto que já visualizou o pedestre?
  • Pleonasmo: “pedestre terá prioridade na faixa de PEDESTRE”! Conforme mostrado isso já está garantido no CTB.

EXPERIÊNCIAS (de insucesso) – CIDADES BRASILEIRAS QUE ADOTARAM O GESTO

O “Gesto do Pedestre” sugerido pela Deputada Federal Perpétua Almeida é o mesmo adotado em Brasília, e constitui-se de um gesto de braço  coincidente com sinal que normalmente se utiliza  para solicitar para o ônibus parar no ponto ou chamar um taxi na rua.

O gesto de mão em Brasília

Muitas cidades no Brasil já tentaram instituir gestos de pedestres como tentativas de reduzir seus atropelamentos e/ou organizar o tráfego.  Talvez o mais criativo tenha sido o da prefeitura de Salvador ao fazer com que isso fosse “bacana”  combinando ao gesto do braço, o polegar virado para cima, ” o joinha” como sinal.

O gesto de mão “joinha” em Salvador

Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=xo4-ARuBDzc

A prefeitura de São Paulo, por sua vez, ao implantar o Programa de Proteção ao Pedestre em 2011 e 2012 adotou como orientação ao pedestre na travessia da faixa, o uso do gesto de mão.   A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), responsável pelo programa, realizou pesquisas[1]com os condutores e pedestres relativas à aprovação, adoção e entendimento do gesto.  Os resultados apontaram numa primeira abordagem que tanto motoristas como pedestres tinham conhecimento sobre a adoção do gesto.  Entretanto, o detalhamento das pesquisas demonstrou que o gesto em nada contribuía para alterar a insegurança que o pedestre sentia frente a uma travessia quanto à atitude que o condutor iria adotar em relação ao respeito da mesma (Tabela 1).

Tabela 1: percepção de atitudes registrando disparidades entre condutores e pedestres

Fonte: Freire (2013)

De acordo com a Tabela 1, o pedestre não confiava no gesto como garantia de respeito ao seu direito de prioridade de travessia na faixa sinalizada conforme estabelecido pela lei e por este motivo confiava mais na paciente espera da brecha de tráfego suficiente para realizar sua travessia.

CONCLUSÃO

De um modo geral, o entendimento do ato de caminhar como mobilidade ainda é pouco compreendido pela sociedade e pelos governantes. Ou seja, que esta prática deve ser respeitada pelo desenho urbano e que a garantia dos níveis de segurança e conforto tem a ver muito mais com medidas de maior rigor no cumprimento dos direitos de uso digno dos espaços públicos urbanos pelos pedestres, através de medidas eficazes como a redução da velocidade veicular, do que pela obrigatoriedade de um gesto não forçado/ não usual.

Concluímos, desta forma, que somos completamente contrárias a aprovação de tal lei, considerando que além de não gerar e nem ter nenhuma função benéfica na relação entre as pessoas que se deslocam nos diferentes modais na cidade a mesma representa, em alguns aspectos, um retrocesso na tentativa da cultura de respeito à pessoa se deslocando a pé.

É importante lembrar que em muitas cidades brasileiras já é observada a prática da prioridade ao pedestre na travessia, fato que ocorre sem a necessidade do gesto. O processo que mudou a cultura da população nessas localidades foi a educação, especialmente dos condutores e não por estratégias de comando-controle.

Para não finalizar apenas criticando sugerimos de forma propositiva que a Deputada redija uma nova lei com o objetivo de que a prioridade dos pedestres na faixa de pedestres seja cumprida garantindo assim maior segurança para as pessoas.

Nota:Tentamos contato com a Deputada para que nos respondesse algumas questões, mas ainda não tivemos retorno.  Em matéria da Agência Câmara é apontado que, segundo a deputada, para o sucesso do “gesto do pedestre” basta uma “boa dose de educação” e inevitavelmente ponderamos: Por que ao longo dos 17 anos do CTB ainda não houve esta “boa dose de educação” para os motoristas respeitarem a faixa de pedestres?

