Encontro dos Usuários do Censo 2020 – mobilidade urbana em pauta

Participamos dia 21/11/2018 do Encontro dos Usuários do Censo 2020 promovido pelo IBGE, que tinha como objetivo “identificar as lacunas de produção de dados, estabelecer prioridades e entender como os dados são utilizados, garantindo uma produção estatística de utilidade prática comprovada e honrando o direito do cidadão à informação pública, de acordo com os princípios fundamentais de estatísticas oficiais”.

A Cidadeapé foi convidada a participar do encontro junto com outras entidades graças à carta enviada alguns meses atrás solicitando o aprimoramento  da coleta de dados sobre transporte, com foco no transporte ativo e sustentável e na acessibilidade. Agradecemos a mobilização das organizações parceiras que aderiram a esse importante movimento para levantamento de mais dados sobre  esse tema transversal, que revela informações importantes sobre a situação econômica, demográfica, social e ambiental do Brasil e sua população.

O encontro teve a presença de 60-80 pessoas, a maioria técnicos do IBGE e alguns funcionários de outros órgãos (IPEA principalmente). Das entidades de mobilidade estavam a UCB, o ITDP e Observatório das Metrópoles. Algumas poucas pessoas da sociedade civil fizeram também manifestações.

O balanço é bastante positivo para a mobilidade urbana.

Pesquisa do Entorno

Trata-se do levantamento que recenseadores fazem na face de quadra dos domicílios, para entender como o bairro é servido. Em 2020, passarão a coletar informações sobre travessia de pedestre com sinalização, ponto de ônibus e ciclofaixa/ciclovia/sinalização de pista compartilhada. Isso informará sobre a localização das quadras com pontos de ônibus de todas as cidades do país, assim como ciclovias de todas as cidades do país, quadra a quadra. Em 2010 já estavam inclusas calçadas e as rampas de acessibilidade. A novidade para a mobilidade a pé no próximo Censo é a identificação de faixas de pedestres sinalizadas.

Tempo de deslocamento

A pergunta do Censo se refere ao tempo para a atividade principal de trabalho ou estudo. Nossa solicitação foi de revisar as faixas de tempo, afim de considerar tempos menores, de 6 a 15 minutos e de 16 a 30 minutos, pois este dado é bastante sensível para escolha do modo de transporte. O IBGE optou por coletar a informação com dados abertos de hora e minuto. Assim, ampliam-se as opções de estatísticas e análise de dados, o que é ótimo para entender a parte da mobilidade a pé nos deslocamentos. 

Grau de dificuldade de deficiências

Trata-se de uma pergunta feita no questionário da amostra. Ao que parece pretendem aprimorar as questões para medir melhor o grau de dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar e subir escadas. Esperamos dados mais robustos para pautar a acessibilidade nas cidades. 

Modos de transporte

Vão incluir uma nova pergunta sobre modo de transporte no questionário da amostra. Ao responder sobre os modos de transporte que usam para o trabalho e estudo, as pessoas poderão citar até 3 modos utilizados, e vão assinalar o modo principal dizendo em qual deles passa mais tempo.

Conversamos com um dos gerentes do IBGE sobre isso durante a reunião, alertando para o sub-relato do modo a pé. Salientamos que sempre que transporte público ou mais de um modo de transporte são citados, o modo a pé deveria ser anotado. As pesquisas de Origem e Destino costumam registrar os tempos de caminhada na origem e no destino. Vamos continuar em contato para evitar que continuemos a ter dados subestimados sobre o quanto os brasileiros caminham.

De qualquer forma é um grande avanço, e esperamos que a inclusão dessa questão permita que muitos municípios aprimorem seus planos de mobilidade.

Quantificação da posse de veículos

Infelizmente ainda não houve avanço neste ponto. Fizemos uma fala aberta sobre a importância do dado de frota regionalizado para os estudos de emissões de poluentes e políticas gerais de mobilidade. Insistimos que seria importante adicionar uma pergunta sobre o  número de veículos por domicílio, incluindo automóvel, motocicleta e também bicicletas, pois esse dado ajudaria a pautar as políticas de mobilidade por cidades mais sustentáveis.

Próximos passos

Nossa expectativa é manter contato estabelecido com o IBGE e  monitorar as questões relativas ao modo a pé e a posse de bicicleta por domicílio. Vamos acompanhar de perto o cronograma e a fase de testes do Censo 2020. 

Em relação ao cronograma, a consulta pública foi realizada em abril e maio de 2018. Fizeram uma prova piloto em agosto, com as sugestões da consulta. Com as contribuições do encontro de ontem e outras reuniões internas, vão realizar nova prova piloto em março e abril de 2019. O Censo experimental está previsto para outubro de 2019. O Censo 2020 se iniciará em 01/08/2020 com duração máxima de 3 meses.

Agradecemos  a todos que fizeram contribuições no site da consulta pública e que assinaram a carta. É preciso reconhecer que estas vitórias não são fruto da ação da carta especificamente, lembrando que a tentativa de incluir a bicicleta no censo não é inédita. O trabalho para pautar a mobilidade urbana em vários espaços, como tema relevante e transversal que é, vem sendo realizado há anos por organizações ligadas à mobilidade e sustentabilidade. As conquistas são resultados de muito trabalho qualificado, de muitas pessoas, por muito tempo, em rede. 

Sobre o encontro

Encontro com Usuários do Censo 2020 foi realizado dia 21/11/2018, das 9h às 17h30, no Centro de Convenções Sulamérica, Cidade Nova, Rio de Janeiro – RJ. O  IBGE convidou seus principais interlocutores para apresentar o panorama do Censo Demográfico 2020: escopo temático, os testes e demais etapas do planejamento que estão em execução, e ampliar as discussões. 

Agência IBGE Notícias: IBGE apresenta resultados de consulta pública e discute Censo 2020 com sociedade

Vídeo: Encontro dos Usuários do Censo

Mobilidade ativa e sustentável no Censo 2020

Cidadeapé e mais 52  organizações ligadas à mobilidade ativa e sustentável fazem sugestões para o IBGE aprimorar a coleta de dados sobre transporte no próximo Censo

Em 2020 o IBGE realizará o Censo Demográfico brasileiro. O objetivo é delinear um retrato da população do país e de suas características socioeconômicas, e com isso ter uma base sobre a qual desenvolver planejamento público e privado da próxima década – incluindo na área de mobilidade urbana.

Com o intuito de captar e analisar as demandas dos usuários, o IBGE iniciou em fevereiro de 2018 uma consulta pública que permitia a participação dos de todos os cidadãos no planejamento e na definição do conteúdo e da metodologia do censo demográfico 2020.

A Cidadeapé conduziu a ação para elaboração de uma carta, e junto com organizações ligadas à mobilidade urbana, aproveitou a oportunidade para sugerir mudanças no que se refere à frota de veículos da população, cujos dados têm o potencial de aperfeiçoar os estudos de planejamento, mobilidade urbana e emissão de poluentes na próxima década, favorecendo todas as cidades do país a buscar cenários de desenvolvimento mais sustentáveis. A carta abaixo foi protocolada no Rio de Janeiro em 7/5/2018.

Agradecemos às organizações que fizeram sugestões e assinaram a carta.
Agradecemos à MobiRio pela entrega protocolada no Rio de Janeiro.

Veja aqui a carta em PDF.


Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE
À Diretoria de Pesquisas – DPE
Av. República do Chile, 500/10°andar, Centro, Rio de Janeiro-RJ

Brasil, 7 de maio de 2018.

Por meio desta carta, as associações abaixo assinadas vêm contribuir com questões relativas ao tema da mobilidade urbana no Censo 2020.

Colocamo-nos à disposição para dirimir quaisquer dúvidas, com a certeza de que essa é uma oportunidade ímpar de construirmos juntos um Censo mais plural e oportuno para todos.

Cordialmente,

Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo

 

Mobilidade Urbana no Censo 2020

No âmbito da consulta pública aberta a sugestões para o Censo 2020, as organizações abaixo assinadas vêm contribuir com questões relativas ao tema da mobilidade urbana, entendendo que este é um tema transversal, que revela informações importantes sobre a situação econômica, demográfica, social e ambiental do Brasil e sua população, englobando características do domicílio, das pessoas e de deslocamentos ao trabalho e estudo.

Agradecemos enormemente a plataforma disponibilizada para contribuições públicas, pois esta foi o ensejo para elaboração das propostas a seguir. Contudo, optamos também por expressar de forma conjunta os aspectos abordados no Censo que são pertinentes à mobilidade urbana, a fim de apontar sua importância e registrar a expressão de organizações que são caras ao tema.

