“O gigante erro da “simpática” lei do gesto do pedestre”

Publicado originalmente em: Diário da Mobilidade
Autor: Rafael Calábria
Data: 18/11/2014

Circula pelo Senado o Projeto de Lei da Câmara n° 26 de 2010, conhecido como a Lei do Gesto do Pedestre. Aparentemente simpática, esta lei esconde uma enorme inversão de prioridades.
O projeto propõe que numa travessia de faixa de pedestre  o pedestre deve fazer um gesto com o braço para indicar que quer atravessar a rua. No entanto, segundo o Código de Transito Brasileiro (Art. 70) a prioridade já é do pedestre e o motorista, sujeito a multa, deve respeitá-lo.

Quando se critica esta ideia, o caso de Brasília é sempre lembrado, mas ao se analisar o que foi realizado no Distrito Federal se nota que o resultado não foi atingido por causa do gesto do pedestre, mas sim devido ao aumento da fiscalização e consequentemente das multas.

Para essa analise é importantíssimo se ressaltar que Brasília implementou o projeto sem precisar mudar o CTB, e só conseguiu fazer isso porque nele já consta que o motorista deve dar prioridade ao pedestre nas faixas! Caso contrário não haveria multas!

Em 2011 um projeto de Segurança do Pedestre foi implementado também em São Paulo, e se perdeu ao culpar o pedestre com desculpas esfarrapadas dos motoristas tentando explicar porque não respeitaram as faixas. O projeto havia começado bem, com medidas efetivas como a diminuição do limite de velocidades em vias, fiscalização e foco na valorização da vida mas, em sua parte final tentou mudar o foco para a fiscalização do pedestre (curiosamente com mais presença em faixas semaforizadas) e acabou se desvirtuando, e caindo numa discussão com argumentos como “o que atrapalha é a quantidade de pedestres na calçada” e “o motorista não consegue detectar o real desejo do pedestre de atravessar”. Estes textos de Daniel Santini: “Deu zebra na capanha de defesa de pedestre em SP“, demonstra como ela mudou seu foco e se perdeu.

As peças publicitárias da campanha também deixam claro essa incoerência. Ao invés de focar na educação do motorista e diminuição da velocidade, elas pedem que o pedestre se esforce para sobreviver no trânsito “Pedestre, faça valer seu direito e respeite a vida (?)”, seguida de “Respeite a faixa de pedestres” – uma frase que só se pode imaginar que deveria ser direcionada ao motorista, e com isso faria sentido por si só.

Ainda sim, os defensores deste programa dizem que ele é uma forma de comunicação entre motorista e pedestre, porém o que se ignora é que o maior dificultador deste diálogo é a alta velocidade dos veículos. Além da velocidade, o desrespeito a sinalização também pode ser notado. Foi divulgado em São Paulo que com a campanha se atingiu a marca de 30% de respeito da faixa de pedestre pelos motoristas. Este número não deixa claro quem está infringindo a lei e a boa convivência no trânsito?

Outro exemplo que deixa claro o desrespeito à sinalização é a cidade de Jandira-SP. A “solução” encontrada pela prefeitura foi pintar faixas de pedestres “estratégicas” de vermelho, sob a desculpa de que as faixas vermelhas o motorista respeita mais. Devemos então mudar a cor de toda a sinalização do país ou e mais fácil educar o motorista?

Com isso, se a prioridade já é do pedestre e o dever da fiscalização cabe ao poder público não faz sentido exigir que o pedestre faça um sinal com o braço para que o motorista cumpra a lei.

A responsabilidade de fazer com que o motorista cumpra a lei é do pedestre?

Se o pedestre não levantar o braço e o motorista não parar, o motorista não terá cometido infração?

Um projeto que inverte prioridades como este não educa. Muito pelo contrário, deseduca! É muito grave alterar o código máximo do trânsito brasileiro e se atrelar o cumprimento da lei a um gesto realizado por outra pessoa. Sob o pretexto de uma situação de falta de educação no trânsito estamos (des)educando o motorista a só respeitar a lei quando o pedestre lembrar ou puder levantar o braço.

Um projeto de lei que garanta segurança aos pedestres deve ser um projeto que assegure aos estados e municípios uma forma mais eficaz de ampliar a fiscalização ao infrator, ou exija melhores qualidades de sinalização e educação do motorista. Mas principalmente, um projeto que diminua a velocidade dos veículos motorizados dentro das cidades brasileiras, humanizando as ruas e gerando mais segurança a pedestres, ciclistas, motociclistas, motoristas, enfim, pessoas.
Esse sim seria um projeto que poderia se apelidar de “gesto da vida”!

Nós defendemos as zonas de velocidade limitada nas cidades, as chamadas Zonas 30km/h e a educação de condutores pela preservação da vida.

Não apoiamos o atual PL 26 de 2010 e pedimos aos excelentíssimo senadores que o vetem.

É possível opinar sobre o Projeto de Lei aqui. Opine você também!

2 comentários sobre ““O gigante erro da “simpática” lei do gesto do pedestre”

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