(*) Maria Ermelina Brosch Malatesta é fundadadora do “Pé de Igualdade” e presidente da Comissão de Mobilidade a Pé a Acessibilidade da ANTP e Letícia Leda Sabino, fundadora do “Sampapé” e Silvia Stuchi Cruz, fundadora do “Corrida Amiga” são secretárias executivas da mesma comissão.

Conheça mais a Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade

[1]Freire, Lilian Rose – CET/SP: “A importância do gesto e da postura do pedestre na travessia” – trabalho apresentado no 18º Congresso Nacional de Transportes da ANTP, Brasília,  2013.

 

“12 motivos para ser contra a lei do gesto do pedestre”

Publicado originalmente em: Diário da Mobilidade
Autor: Rafael Calábria
Data: 08/12/2014

O projeto de Lei da Câmara nº26 de 2010 continua no Senado, e nós continuamos fazendo oposição a ele. Então, além do texto que já postamos aqui, segue agora um compilado de 12 motivos para ser contra o Projeto de Lei do Gesto do Pedestre:

1 – Inverte a prioridade na faixa de pedestre

O Código de Trânsito Brasileiro já é claro! A prioridade na faixa é do pedestre:

“Art. 70. Os pedestres que estiverem atravessando a via sobre as faixas delimitadas para esse fim terão prioridade de passagem, exceto nos locais com sinalização semafórica…”

Além disso, como os veículos de maior porte, são responsáveis pela segurança dos veículos de menor porte (Art. 29), o motorista tem o dever de tomar cuidado com o pedestre no cruzamento:

 “Art. 44. Ao aproximar-se de qualquer tipo de cruzamento, o condutor do veículo deve demonstrar prudência especial, transitando em velocidade moderada, de forma que possa deter seu veículo com segurança para dar passagem a pedestre …”

Não há necessidade de se criar outro dispositivo, a faixa de pedestre já é o dispositivo para se dar prioridade ao pedestre no cruzamento da via.

 2 – Inutiliza a faixa de pedestre

É interessante saber que os motoristas respeitam um pouco mais as faixas de pedestre quando elas são de outra cor, quando o pedestre faz gestos, ou quando há homens fantasiados nelas. Mas a faixa de pedestre regulamentada pelo CTB e pintadas por todas as ruas do Brasil é o dispositivo que garante a prioridade do pedestre na via! É urgente fazer com que o motorista respeite as faixas já pintadas.

3 – Desvia a atenção dos problemas principais

O que leva insegurança as ruas é a alta velocidade dos motoristas e a falta de educação quanto às regras de trânsito, incluindo o respeito à faixa. Projetos de preservação da vida e de segurança do pedestre que focaram em reduzir a velocidade dos carros e educar o motorista tiveram mais sucesso do que os projetos que focaram apenas na responsabilidade do pedestre pela própria segurança.

4 – Leva o motorista a pensar que não precisa respeitar as faixas

O exemplo da faixa de pedestre vermelha é exemplar quanto a isso – o motorista passa a respeitar bastante a faixa vermelha, mas e a branca? Se torna normal desrespeitá-la? Vamos pintar todas de vermelho? Ou seria mais viável ensinar os motoristas a respeitar as brancas também? Vamos criar um novo instrumento ou utilizar o que já existe?

5 – A responsabilidade de fazer o motorista cumprir a lei não é do pedestre

Um agente de trânsito fiscalizando e autuando os motoristas que não respeitam a faixa é muito mais eficaz na propagação da ideia e na criação do costume do que um pedestre fazendo o gesto. A mudança de hábito do uso do cinto de segurança foi realizada após muita campanha, muita fiscalização e multa. É preciso iniciar a mudança do costume quanto as faixas e ao pedestre.