É importante contextualizar que, historicamente, independente do porte, as cidades brasileiras tiveram o automóvel como eixo estruturador de seu desenvolvimento urbano e, hoje, essa política provoca impactos diretos no trânsito das cidades, assim como na saúde da população, poluição ambiental e sonora, uso do solo, economia e produtividade, entre outros. Considerando-se que a qualidade do transporte público coletivo e das calçadas, as relações no espaço público e seus usos, o crescimento e desenvolvimento das cidades são diretamente afetados pelas priorizações e políticas na mobilidade urbana, levantar dados e dar visibilidade às diversas formas de deslocamentos é essencial para subsidiar políticas públicas que são necessárias para garantir os direitos, a cidadania e a qualidade de vida da população em geral.
A Política Nacional de Mobilidade Urbana, que teve suas diretrizes instituídas pela Lei 12.587/2012, determina que os municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem Planos de Mobilidade, porém a falta de dados sobre os deslocamentos realizados pode comprometer a efetividade destes planos. Ademais, em 2015 o transporte foi inserido no rol dos direitos sociais no artigo 6º da Constituição Federal, e, para garantir este direito, são necessários dados e estudos para basear políticas públicas. O principal tipo de pesquisa realizada sobre os deslocamentos das pessoas é a pesquisa origem-destino, de base domiciliar, assim como o Censo. Porém, por ser muito cara a sua aplicação, ela é realizada apenas por poucas cidades brasileiras.

Assim, as entidades abaixo relacionadas vêm por meio desta solicitar que o IBGE inclua no Censo 2020 um maior detalhamento acerca dos deslocamentos das pessoas. Para tanto, apresentamos as seguintes sugestões: (1) a criação de uma questão sobre modos de deslocamento; (2) a revisão das faixas de tempo de deslocamento ao trabalho e estudo, e (3) alterações nas questões sobre frota de veículos de modo a mensurar o número por domicílio e incorporar bicicletas como veículos.

Destacamos que a construção das questões foi feita com base nos critérios de avaliação de demandas para o Censo Demográfico, disponibilizados pelo IBGE, e acreditamos ser “alta prioridade” em todos os quesitos (força da necessidade do usuário, tamanho da população e interesse, adequação de fontes alternativas, transversalidade, comparabilidade espacial, continuidade no tempo e frequência desejada dos resultados).

1) Em relação aos deslocamentos realizados pela população, sugerimos a inclusão de uma questão sobre o modo de transporte utilizado para a atividade principal (trabalho ou estudo).

Acreditamos que esta é uma questão essencial para permitir elaboração, monitoramento e avaliação da efetividade da Política Nacional de Mobilidade Urbana e dos Planos Municipais de Mobilidade Urbana nas cidades brasileiras.

Salientamos a importância das questões de modos de deslocamento e tempos de deslocamento serem feitas não só para trabalhadores, mas também para estudantes, pois as viagens para a escola têm grande impacto na mobilidade urbana, em todas a cidades, independentemente do porte.

Para operacionalização, o principal modo de transporte deve ter uma hierarquia estabelecida, a qual sugerimos que seja aquele em que a pessoa passa mais tempo, seguido por maior distância, e por fim  por maior custo.

É fundamental apontar a importância da mobilidade ativa neste contexto, pois os modos a pé e bicicleta devem ter prioridade segundo Política Nacional de Mobilidade Urbana, e devem balizar o desenvolvimento dos planos urbanos nos próximos anos. O modo a pé é parte integrante do acesso aos demais modos de transporte, e por muitas vezes a bicicleta também é usada para acessar o transporte coletivo. Seria de grande valia que, assim como na pesquisa sobre atividade física conduzida pelo IBGE em 2013, fossem registrados os tempos de deslocamento nos modos ativos, ou seja, a pé e bicicleta.

Assumindo a dificuldade de tabulação de dados abertos, sugerimos que ao menos sejam registrados os modos ativos como parte do trajeto.

Sugestão de pergunta para o Censo 2020

Qual é o principal modo de transporte utilizado para seu deslocamento ao trabalho/estudo? (Resposta única, com indicação de parte do trajeto nos modos ativos)

A pé
Bicicleta
Transporte coletivo (ônibus, trem, Metrô, VLT etc)
Transporte aquaviário (barco, balsa)
Motocicleta
Automóvel
Táxi e outros automóveis compartilhados
Caminhão
Outros

          Parte do trajeto a pé [  ], Parte do trajeto por bicicleta [  ]

 

Reconhecendo os custos de se incluir uma questão no Censo, clamamos que conhecer as principais formas de deslocamento tem impacto na alocação de recursos públicos em todas as cidades, desenvolvimento de planos municipais de mobilidade urbana,  desenvolvimento e valoração de políticas ambientais e energéticas, além de fomentar diretrizes para as áreas de saúde e educação. A transversalidade do tema é inegável, além de permitir comparabilidade espacial e temporal.

2) Em relação ao tempo de deslocamento, o Censo 2010 perguntava sobre o tempo habitual de deslocamento casa trabalho.

Censo 2010

Qual é o tempo habitual gasto de deslocamento de sua casa até o trabalho?

Até 05 minutos
De 06 minutos até meia hora
Mais de meia hora até uma hora
Mais de uma hora até duas horas
Mais de duas horas

Solicitamos que as opções de tempo sejam revistas, considerando que a escolha entre modos de transporte é bastante sensível ao tempo percebido de deslocamento, e a faixa entre 6 minutos e 30 minutos abrange muitas viagens e precisa ser detalhada. A sugestão permite agrupamento com os levantamentos anteriores, e inclui o deslocamento para motivo de estudo.

Sugestão de pergunta para o Censo 2020

Qual é o tempo habitual gasto de deslocamento de sua casa até o trabalho ou estudo?

Até 5 minutos
de 6 a 15 minutos
de 16 a 30 minutos
de 31 a 45 minutos
de 46 a 1 hora
de 1 a 2 horas
Mais de 2 horas

 

3) Os dados de frota de veículos são importantíssimos nos estudos de mobilidade urbana,  planejamento de transportes e análise de impactos climáticos. Os desafios destas áreas estão presentes em todas as cidades do país, envolvendo tempos de deslocamento da população, ocorrências com mortos e feridos no trânsito, poluição ambiental e doenças respiratórias e cardiovasculares.

As frotas de automóveis, motocicletas e bicicletas são dados de entrada nos modelos de planejamento de transporte e emissão de poluentes, sendo utilizados pelo poder público e empresas públicas, por organizações da sociedade civil que atuam em mobilidade urbana e questões climáticas, por empresas de consultoria em transportes e clima e por instituições acadêmicas. Atualmente só são conhecidas as frotas registradas de automóveis e motocicletas por município. Conhecer, por setor censitário, os tipos de veículos que compõem a frota dos domicílios é essencial para o próximo Censo.

O Censo 2010 perguntava sobre motocicletas e automóveis, sem especificar o número de veículos. Da forma que foram estruturadas, estas questões retrataram parcialmente a posse por domicílio.

Censo 2010

Neste domicílio existe motocicleta para uso particular? (Sim/Não)
Neste domicílio existe automóvel para uso particular? (Sim/Não)

Acreditamos que o Censo 2020 pode aprimorar consideravelmente a qualidade da informação coletada realizando pequenas alterações nessas perguntas, ao incluir a bicicleta na caracterização do domicílio e mensurar numericamente os veículos. Assim sugerimos:

Sugestão de pergunta para o Censo 2020

Neste domicílio, existem quantas bicicletas para uso particular? (0, 1, 2, 3, 4 ou mais)
Neste domicílio, existem quantas motocicletas para uso particular? (0, 1, 2, 3, 4 ou mais)
Neste domicílio, existem quantos automóveis para uso particular? (0, 1, 2, 3, 4 ou mais)

A inclusão da bicicleta na caracterização do domicílio é condizente com o aumento do uso deste modo de transporte em cidades grandes e médias na última década, e sua presença já consolidada em cidades pequenas. De acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, a bicicleta deve ser priorizada no planejamento urbano, e quantificar a sua frota será fundamental para estudar e incentivar os modos de deslocamentos sustentáveis.

Ao estruturar as respostas de forma numérica, amplia-se a gama de técnicas estatísticas aplicáveis, levando a estudos mais precisos e robustos. Ao invés da dicotomia Sim/Não, teremos a distribuição da posse de veículos.

Acreditamos que as alterações sugeridas vão aperfeiçoar imensamente os estudos de planejamento, mobilidade urbana e emissão de poluentes na próxima década, favorecendo todas as cidades do país a buscar cenários de desenvolvimento mais sustentáveis, com paz e segurança.

Nos colocamos à disposição para discutir e dirimir quaisquer dúvidas, com a certeza de construirmos juntos um Censo mais plural e oportuno para todos.

Atenciosamente,

Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo (contato@cidadeape.org)
A Pezito
AEAMESP – Associação de Engenheiros e Arquitetos de Metrô
Amazônia Pelo Transporte Ativo – APTA
Amobici – Associação Mobilidade por Bicicleta e Modos Sustentáveis (Fpolis-SC)
Associação Ciclística Pedala Manaus
Associação dos Ciclistas do Rio Grande do Norte – ACIRN
Ameciclo – Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife
Associação Movimento Pedala Joinville
BH em Ciclo – Associação dos Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte
Bike Anjo
Biomob – Soluções Inovadoras para Acessibilidade
Caminha Rio
Ciclabilidade – Serviços e Consultoria
Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo
Cidade Ativa
Coalizão pelo Clima e Mobilidade Ativa – CCMob
COCICAM – Coletivo de Ciclistas de Campinas
Coletivo Ciclomobilidade Pará
Coletivo Mobicidade Salvador
Coletivo ParáCiclo
Giro Inclusivo
Giro Urbano
IABsp – Instituto de Arquitetos do Brasil / Departamento de São Paulo
Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
INCITI – Pesquisa e Inovação para as Cidades
INCT Observatório das Metrópoles
Inesc – Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Corrida Amiga
Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento – ITDP Brasil
Instituto MDT – Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos
Instituto Soma Brasil
IVM – Instituto Cidade em Movimento
Laboratório de Mobilidade Sustentável – LABMOB/PROURB/UFRJ
MobiRio – Associação Carioca pela Mobilidade Ativa
Movimento Nossa BH
Movimento Nossa Brasília
Movimento Nossa Curitiba
Movimento Observatório do Recife
Movimento Olhe pelo Recife – Cidadania à pé
MUDA Práticas culturais e educativas
Multiplicidade Mobilidade Urbana
Niterói como Vamos
Observatório Social de Belém
Observatório Social de Niterói
Pé de Igualdade
PedaLoucos – Santana do Livramento – RS
Rede Cidades – Por Territórios Justos  Democráticos e Sustentáveis
Rede Nossa São Paulo – Programa Cidades Sustentáveis
SampaPé!
Transporte Ativo
UCB – União de Ciclistas do Brasil
Vital Strategies Brasil

“Afinal, o brasiliense respeita mesmo a faixa de pedestres?”

Publicado originalmente em: Rodas da Paz
Data: 28/03/2018

A organização brasiliense Rodas da Paz realizou pesquisa sobre o respeito à faixa de pedestre nas vias de Brasília e sobre a eficácia do chamado “gesto do pedestre” como política pública. A Cidadeapé tem se manifestado contra a instituição do “gesto” como norma obrigatória no trânsito. O estudo indica que “o índice de respeito [à faixa de pedestre] se mantém o mesmo quando o pedestre faz e quando não faz o sinal de vida [“gesto do pedetre”]. O sinal de vida foi implementado desde o início da campanha Paz no Trânsito em 1997 e desde então praticamente todas as práticas pedagógicas dão ênfase ao gesto como forma de o pedestre se fazer visível. Esta prática ocorre em função de uma tradição, pouco explorada e sobre a qual nunca se exigiu fundamentação. Há que se discutir, a partir das evidências desta pesquisa, contudo, a eficiência e a eficácia de políticas focadas no sinal de vida”. Veja abaixo nota sobre a publicação do estudo e suas recomendações finais.

A pesquisa de respeito à faixa de pedestres foi coordenada pela ONG Rodas da Paz em parceria com a ONG Andar a Pé e o Coletivo MOB (Movimente e Ocupe o seu Bairro), e contou com apoio do Departamento de Estatística (Est/UNB) e do Programa de Pós-Graduação em Transportes (PPGT/UNB) da UNB, do Instituto Federal de Brasília (IFB), tendo apoio financeiro do Fundo Socioambiental CASA.

A pesquisa, divulgada em 02/04/2018, foi constituída uma amostra de 340 faixas de pedestres, definida a partir da base geral do DETRAN, totalizando mais de 6 mil travessias, 13 mil veículos e 10 mil pedestres observados. Os resultados indicaram que em 43% das travessias o pedestre é desrespeitado, havendo uma incidência de mais de 12% de situações de risco, acendendo um sinal amarelo para a questão.

Acesse aqui o relatório completo: Pesquisa de Respeito à faixa de pedestres DF – relatório final

Disponibilizamos um guia metodológico para que organizações públicas ou privadas possam utilizar a mesma metodologia no DF ou em outras cidades e regiões, permitindo a comparabilidade temporal e territorial. Neste guia, todas as etapas da pesquisa são apresentadas, incluindo dicas e sugestões para lidar com possíveis problemas. O formulário de coleta em versão editável e um vídeo de treinamento também são disponibilizados para uso por qualquer um que tiver interesse na pesquisa.

Veja aqui as recomendações finais do estudo:

Em resumo, as instituições do sistema nacional do trânsito que tem responsabilidades de trânsito no DF, além do DETRAN e do DER, devem atuar o sentido de:

  • Redução de limites de velocidade nas vias de 60km/h onde haja faixas de pedestres não semaforizadas, para no máximo 50 km/h, preferencialmente por meio de medidas de moderação de tráfego;
  • Implementação generalizada de medidas de moderação de tráfego, que incentivem a redução natural de velocidade nas regiões de travessias;
  • Realização de campanhas educativas, explicitando que ao circular por áreas onde há travessia preferencial de pedestres, o motorista deve conduzir com prudência especial, conforme o artigo 44 do CTB;
  • Diminuir, nas campanhas, a ênfase dada ao sinal de vida, evitando a responsabilização dos pedestres e reforçando o papel dos motoristas e a hierarquia de responsabilidades, do maior para o menor;
  • Georreferenciamento das faixas de pedestres do DF e melhoria da base de dados, incluindo características urbanas, como velocidade da via, número de faixas, iluminação, etc, a fim de permitir análise futuras com maior nível de detalhes;
  • Identificação das faixas que requerem melhoria nas condições de visibilidade e iluminação;
  • Reforçar fortemente a fiscalização, com planejamento estatístico aleatorizado de horários e locais, de forma constante ao longo do ano, de modo a cobrir todo o DF;
  • Realizar periodicamente pesquisas como esta, de monitoramento do respeito a faixa de pedestres, mantendo metodologias comparáveis.
Foto do post: Em frente ao Hemocentro, na Asa Norte, 2012. Créditos: Divulgação

“Documentário sobre dificuldades de locomoção no HC é lançado na Faculdade de Medicina da USP”

Publicado originalmente em: Instituto de Estudos Avançados – IEA-USP
Autor: Vinícius Sayão
Data: 21/09/2017

Comentário da Cidadeapé: Como é chegar a pé ao maior complexo hospitalar da América Latina? Esse documentário produzido pela USP retrata os principais desafios à locomoção de pacientes e seus acompanhantes no entorno do Hospital das Clínicas. Temos acompanhado um projeto da CET – Companhia de Engenharia de Tráfego de readequação e acessibilidade da região através da Câmara Temática de Mobilidade a Pé. Durante o mês da mobilidade, nossos articuladores Rafael Calabria e Meli Malatesta participaram de debates na USP para discutir soluções para os problemas de mobilidade da região.

Na tarde do dia 20 de setembro aconteceu a primeira exibição de ‘Dis’mobilidade Urbana, documentário sobre dificuldades de locomoção na região do complexo do Hospital das Clínicas (HC), produzido pela IEA e pela Faculdade de Medicina (FM) da USP, com apoio do HC. O lançamento ocorreu durante o encontro Novos Olhares sobre a ‘Dis’Mobilidade no Complexo do HC, inserido na programação da Semana da Mobilidade da Faculdade.

O documentário pode ser visto na íntegra aqui.

Alternando entre depoimentos e imagens, o filme mostra a dificuldade que diversas pessoas sofrem para chegar ao hospital. São recorrentes casos em que os pacientes chegam horas antes da consulta. O motivo é a existência de obstáculos no caminho, tanto a pé quanto de transporte público. Como mostrado, há pacientes com dificuldade de locomoção que demoram até 25 minutos para percorrer uma distância de cerca de 400 metros, entre o hospital e a estação Clínicas do metrô.

Uma outra paciente no documentário é uma menina de oito anos de idade, cadeirante. A mãe dela relata que para conseguirem subir da estação do metrô à Av. Dr. Arnaldo – não existe elevador ligando os dois pontos –, é preciso que algum funcionário se disponha a empurrar a cadeira-de-rodas, enquanto ela leva a criança no colo. “É sempre um constrangimento para ela, que não é mais tão pequena”, diz a mãe.