6 – Não foi ele que gerou resultado positivo para o pedestre em Brasília

Todas as análises de Brasília citam que junto com a divulgação do gesto houve aumento de fiscalização e de multas. Os motoristas de Brasília não começaram a parar antes da faixa porque os pedestres estavam fazendo o gesto, mas porque estavam sendo autuados quando não paravam.

7 – Não gerou resultado positivo em São Paulo

O programa de São Paulo começou interessante mas se perdeu, exatamente quando focou na responsabilidade do pedestre sobre respeitar a faixa e abandonou a necessidade de conscientizar o motorista sobre segurança no trânsito e diminuição da velocidade. Estes dois textos (aqui e aqui) descrevem como isso aconteceu.

8 – Não aumentou o respeito do motoristas à faixa de pedestre

Os textos sobre o projeto em São Paulo mostram que ao final do projeto o respeito a faixa de pedestre chegou a 30%. Ou seja, 70% dos motoristas continuam não respeitando a faixa. É preciso criar um programa intenso de respeito a faixa e redução de velocidade.

9 – Não é a melhor solução para comunicação entre motorista e pedestre

Os defensores do projeto dizem que é um gesto de comunicação entre pedestre e motorista. Mas tal comunicação é possível com um carro a 70km/h? Motoristas em alta velocidade irão parar em faixas de pedestres?

10 – A questão central é educação e conscientização

Apenas colocar o gesto do pedestre no CTB não resolve. A faixa está regulamentada há 15 anos e não é respeitada. Os projetos de proteção ao pedestre realizados mostraram que sem programas intensos de conscientização os motoristas também reduziram o respeito ao gesto. Ou seja, quando o gesto não for mais criaremos outro instrumento mais “comunicativo”? Ou trabalharemos para que se respeite os instrumentos que já existem?

11 –  Pessoas não são bonequinhos perfeitos como nas placas

Pessoas carregam pacotes, empurram carrinhos de bebê, de feira, usam utensílios nas mãos, tem deficiência física ou motora, precisam de andador… enfim, nem sempre podem fazer o tal gesto para atravessar a rua. O instrumento que o motorista tem que respeitar já está pintado no chão, não precisa estar na mão do pedestre. A faixa deve ser suficiente.

12 – Não resolve o problema

Como os 11 pontos mencionados a cima mostraram a alta velocidade dos motoristas, e o costume de que não é necessário parar nas faixas de pedestre são muito mais críticos para a proteção à vida do que o pedestre fazer um gesto ou não. Devemos ter programas gerais de redução de velocidade e conscientização sobre a importância do pedestre como parte do trânsito, parte mais frágil, e parte que deve ser respeitada e protegida. E não passar toda a responsabilidade pela sua segurança ao próprio pedestre, quando é o motorista quem deveria assumir a responsabilidade pela maneira como o conduz, e respeitar as regras do trânsito.

Com isso, se você também quer se expressar, opine aqui, ou mande emails para o seu Senador ou Partido.

Comente aqui e divulgue este texto! Vamos mostrar nossa opinião.

“O gigante erro da “simpática” lei do gesto do pedestre”

Publicado originalmente em: Diário da Mobilidade
Autor: Rafael Calábria
Data: 18/11/2014

Circula pelo Senado o Projeto de Lei da Câmara n° 26 de 2010, conhecido como a Lei do Gesto do Pedestre. Aparentemente simpática, esta lei esconde uma enorme inversão de prioridades.
O projeto propõe que numa travessia de faixa de pedestre  o pedestre deve fazer um gesto com o braço para indicar que quer atravessar a rua. No entanto, segundo o Código de Transito Brasileiro (Art. 70) a prioridade já é do pedestre e o motorista, sujeito a multa, deve respeitá-lo.

Quando se critica esta ideia, o caso de Brasília é sempre lembrado, mas ao se analisar o que foi realizado no Distrito Federal se nota que o resultado não foi atingido por causa do gesto do pedestre, mas sim devido ao aumento da fiscalização e consequentemente das multas.