Em outro momento, é mostrado um cadeirante e seu acompanhante a caminho do hospital. Por diversas vezes os dois são forçados a transitar pela rua, no meio dos carros, porque as calçadas, cheias de obstáculos e buracos, não permitem a passagem da cadeira.

O problema do trânsito também é amplamente comentado no documentário. Na região, o tráfego atrasa – quando não impede – a chegada das ambulâncias. Apesar da existência de uma “ambulofaixa” na Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, a principal via do complexo, os veículos insistem em parar nela: “A pessoa não desce do carro. Ele fica e se a CET encostar, ele vai dar uma volta e parar aqui de novo”, comenta Rita Peres, coordenadora de segurança corporativa do Hospital. “Chegamos ao ponto de precisar ligar a sirene da ambulância para transitar dentro do complexo”, complementa Maria Amélia de Jesus, enfermeira coordenadora do plantão.

Funcionários do hospital relataram como muitas vezes o atendimento de emergência acontece no meio da rua, em casos que as ambulâncias não conseguem chegar. Também acontece frequentemente, segundo eles, de pacientes não conseguirem chegar ao setor onde serão atendidos, sendo socorridos em geral pela equipe do Hospital da Criança, que é o mais próximo da saída do metrô e no início da avenida.

A ideia de fazer o filme surgiu da percepção dos funcionários da Comissão de Sustentabilidade da FM de que era necessário fazer algo novo para a Semana da Mobilidade da FMUSP.

O filme foi produzido e dirigido pela jornalista Fernanda Cunha Rezende, que coordena a área de comunicação do IEA, com apoio dos funcionários do Instituto, da FMUSP e médicos do HC. O roteiro e edição são de Diego Machado.

Debate

Mesa Dismobilidade urbana - 1
Debateram, da esquerda para a direita, Paulo Saldiva, Rafael Calabria (Cidadeapé), Linamara Battistella, Júlia Greve e Helena Ribeiro

Após a exibição, o diretor do IEA e professor da FMUSP Paulo Saldiva; as professoras da Medicina Júlia Maria D’Andréa Greve e Linamara Rizzo Battistella, secretária de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência; a diretora da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, Helena Ribeiro e o geógrafo Rafael Gândara Calabria, da Cidadeapé, debateram o tema a partir do filme.

Saldiva comentou algumas de suas ideias para ajudar a solucionar os problemas de mobilidade na região, como solicitar ao metrô a implantação de um elevador que chegue ao nível da Avenida Dr. Arnaldo, visto que atualmente há elevador apenas entre o andar da plataforma dos trens e o das catracas, um abaixo do nível da avenida. Outra ideia é a possibilidade de serem oferecidas cadeiras de rodas emprestadas no metrô, semelhante ao sistema de bicicletas compartilhadas. O professor acredita que é necessário um “urbanismo pensando na qualidade de vida das pessoas”.

Concordando com Saldiva, Rafael Calabria disse ser necessário uma redistribuição do espaço da região: “Existem ambulantes na região, porque as pessoas que ficam fora do hospital precisam comer. Só uma lanchonete não dá conta. É preciso colocar os ambulantes em uma local que não atrapalhe a movimentação”.

Quanto ao trânsito a pé no complexo, os participantes do debate comentaram um projeto apresentado no filme, que propõe o fechamento da Av. Dr. Enéas apenas para o tráfego de ambulâncias e pedestres. “CET sempre foi negativa, porque, segundo ela, não teria para onde deslocar o trânsito”, explicou Helena Ribeiro. A Dr. Enéas fica entre duas vias movimentadas, a Rua Teodoro Sampaio e a Av. Rebouças.

“Do jeito que está, o ambiente da região reflete hostilidade ao paciente, não hospitalidade. As calçadas são péssimas. Muitas vezes acontece isso que o filme mostrou, o cadeirante andando no meio da rua”, complementou Helena. Ainda sobre as calçadas, Júlia Greve acrescentou: “A calçada é uma das coisas mais importantes para mudar a mentalidade do paulistano, para fazê-los sair de seus carros. Atualmente, as calçadas são muito ruins para que a gente ande.”

Para Linamara, é preciso “ações articuladas, não isoladas” para mudar a situação. Ela diz que é preciso ouvir as pessoas e que elas possam dialogar juntamente com as instituições envolvidas: o HC, o Metrô, a CET e a prefeitura.

Para que os órgãos públicos se atentem ao problema, a secretária propôs que se fizesse um estudo de quanto custa em reais para o Estado uma pessoa que se acidenta por quedas nas calçadas. Foi em caso semelhante que a prefeitura instaurou o rodízio veicular na capital: após pesquisa de Paulo Saldiva que mostrava como a poluição afetava não somente o indivíduo, mas a sociedade como um todo e quanto isso custava financeiramente.

Saldiva, por fim, comentou as cenas do filme que mostram um cadeirante, o paciente Jean Claude, e seu acompanhante, percorrendo o caminho ao HC. Para ele, as imagens mostram, de fato, a existência de uma ambiente hostil nas ruas e calçadas, contrastadas com a tranquilidade ao se entrar no hospital. “Da porta para dentro, melhora. O problema é chegar”, concluiu o professor.

Próximas exibições

No próximo sábado, 23 de setembro, o filme encerrará a programação da Virada da Mobilidade, numa exibição às 17h na sala 2 do Cinearte, no Conjunto Nacional. Para falar do filme e de seu tema central, Saldiva e Meli Malatesta, especialista em mobilidade a pé e por bicicleta, farão a exposição “Humanos e Urbanos: uma Caminhada na Fronteira entre Saúde e Doença nas Ruas de São Paulo”. Para participar, é necessário realizar inscrição prévia.

Imagem do post: Cena do documentário "Dis’mobilidade Urbana"

A subestimativa das viagens a pé em São Paulo

Publicado originalmente em: ANTP – 21º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito
Autoras: Glaucia Guimarães Pereira e Ana Carolina Nunes / Cidadeapé
Data da publicação: 19/07/2017

O trabalho apresenta resultados de análise da Pesquisa OD 2012 em relação a viagens a pé, em São Paulo. Propõe metodologias de análise dos dados e constata que viagens a pé são subestimadas na principal pesquisa de planejamento de transportes.

INTRODUÇÃO

A Secretaria de Transportes Metropolitanos mensura as viagens realizadas dentro da  Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) por meio da Pesquisa Origem-Destino (Pesquisa OD) desde 1977, planejada e executada pela Companhia do Metropolitano de  São Paulo – Metrô. Esta pesquisa é a mais importante fonte de dados sobre padrão de deslocamentos, e serve para diagnóstico e planejamento dos transportes da RMSP. Pela pesquisa, é possível identificar as viagens diárias das pessoas conforme motivo e modos de transporte utilizados. Em 2012, ganhou a denominação Pesquisa de Mobilidade da RMSP.

O objetivo deste trabalho é estimar quantas viagens a pé deixam de ser computadas pela Pesquisa de Mobilidade da RMSP devido às escolhas metodológicas da pesquisa. Nesta pesquisa, as viagens a pé representam 32,5% das viagens com origem e destino no município de São Paulo. Este total considera apenas as viagens realizadas exclusivamente  a pé, ou seja, sem integração com outros modos. Além disso, a metodologia indica que são consideradas viagens a pé apenas aquelas com distâncias superiores a 500 metros, caso o motivo da viagem não seja trabalho ou educação. Por fim, é comum que, quando o entrevistado responde sobre viagens, deixe de relatar ou esqueça das viagens a pé e outras viagens mais curtas em outros modos.

É importante ressaltar que trabalhos relevantes já foram realizados sobre modo a pé e pesquisa Origem-Destino. Malatesta (2007) é um exemplo importante, e já tratou das limitações metodológicas da pesquisa. A inovação neste trabalho é calcular as viagens subestimadas por tais limitações.

Este trabalho foi organizado definindo três tipos de limitações: sub-identificação, sub-registro e sub-relato.

DIAGNÓSTICO, PROPOSIÇÕES E RESULTADOS

Pesquisa OD 2012

A pesquisa OD 2012 é uma aferição da pesquisa OD 2007, com zoneamento de 31 zonas na RMSP (Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2012a). No município de São Paulo foram 23 zonas e a amostra contou com 5.979 domicílios e 17.686 pessoas, resultando em 39.534 viagens registradas.

O cálculo dos totais da pesquisa a partir da amostra é feito por fatores proporcionais às totalidades de domicílios, famílias e pessoas, por zona e estratificados por renda. Os totais de viagens são resultantes dos dados de bilhetagem dos sistemas de trilhos e ônibus. Por exemplo, as viagens amostradas do modo metrô são expandidas para se ter a quantidade  de entradas de passageiros do Metrô. Os fatores de expansão de viagens diferentes de trilhos e ônibus, que é o caso dos modos ativos, são proporcionais aos fatores de expansão de ônibus  (Svab, 2016).

A Tabela 1 apresenta os números da amostra e do resultado com fator de expansão das viagens com  origem  e destino no município de  São Paulo.  Nota-se que foram amostradas 10.417  viagens a pé, expandidas para 7.887.738 viagens.

Tabela 1 – Amostra e viagens com fator de expansão por tipo de viagem

Tipo de viagem Amostra de viagens Viagens com fator de expansão Percentual com fator de expansão
Coletivo 11.689 8.994.748 37,0%
Individual 10.878 7.256.079 29,9%
A pé 10.417 7.887.738 32,5%
Bicicleta 170 147.321 0,6%
Total 33.154 24.285.885 100,0%

 No presente trabalho, as análises foram feitas para o município de São Paulo, usando os fatores de expansão de pessoas e viagens. Os dados utilizados foram os disponíveis no site do Metrô e o software usado para tabulação e gráficos foi o Microsoft Excel 2010.

Sub-identificação das viagens a pé

Para cada viagem, são anotados até quatro modos de transporte. Porém, as viagens a pé são consideradas como tal somente se forem realizadas totalmente a pé. Neste trabalho, o fato de o modo a pé não ser considerado quando integrado a outros modos é denominado sub-identificação.

A Figura 1 foi extraída do manual (Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2012b) que o entrevistador deve seguir durante a pesquisa, e mostra a clara instrução em relação ao modo a pé.

Figura 1 – Manual da Pesquisa Domiciliar 2012, página 60

Isto se dá justamente porque o modo a pé é parte integrante das viagens realizadas por modos coletivos e, em muitos casos, dos modos individuais motorizados, como quando é necessário andar até o estacionamento. Sendo assim, praticamente todas as viagens teriam modo a pé registrado, o que poderia inviabilizar a coleta dos dados.

Em contrapartida, são registrados nas entrevistas o tempo andando da origem até o local de acesso do primeiro modo de transporte, e o tempo andando do último modo de transporte até o local de destino da viagem. Os tempos são registrados em minutos, e disponíveis na base de dados como “tempo andando na origem” e “tempo andando no destino”. Vale notar que, ainda assim, não são mensuráveis as caminhadas feitas entre modos de transporte, como por exemplo, na integração entre dois ônibus que passam em pontos diferentes.

Como proposição metodológica para superar a sub-identificação, os tempos andando na origem e no destino foram somados, e transformados em viagens a pé equivalentes, considerando um tempo médio de viagem a pé.

Cálculo do tempo médio de uma viagem – Resultados

Como visto na Tabela 1, as viagens a pé (totalmente a pé, sem integração, seguindo a definição da Pesquisa OD) com origem e destino no município de São Paulo são 7.887.738. A duração destas viagens somadas totaliza 112.362.068 minutos. Assim, a duração média de uma viagem totalmente a pé é 14 minutos.

Transformação do tempo andando na origem e no destino em viagem média – Resultados

Foram então somados os tempos andando na origem e no destino dos outros modos de transporte. A Tabela 2 apresenta os resultados por minutos de caminhada (em duas colunas) e deve ser lida da seguinte forma: na primeira linha nota-se que foram 665.069 viagens com 1 minuto de caminhada cada, resultando em 665.069 minutos, e este número, dividido por 14, que é o tempo médio de uma viagem a pé, equivale a 47.505 viagens a pé; na segunda linha, foram encontradas 5.664.716 viagens com 2 minutos de caminhada cada, resultando em 11.329.432 minutos, e este número, dividido por 14, equivale a outras 809.245 viagens a pé; e assim por diante.

O resultado são 8,9 milhões de viagens a pé integradas a outros modos, além daquelas exclusivamente a pé. Há então, com origem e destino em São Paulo, 16,8 milhões de viagens a pé por dia.

Tabela 2 – Viagens equivalentes, por duração de tempo caminhando na origem e destino, em minutos

Min Viagens de outros modos Viagens x Minuto Viagens a pé equivalentes Min Viagens de outros modos Viagens x Minuto Viagens a pé equivalentes
1 665.069 665.069 47.505 22 44.015 968.321 69.166
2 5.664.716 11.329.432 809.245 23 32.236 741.418 52.958
3 642.858 1.928.573 137.755 24 4.675 112.197 8.014
4 1.411.863 5.647.451 403.389 25 325.300 8.132.504 580.893
5 243.912 1.219.562 87.112 26 10.246 266.385 19.028
6 850.304 5.101.823 364.416 27 12.102 326.749 23.339
7 542.266 3.795.862 271.133 28 9.313 260.765 18.626
8 429.407 3.435.257 245.375 30 145.771 4.373.130 312.366
9 113.497 1.021.471 72.962 31 4.022 124.688 8.906
10 1.927.797 19.277.968 1.376.998 32 6.978 223.308 15.951
11 238.014 2.618.150 187.011 33 1.211 39.965 2.855
12 334.989 4.019.864 287.133 35 93.539 3.273.852 233.847
13 244.444 3.177.771 226.984 36 896 32.239 2.303
14 26.082 365.147 26.082 40 32.061 1.282.455 91.604
15 980.037 14.700.559 1.050.040 41 1.089 44.659 3.190
16 88.473 1.415.575 101.113 42 917 38.495 2.750
17 151.944 2.583.040 184.503 43 970 41.715 2.980
18 78.780 1.418.041 101.289 45 11.678 525.495 37.535
19 18.198 345.766 24.698 50 7.280 363.978 25.998
20 941.595 18.831.892 1.345.135 55 2.698 148.408 10.601
21 21.329 447.909 31.993 60 5.753 345.158 24.654

 

Sub-registro

Outra questão que diz respeito à mobilidade a pé é o fato de que viagens cujos motivos não sejam trabalho ou escola só são registradas quando superiores a 500 metros. A Figura 2 apresenta a instrução da página 63 do manual da pesquisa OD 2012. Neste trabalho, a opção do Metrô de não incluir as viagens a pé com menos de 500 metros foi denominada sub-registro.

 

Figura 2 – Registro igual ou superior a 500 metros

Como proposição metodológica para superar sub-registro das viagens, a ideia foi verificar o percentual de viagens dos modos bicicleta e dirigindo automóvel, para determinar o percentual de viagens a pé com menos de 500 metros. Ou seja, supõe-se que o percentual de viagens de bicicleta com menos de 500 metros deve ser o mesmo percentual do modo a pé; ou ainda, o percentual de viagens dirigindo automóvel nesta faixa de distância deve também acontecer para o modo a pé.

Esta suposição é pertinente porque as distribuições das distâncias de viagens, juntamente com outros custos, explicam a probabilidade de uma viagem ocorrer, a depender também das oportunidades de realização da atividade a partir da origem (Ortúzar e Willumsem, 2001). A Figura 3, adaptada desse livro, exemplifica algumas curvas, mostrando como a distribuição varia com o custo generalizado ( neste exemplo, o custo generalizado é uma equação que pondera diversos custos, como distância, tempo e dinheiro).

Figura 3 – Exemplos de função de custo generalizado

 

Basicamente, compara-se o formato das curvas percentuais de distância para inferir qual seria a curva do modo a pé.

O modo bicicleta foi escolhido por ser também um modo ativo, e embora seja mais fácil percorrer distâncias um pouco maiores com bicicleta, os custos envolvidos na viagem a pé e na viagem de bicicleta são parecidos. O modo dirigindo automóvel foi inserido na análise para fins de comparação, porque é um modo individual e apresenta maior amostra na pesquisa. Já as viagens realizadas por modos coletivos tendem a ter distâncias mais longas, sendo inadequadas para comparação com as viagens a pé em termos de distância.

Vale notar que a distância que consta da base de dados da pesquisa é a distância em linha reta entre os pontos de origem e destino, não correspondendo exatamente ao percurso realizado. De qualquer forma, foi usada como aproximação do que pretende medir.

Curvas percentuais – Resultados

A Figura 4 apresenta as curvas dos modos a pé, bicicleta e dirigindo automóvel, por motivos trabalho/educação e outros motivos. As distribuições percentuais de viagens de bicicleta indicam 19% das viagens com menos de 500 metros com motivos trabalho e educação, e 16% por outros motivos. Das viagens dirigindo automóvel, são 7% com motivos trabalho e educação e 6% por outros motivos. É importante notar que compõem a amostra apenas 170 viagens de bicicleta, enquanto as viagens do modo dirigindo automóvel são 7.154 na amostra.