Para essa analise é importantíssimo se ressaltar que Brasília implementou o projeto sem precisar mudar o CTB, e só conseguiu fazer isso porque nele já consta que o motorista deve dar prioridade ao pedestre nas faixas! Caso contrário não haveria multas!

Em 2011 um projeto de Segurança do Pedestre foi implementado também em São Paulo, e se perdeu ao culpar o pedestre com desculpas esfarrapadas dos motoristas tentando explicar porque não respeitaram as faixas. O projeto havia começado bem, com medidas efetivas como a diminuição do limite de velocidades em vias, fiscalização e foco na valorização da vida mas, em sua parte final tentou mudar o foco para a fiscalização do pedestre (curiosamente com mais presença em faixas semaforizadas) e acabou se desvirtuando, e caindo numa discussão com argumentos como “o que atrapalha é a quantidade de pedestres na calçada” e “o motorista não consegue detectar o real desejo do pedestre de atravessar”. Estes textos de Daniel Santini: “Deu zebra na capanha de defesa de pedestre em SP“, demonstra como ela mudou seu foco e se perdeu.

As peças publicitárias da campanha também deixam claro essa incoerência. Ao invés de focar na educação do motorista e diminuição da velocidade, elas pedem que o pedestre se esforce para sobreviver no trânsito “Pedestre, faça valer seu direito e respeite a vida (?)”, seguida de “Respeite a faixa de pedestres” – uma frase que só se pode imaginar que deveria ser direcionada ao motorista, e com isso faria sentido por si só.

Ainda sim, os defensores deste programa dizem que ele é uma forma de comunicação entre motorista e pedestre, porém o que se ignora é que o maior dificultador deste diálogo é a alta velocidade dos veículos. Além da velocidade, o desrespeito a sinalização também pode ser notado. Foi divulgado em São Paulo que com a campanha se atingiu a marca de 30% de respeito da faixa de pedestre pelos motoristas. Este número não deixa claro quem está infringindo a lei e a boa convivência no trânsito?

Outro exemplo que deixa claro o desrespeito à sinalização é a cidade de Jandira-SP. A “solução” encontrada pela prefeitura foi pintar faixas de pedestres “estratégicas” de vermelho, sob a desculpa de que as faixas vermelhas o motorista respeita mais. Devemos então mudar a cor de toda a sinalização do país ou e mais fácil educar o motorista?

Com isso, se a prioridade já é do pedestre e o dever da fiscalização cabe ao poder público não faz sentido exigir que o pedestre faça um sinal com o braço para que o motorista cumpra a lei.

A responsabilidade de fazer com que o motorista cumpra a lei é do pedestre?

Se o pedestre não levantar o braço e o motorista não parar, o motorista não terá cometido infração?

Um projeto que inverte prioridades como este não educa. Muito pelo contrário, deseduca! É muito grave alterar o código máximo do trânsito brasileiro e se atrelar o cumprimento da lei a um gesto realizado por outra pessoa. Sob o pretexto de uma situação de falta de educação no trânsito estamos (des)educando o motorista a só respeitar a lei quando o pedestre lembrar ou puder levantar o braço.

Um projeto de lei que garanta segurança aos pedestres deve ser um projeto que assegure aos estados e municípios uma forma mais eficaz de ampliar a fiscalização ao infrator, ou exija melhores qualidades de sinalização e educação do motorista. Mas principalmente, um projeto que diminua a velocidade dos veículos motorizados dentro das cidades brasileiras, humanizando as ruas e gerando mais segurança a pedestres, ciclistas, motociclistas, motoristas, enfim, pessoas.
Esse sim seria um projeto que poderia se apelidar de “gesto da vida”!

Nós defendemos as zonas de velocidade limitada nas cidades, as chamadas Zonas 30km/h e a educação de condutores pela preservação da vida.

Não apoiamos o atual PL 26 de 2010 e pedimos aos excelentíssimo senadores que o vetem.

É possível opinar sobre o Projeto de Lei aqui. Opine você também!