Figura 4 – Distribuição percentual de viagens modos a pé, dirigindo automóvel e bicicleta, por motivo

Ao se comparar as curvas, surpreendentemente, a distribuição de viagens a pé com motivos trabalho e educação, que são registradas independentemente da distância, é bastante parecida com a distribuição percentual de viagens a pé por outros motivos, que só seriam registradas acima de 500 metros.

Provavelmente, isto é devido à distância linear  ser menor que a distância percorrida, ou  seja, viagens computadas com menos de 500 metros são mais longas na realidade. Há também pouca precisão para o entrevistador decidir registrar ou não a viagens de  “5 quadras ou mais”, e talvez parte das viagens curtas tenham sido registradas.

A Figura 5 mostra o detalhamento das distâncias a cada 100 metros. Era esperado que o percentual de viagens por outros motivos fosse menor que viagens por motivos trabalho e educação, nas faixas a cada 100 metros. Esta expectativa não se confirmou, e só é possível concluir que é essencial que as viagens a pé sejam tratadas como todos os outros modos  de transporte, para que não se tenha distorções nos registros de viagens.

Figura 5 – Distribuição das viagens a pé, a cada 100 metros, por motivos outros e motivos trabalho e educação

 

Sub-relato

Por fim, como o terceiro abordado neste trabalho é o sub-relato, que ocorre por conta do entrevistado. O sub-relato de viagens é um problema conhecido das pesquisas de padrão  de viagens, e é uma consequência do caráter de autodeclaração de viagens.

Richardson, Ampt e Meyburg (1995) indicam que os respondentes tendem a não considerar as viagens curtas, as que não considerem importantes ou as que não são motorizadas. De acordo com Oliveira et al (2010), o sub-relato ocorre em percentual significante de viagens, especialmente as relacionadas a atividades de curta duração sem relação com trabalho ou em viagens não motorizadas, atingindo de 20 a 50% dependendo do motivo da viagem e outras características. Segundo Murakami e Wagner (1999), pesquisas sobre padrão de viagens realizadas com registros em diários de viagens apresentam problemas de sub-relato em viagens curtas, e informações imprecisas sobre hora de início e fim de viagem  e precisão de localização.

Nota-se então que o sub-relato é um problema sistemático que impacta diretamente as viagens a pé. Sendo assim, qualquer tentativa de superá-lo passa por suposições de comportamento do padrão de viagens e cruzamentos de dados nem sempre adequados ou possíveis com as variáveis disponíveis. Assim, a abordagem aqui sugerida não é exaustiva, pelo contrário, é um exercício de mineração possível a partir da base de dados da pesquisa OD.

Como proposição metodológica para superar sub-relato, tentou-se estimar  viagens realizadas no horário do almoço para pessoas que trabalham fora. Esta estimativa  se justifica pelo notável volume de pedestres entre 12h e 14h em alguns centros comerciais de São Paulo. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 (IBGE, 2010) indicam que 24% das despesas com alimentação eram gastos fora de casa no Brasil. Sendo assim, é esperado um pico de viagens por volta das 12h por motivo “assuntos pessoais”. De fato, a pesquisa OD 2012 indica 400 mil viagens a pé por motivos pessoais (com horas  de início 12h e 13 horas), porém eram mais de 5 milhões de empregos formais no município segundo Seade (2017).

Novamente, esta proposição não tem a pretensão de solucionar o problema ou ser exaustiva, mas sim indicar uma possível mensuração das viagens a pé, com dados disponíveis na pesquisa OD. Vale notar que este método pode ter sobreposição com o sub- registro de menos  de 500 metros.  Diferentemente da sub-identificação e do sub-registro,  a análise do sub-relato foi feita por pessoas e não por viagens.

Estimativa de pessoas que podem ter viagens no horário de almoço – Resultados

Foram analisadas as pessoas com registro de viagem de trabalho com mais de oito horas sem nenhuma viagem intermediária. Para isso foi verificado se: 1) a atividade teve início entre 6h e 10h da manhã, pois assim seria esperado um intervalo para refeição entre 12h e 14h; 2) o motivo no destino de uma viagem é o mesmo motivo na origem da próxima viagem, pois é necessário checar se não houve falha na cadeia de viagens; 3) se  o município em que a atividade ocorre é São Paulo; 4) se a pessoa tem trabalho (condição de atividade=1); 5) se a pessoa é maior de 18 anos; 6) se a duração da atividade foi maior que 480 minutos.

Para o sub-relato, considerando os critérios da abordagem metodológica adotada, são 360 mil pessoas com trabalho na indústria, 420 mil trabalhando em comércio e 1.7 milhões em serviços. Dada a possibilidade de haver refeitórios nas instalações, os dados da indústria foram desconsiderados. A Tabela 3 apresenta cenários de pessoas potenciais caminhantes na hora do almoço. São mostrados cinco cenários, de dez a cinquenta por cento de caminhantes.

 

Tabela 3 – Cenários percentuais de potenciais caminhantes

 

Trabalho

 

Pessoas

Cenário 10% Cenário 20% Cenário 30% Cenário 40% Cenário 50%
Comércio 419.598 42.000 84.000 126.000 168.000 210.000
Serviços 1.694.289 169.000 339.000 508.000 678.000 847.000
Total 2.113.886 211.000 423.000 634.000 846.000 1.057.000

 

Assim, em um cenário que apenas metade das pessoas que trabalham mais de oito horas nos setores de comércio e serviços saiam para almoçar, há em torno de um milhão de pessoas caminhantes na cidade.

CONCLUSÕES

Este trabalho aponta o modo a pé é como o mais importante modo de transporte em São Paulo. Além das 7,9 milhões de viagens existentes totalmente a pé, são mais 8,9 milhões de viagens a pé equivalentes realizadas juntos com outros modos. Ademais, uma abordagem proposta indicou pelo menos um milhão de pessoas caminhantes no horário de almoço. A análise de sub-registro indica que as viagens a pé deveriam ser tratadas como todos os outros modos de transporte na pesquisa OD. Sendo assim, este trabalho mostrou que os parâmetros na pesquisa OD de São Paulo precisam ser revistos para não subestimar as viagens a pé.

Há também questões específicas da mobilidade a pé que não são abrangidas por uma pesquisa que mede todos os modos de maneira geral, pois a pesquisa OD acaba não servindo para o planejamento da rede de mobilidade a pé, por exemplo. Dado o descaso histórico com este modo, se faz necessária uma pesquisa de padrão de viagens específica para o transporte a pé, para compreender suas dimensões e particularidades, como deslocamentos dentro dos bairros por motivos diversos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: aquisição alimentar domiciliar per capita. Rio de Janeiro, 2010.

Malatesta, Maria Ermelina Brosch. Andar a pé: uma forma de transporte para São Paulo. Dissertação de mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 254p., 2007.

Companhia  do  Metropolitano  de  São  Paulo.  Secretaria  dos  Transportes Metropolitanos. Pesquisa       de       Mobilidade       2012.       Base       de       dados.       Disponível      em:  <http://www.metro.sp.gov.br/metro/numeros-pesquisa/pesquisa-mobilidade-urbana- 2012.aspx>.

            . Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Pesquisa de Mobilidade 2012 Manual da                      Pesquisa                        Domiciliar,                2012.                Disponível                em:  <http://www.metro.sp.gov.br/metro/arquivos/mobilidade- 2012/manuais/manual%20domiciliar_2012.pdf>.

Murakami, E., Wagner, D.P., Can using global positioning system (GPS) improve trip reporting?. Transportation Research Part C, n. 7, pg 149-165, 1999.

Oliveira, M.G.S., Vovsha, P., Wolf, J., Birotker, Y., Givon, D., Paasche, J., GPS-assisted prompted recall household travel survey to support development of advanced travel model in Jerusalem, Israel. In: 89th Transportation Research Board Annual Meeting, Washington, Estados Unidos, 2010.

Ortúzar, J.D., Willumsem, L.G., Modelling transport. J. Wiley, New York, 2001, p.182.

Richardson, A.J., Ampt, E.S., Meyburg, A.H., Survey methods for transport planning. Eucalyptus Press, Australia, 1995.

Seade. Informações dos Municípios Paulistas, 2017. Disponível em: <http://www.imp.seade.gov.br>.

Svab, Haydée. Evolução dos padrões de deslocamento na Região Metropolitana  de São Paulo: a necessidade de uma análise de gênero. Dissertação de mestrado. Escola Politécnica. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 472p., 2016.

 

COMUNICAÇÕES TÉCNICAS 21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO – 28, 29 E 30 DE JUNHO DE 2017

TEMA: Mobilidade Ativa: Ações de organizações da sociedade civil

Imagem do post:21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO

ANTP publica Comunicações Técnicas do 21º Congresso

A ANTP divulgou em seu site os textos das comunicações técnicas apresentadas no no 21º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, ocorrido nos dias 28, 29 e 30 de junho, em São Paulo.

Três trabalhos foram apresentados por integrantes da Cidadeapé:

Como a sociedade civil organizada é capaz de influenciar e pautar o poder público
A subestimativa das viagens a pé em São Paulo
Estudos investigativos de atropelamentos e políticas públicas

Os textos destas comunicações técnicas já estão disponíveis em nossa página de Pesquisas e Estudos.

A mobilidade ativa marcou presença no 21º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito. Foram muitos trabalhos apresentados sobre o tema, inclusive de várias regiões do país.  Por exemplo, sobre Manaus, ‘A qualidade do ambiente de circulação dos pedestres em Manaus, AM‘ e ‘Análise das causas dos acidentes de trânsito em Manaus, AM‘, da Universidade Federal do Amazonas.

Saiba mais

A biblioteca da ANTP está disponível no site. Para pesquisar as comunicações do congresso, escolha a seção ‘Congressos’ e edição ’21º’.

 

 

Foto do post: banner oficial do 21 ºCongresso

“Caminhando a passos curtos”

Publicado originalmente em: Revista Trip
Autora: Bianka Vieira
Data: 03/03/2017

Enquanto crescia, Thiago Hérick de Sá ouvia histórias de seu avô. Em uma delas, sua mãe contava: “Sempre que tinha de ir à cidade, ele gostava e fazia questão de ir a pé. O problema é que os carros que passavam pela estrada insistiam em oferecer carona. Como recusar favor por aquelas bandas era desfeita, toda vez que o velho Ribamar ouvia o barulho do motor não pensava duas vezes: se escondia no mato.” O feito do avô marcou Thiago, e a história foi escolhida para ser a epígrafe da sua tese de doutorado, Como estamos indo? Estudos do deslocamento ativo no Brasil, concluída em 2016 na Faculdade de Saúde Pública da USP, em São Paulo. Em uma série de estudos — alguns deles feitos em parceria com pesquisadores de Austrália, China, Estados Unidos, Índia e Inglaterra —, ele mostra como as coisas mudaram: do tempo de Ribamar pra cá, a população brasileira não apenas está andando menos, como também está com a saúde comprometida por conta disso.

“A gente tem três enormes problemas, que são a saúde, o ambiente e o aquecimento global. Eles vão bater na nossa porta muito em breve, mas acho que esse sentido de urgência ainda não calou fundo em quem governa e toma as decisões”, diz Thiago. Como efeito, vemos o desenvolvimento urbano caminhar cada vez mais na direção contrária. A motorização contínua das cidades é um exemplo. Apenas nos últimos 10 anos, a frota do Estado de São Paulo passou de 15 milhões de veículos, em 2006, para 28,3 milhões, em dezembro do ano passado, como mostra o Denatran. Só na capital, o número chega a 7,8 milhões, segundo o Detran paulista (sem contar veículos de fora que passam pela cidade diariamente). O aumento da frota também está longe de ser proporcional ao crescimento da população: de acordo com dados da Fundação SEADE, a taxa de crescimento anual do Estado é de apenas 0,85%.

Imagem do post: Crianças na rua. Foto: Irene Quintàns.

“Caminhabilidade e velhice”

Publicado originalmente em: Portal do Envelhecimento
Autora: Mônica Rodrigues Perracini
Data: 17/04/2017

Como podemos tornar nossas cidades mais caminháveis para as pessoas à medida que envelhecem? Qual é o papel de cada um de nós? Cidadãos e gestores públicos? Qual é o impacto da falta de boas condições para caminhabilidade nos espaços de vida dos idosos? 

Ir de um lugar ao outro, ou andar (caminhar) é uma atividade que aprendemos desde cedo e incorporamos rapidamente ao nosso repertório de movimentos. Afinal, é um marco no desenvolvimento quando uma criança dá seus primeiros passos. Depois, o andar se torna tão rotineiro que mal percebemos como o fazemos. Andamos para ir e vir. A etimologia da palavra andar (‘walk’ na língua inglesa) fala sobre ‘viajar sobre os pés’ e percorrer um caminho. As duas condições são um fato: para caminhar usamos nossos pés ao longo de um percurso ou caminho.

O conceito de caminhabilidade, do inglês walkability,surgiu para indicar a influência do ambiente construído no caminhar. Ou seja, o quanto a condição física de cada pessoa e sua relação com o entorno (ambiente) permite o seu deslocamento a pé com qualidade. Reflete em que medida o ambiente construído está adequado ou aceitável para caminhar. Isso depende tanto dos atributos físicos do ambiente, tais como as condições das calçadas, iluminação, segurança quanto da percepção de quem se desloca.

Os deslocamentos a pé se realizam no início e no final de todas as modalidades de transporte, assim como na conexão entre elas. Caminhar na cidade é vital pois, permite o acesso básico aos serviços e à atividades de lazer, de compras e de trabalho, dentre outras. Caminhar reconhecidamente traz benefícios para a saúde e uma melhor qualidade de vida e, é essencial para a manutenção da independência nas atividades fora de casa. Além disso, o caminhar fora de casa evita o isolamento social e proporciona uma sensação de liberdade.

Os principais fatores que afetam a decisão de deslocamento a pé dependem das características pessoais (condições físicas, aspectos psicológicos, culturais, socioeconômicos); características do deslocamento (distância e tempo, propósito, se é preciso carregar algum volume, do ambiente construído e social. A interação desses fatores influencia a tomada de decisão de sair de casa.

Caminhabilidade é um princípio fundamental das boas cidades para se viver, aquelas que são chamadas de amigáveis. Trata-se da qualidade do caminhar, da acessibilidade à cidade para qualquer pessoa, de qualquer idade, com qualquer tipo de dificuldade motora. Cidades caminháveis geram funcionalidade, conforto, conscientização e participação social e, por fim são fundamentais para inclusão das pessoas. Uma cidade não amigável é cruel, parcial, limitadora e excludente. De acordo com Glicksman e colaboradores (2013), caminhabilidade tem se tornado um importante conceito no campo da Gerontologia, especialmente nos programas que incentivam o envelhecimento ativo, para garantir que os idosos permaneçam ativos em suas casas e comunidades.

Dentro das perspectivas de construção de cidades inclusivas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como Cidade Amiga do Idoso aquela que estimula o envelhecimento ativo, ao otimizar as oportunidades para a saúde, a participação e a segurança, com o objetivo de aumentar a qualidade de vida à medida que se envelhece e gerar participação econômica e social em ambiente seguro e acessível.

À medida que se envelhece, as pessoas enfrentam desafios específicos de mobilidade. Muitos irão desenvolver incapacidades que podem levar ao declínio das capacidades físicas, cognitivas, sensoriais e psicoafetivas que tornam mais difíceis a adaptação ao meio, reduzindo assim a mobilidade nos espaços de vida. Muitas pessoas idosas com mobilidade reduzida passam a depender das condições oferecidas pela infraestrutura urbana para que possam desempenhar atividades de forma segura.

Entre os grandes empecilhos para um caminhar seguro na rua estão as calçadas em mau estado. Em muitas regiões das cidades a calçada não existe, ou sua largura é insuficiente para acomodar a circulação com conforto, ou ainda se observa a ocorrência de irregularidade no piso, tais como buracos, tampos de inspeção de serviços elevados, declividades acentuadas, ausência de guias rebaixadas, degraus, muretas para contenção de água, falta de concordância de nível, postes e placas mal alocados, dentre outras.

Essas irregularidades são responsáveis por eventos de quedas de pedestres, sendo algumas com consequências graves. A calçada é via fundamental para caminhabilidade. Esta deve ser entendida não só como um corredor de passagem e deslocamento, mas como um espaço de permanência e de convivência adequado à mobilidade e aos sentidos humanos, já que estes fornecem a base biológica das atividades, do comportamento e da comunicação no espaço urbano. A calçada é também um espaço de convivência e de troca.

Um dos meios para discutir cidades amigáveis pode ser através da caminhabilidade. Questões como qualidade e disponibilidade de infraestrutura pedestre contida em uma área definida, presença de amenidades, como bancos e áreas cobertas que promovam a eficiência, o conforto e a segurança do deslocamento a pé são considerados na avaliação de ambientes que promovem a caminhabilidade. A facilidade de ter acesso a bens e serviços através do espaço público, a proximidade e interação entre pessoas e a percepção e sensação de segurança e liberdade são outros aspectos importantes relacionados a caminhabilidade nos espaços urbanos. É apontado como um conceito simples e ao mesmo tempo amplo, assim como é o ato de mover-se.

Os idosos de diferentes faixas etárias e com limitações motoras, visuais ou auditivas reagem de formas distintas frente às barreiras do ambiente. A forma como percebem o meio urbano é essencial na tomada de decisão de sair de casa. Um idoso que se sente inseguro não estabelece uma relação com a cidade, com isto, não tem oportunidade de participação e tende a ficar confinado dentro de casa. Em contrapartida, uma cidade convidativa e caminhável incentiva uma maior mobilidade em todas as pessoas e especialmente nas pessoas idosas.

É necessária a adaptação da sociedade para o desafio de pensar no futuro das grandes cidades diante do impacto social, econômico e cultural devido às mudanças no perfil etário da população brasileira. Para 2050, a projeção de pessoas com 60 anos ou mais é de 29% da população total brasileira.

Assim, é preciso compreender e aprofundar o conhecimento sobre mobilidade da pessoa idosa, destacando as associações entre mobilidade e caminhabilidade com os atributos do ambiente, e assim, desenvolver estratégias para atender e satisfazer as necessidades dessa população no contexto da mobilidade urbana.

Ver Bibliografia completa e Biografia da Autora.

Imagem do post: Sem faixa de pedestre na via, idoso precisou da ajuda do comerciante João que sinalizou para os veículos pararem. (Foto: Victor Chileno)

Mobilidade a pé: estado da arte do movimento no Brasil

 

Acaba de ser lançado um importante documento que relata o estudo realizado pelo projeto Como Anda ao longo de 2016 sobre a mobilidade a pé no Brasil.

“A pesquisa Como Anda nasce da necessidade de compreender o movimento que promove a mobilidade a pé no Brasil. Sabendo quem são e o que fazem as organizações que atuam no tema é possível identificar as oportunidades e desafios para que os grupos de fortaleçam e se consolidem no cenário da mobilidade urbana, gerando benefício para a sociedade. Mapear e compartilhar os dados destes agentes é o pontapé inicial para auxiliar a potencializar as atuações e parcerias entre as iniciativas”.

O Como Anda já mapeou mais de 130 organizações que promovem mobilidade a pé por todo o Brasil. Saiba mais sobre os resultados dessa pesquisa.

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“Onze recomendações para dar mais atenção à mobilidade das crianças no Brasil”

Publicado originalmente em: WRI Brasil
Data: 15/02/2017

A interação entre veículos, bicicletas e pedestres nas vias geram conflitos que podem resultar em acidentes. Se para adultos as condições são perigosas, para as crianças representam riscos ainda maiores. Como ainda não têm maturidade para entender completamente a dinâmica das ruas, os pequenos ficam mais vulneráveis a acidentes quando o ambiente não é projetado pensando em protege-los.

Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o quarto país com mais mortes no trânsito, e essa é também a principal causa de morte acidental de crianças entre um e 14 anos no mundo. No entanto, considerando o cenário, nota-se que é falha a atenção para a proteção das crianças na legislação de trânsito brasileira.

Para identificar boas práticas legislativas e eventuais lacunas no que diz respeito à segurança viária para crianças, o WRI Brasil Cidades Sustentáveis desenvolveu um estudo sobre o transporte ativo e sua relação com a segurança viária para crianças, considerando as legislações federal e de municípios com mais de 250 mil habitantes. O processo também abrangeu uma leitura sobre os projetos de lei no Senado e na Câmara, bem como das decisões de segunda instância sobre o tema dos tribunais de justiça estaduais do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro.

O estudo traz algumas análises sobre a Constituição federal de 1988 como, por exemplo, o artigo 227, onde é interessante observar que, segundo o princípio da proteção integral da criança, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Apesar de assegurar direito à vida e de proteção integral às crianças, fazendo com que o Estado divida essa responsabilidade com os pais, o texto não inclui o direito à segurança – seja viária ou não.

Há também algumas observações no âmbito de compatibilidade da legislação. Apor exemplo, a lei que trata da acessibilidade universal, (10.098/2000), define a pessoa com mobilidade reduzida como aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo crianças, idosos, gestantes, lactantes, obesos etc. No entanto, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) ainda não especifica dispositivos sobre o tema e, por isso, o relatório produzido considera oportuna uma revisão ou atualização do texto com os recentes desenvolvimentos em segurança viária e mobilidade urbana.

“A percepção da redução da segurança tem feito com que as crianças sejam privadas do contato com o espaço público e tem modificado as escolhas dos modos de transporte para os seus deslocamentos diários, incluindo para a escola. Estes costumes foram adquiridos ao longo dos anos, na medida em que as cidades se desenvolviam focadas nos deslocamentos dos automóveis, padrão que resultou em diversas consequências ruins, como o aumento dos acidentes de trânsito. É necessário repensar tanto o desenho urbano quanto a legislação brasileira para reverter esses costumes e tornar as cidades mais amigáveis aos deslocamentos a pé e de bicicleta”, enfatiza Paula Santos Rocha, coordenadora de Mobilidade Urbana e Acessibilidade do WRI Brasil Cidades Sustentáveis.

A análise encontrou oportunidades de realização de melhorias e resultou em 11 recomendações para qualificar o uso de transporte não motorizado por crianças, garantindo mais segurança aos deslocamentos. São elas:

1- Instituir um sistema de monitoramento preventivo para redução de acidentes envolvendo crianças em transporte ativo: uma vez que a mobilidade autônoma de crianças no espaço público se dá preferencialmente por meio de transporte ativo, ou seja, a pé, de bicicleta, de skate ou de patins, é preciso deixar de lado a postura reativa após os acidentes e partir para um sistema de prevenção, baseado nas premissas da acessibilidade universal, da responsabilidade solidária e do melhor interesse da criança.

2- Formular políticas públicas específicas para a redução de acidentes envolvendo crianças: os governos federal, estadual e municipal devem pensar em reduzir mortes e lesões graves, como forma de assegurar os direitos fundamentais das crianças. Assegurar a mobilidade segura de crianças também é uma forma de garanti o acesso ao sistema de educação e demais serviços e equipamentos públicos da cidade.

3- Revisar as legislações: os municípios com mais de 20 mil habitantes podem adequar seus textos de acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, principalmente em segurança viária.

4- Estabelecer programas com os órgãos de educação: passar o conhecimento sobre o trânsito e ensinar desde cedo é fundamental para a redução de acidentes. Os órgãos de segurança pública e fiscalização devem incluir essa preocupação em suas ações e na formação de novos motoristas.

5- Alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para incluir a segurança viária: o tema deve estar entre os direitos fundamentais.

6- Incluir a fiscalização das condições de acesso às escolas e a segurança do entorno escolar nas atribuições do Conselho Tutelar: para isso, também deve ser alterado o ECA.

7- Alterar o Código de Trânsito Brasileiro de acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana: terminologias e concepções deveriam ser atualizadas, além de incorporar a perspectiva das crianças na mobilidade. Novas penalidades e regras devem ser estabelecidas de acordo com essa realidade.

8- Priorizar os espaços em que há maior movimentação de crianças em transporte ativo mediante a limitação do transporte de cargas e individual: recomendação para o Ministério das Cidades, no cumprimento da meta de implementação de moderação no tráfego.

9- Incluir a segurança e a mobilidade entre os direitos fundamentais da criança e do adolescente: os Poderes Executivo e Legislativo deveriam elaborar e aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional para o artigo 227 da Constituição para garantir o direito à livre mobilidade em calçadas e passeios públicos a salvo tanto de atos de violência quanto dos riscos oferecidos pelo transporte motorizado.

10- Instituir grupos especializados para fiscalizar e demandar judicialmente os governos municipais e estaduais: os ministérios públicos estaduais deveriam trabalhar para agir quando houver indícios de reais ou potenciais acidentes provocados em virtude da omissão ou imperícia desses entes, bem como das montadoras de veículos.

11- Constituir grupos e capacitar seus técnicos para incorporar o desenho seguro das vias, espaços públicos e projetos urbanos: os governos municipais devem minimizar riscos de acidentes resultantes de fatores ambientais e de problemas de infraestrutura.

A análise na íntegra faz parte de um relatório ainda a ser divulgado publicamente.

 

Foto do post: Mobilidade autônoma de crianças no espaço público se dá preferencialmente por meio de transporte ativo (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)