As vias mais perigosas para pedestres e ciclistas


Publicado originalmente em Ciclocidade

Mapa interativo feito pela Ciclocidade a partir de dados de estudo conjunto com a Cidadeapé, utilizando informações da CET aponta as vias mais perigosas para pedestres e ciclistas na cidade. Nele, constam também as propostas da Prefeitura para a expansão da malha cicloviária no período 2021-2024.

As estruturas cicloviárias são tratadas como estruturas de proteção (para ciclistas) e de acalmamento de tráfego (para a população como um todo) no Plano de Segurança Viária do Município de São Paulo (SMT, 2019), torna-se relevante ter uma visão sobre quais são as vias mais perigosas da capital paulista para pedestres e ciclistas, tendo como base os dados de ocorrências com vítimas no trânsito dos últimos cinco anos.

Isso nos ajuda a saber se as estruturas discutidas estão sendo posicionadas onde são mais necessárias. Vemos que, em especial nas estruturas propostas para a Zona Norte, as ciclovias e ciclofaixas estão sendo pensadas para vias críticas, com altos índices de ocorrências de trânsito com vítimas.

O mapa interativo destaca três camadas principais. Primeiro, a da malha cicloviária em discussão (em azul). Segundo, a classificação das vias críticas da cidade, de acordo com suas respectivas classificações de Unidade Padrão de Severidade – UPS, ponderadas para dar maior peso a ocorrências envolvendo pedestres e ciclistas (em gradações de vermelho) – detalhes sobre a UPS são apresentados abaixo do mapa. Por fim, é possível ver a infraestrutura cicloviária atual (em verde). Todas as camadas podem ser habilitadas ou desabilitadas para melhor visualização.

O mapa foi publicado às vésperas de mais uma  audiência pública  sobre as ciclovias de São Paulo para discutir a implementação de alguns novos trechos de malha cicloviária, referentes à nova meta municipal de implantar 300 novos quilômetros até 2024. A sistematização das oficinas anteriores, que deram origem ao Plano Cicloviário 2020 e à priorização de vias por Subprefeitura pode ser encontrada neste link.

Chegamos ao Supremo, mas a mobilidade ativa perdeu

Originalmente publicado em Ciclocidade

Encerramos o ‘mês da mobilidade’ recebendo a triste notícia de que a Ação Civil Pública (STF: RE 1331777/SP) movida pela Ciclocidade em 2017 – no contexto do aumento das velocidades das Marginais Pinheiros e Tietê, proposta pelo então prefeito João Dória, seu vice Bruno Covas (em memória) e assinada pelo então secretário de mobilidade e transportes, Sérgio Avelleda – foi julgada e rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal.

Depois desses longos anos com diversos recursos e agravos internos em todas as instâncias possíveis, caminhos sugeridos pelo escritório DBML Advogados que representou a Associação no processo, infelizmente perdemos mais uma batalha na tentativa de criar precedentes que pudessem reconhecer que políticas de estímulo às altas velocidades nas ruas e avenidas das cidades são políticas de morte e que fogem à discricionariedade do agente público! Todos sabemos, com base na ciência, nas experiências internacionais, dados e evidências concretas que quanto maiores as velocidades, maiores as chances de letalidade. “Acidentes” (ou sinistros) de trânsito estão hoje entre as principais causas de mortes no Brasil, principalmente de crianças e jovens, ocupando a maior parte dos leitos de UTI no SUS. É uma chacina silenciosa, pois se é recorrente, não é acidente.

“Percorremos com a Ciclocidade um inglório, mas resiliente e, em parte, vencedor caminho. Vencedor porque pautamos a importância da segurança viária, da verdade estatística sobre deslocamentos a pé nas marginais. Contamos aos interessados que são milhares de pedestres nas Marginais (na época, quase 20 mil por dia em apenas um trecho da Marginal Pinheiros). Pessoas que foram colocadas ali por decisão do Poder Público que escolheu criar pontos de ônibus no meio da Marginal, que colocou estações de trem, escolas, aparelhos públicos, mas que não garante as condições de deslocamento para a mobilidade ativa”, afirmou Juliana Maggi, sócia do DBML Advogados.

“Pedestres e ciclistas circulam nas Marginais Pinheiros e Tietê, isso é fato. E, por isso, as rodovias urbanas são uma aberração social, uma cicatriz, espaços que precisam de requalificação, não só para garantir a segurança viária de todas as pessoas, mas para que o modelo de cidade baseado no automóvel seja revisto com urgência, inclusive porque ao falarmos das Marginais precisamos nos esforçar para lembrar que ali existem rios urbanos importantes, que no contexto das crises ambientais, climáticas e hídricas deverão ser também reconquistados pela sociedade que os relegou a esgotos a céu aberto. Esse modelo de vida centralizado no privilégio ao carro está, em todos os aspectos, fadado ao fracasso”, declarou Aline Cavalcante da Ciclocidade.

Por fim, nós da Ciclocidade lamentamos profundamente a decisão do STF e mesmo tendo que arcar com a multa do processo, não vamos desistir – continuamos trabalhando com base na vida e na ciência. Neste momento a Ciclocidade está, junto com a UCB, tentando incidir na redução de velocidades em vias urbanas e na regulamentação da fiscalização por velocidades médias com alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Seguimos firmes em luto e em luta por todas as vítimas do violento trânsito brasileiro que mata e mutila vidas todos os dias. Junte-se a nós!

Agradecimentos:

DBML Advogados
Cidadeapé
Instituto dos Arquitetos do Brasil – SP
União dos Ciclistas do Brasil – UCB
Rede Nossa São Paulo
Corrida Amiga
Aromeiazero
Cidade Ativa
IDEC

…e a todos que apoiaram e mantêm vivas as esperanças de um futuro sustentável para nossas cidades.

#MarinaPresente

Vistoria da ciclovia no Viaduto 9 de Julho

 Colaborou Giuliana Pompeu (Ciclocidade) – texto e fotos

Na última sexta-feira (12), um grupo de pessoas – entre técnicos da CET e representantes da Cidadeapé e Ciclocidade, se reuniu no começo do Viaduto Nove de Julho com a Rua da Consolação para fazer uma auditoria na ciclofaixa que foi pintada em uma das calçadas do viaduto.

Vista aérea e ao nível dos olhos da ciclovia no Viaduto 9 de Julho.

Local de grande fluxo de pedestres e ciclistas, o Viaduto Nove de Julho, no centro da capital, conecta a Avenida São Luís com a Rua Maria Paula e é um eixo importante de comércio e entregas. No último ano, com o aumento dos trabalhadores de entrega por aplicativo, o número de ciclistas cruzando o viaduto se intensificou e muitos acabam se arriscando na contramão da via para fazer a travessia com mais agilidade.

Como parte do plano de expansão da malha cicloviária e de conexão das infraestruturas já existentes, a prefeitura inaugurou o trecho de cerca de 270 metros da noite pro dia e tem recebido reclamações de pedestres e ciclistas. Duas percepções parecem ser unânimes: a importância da estrutura no local e a segurança dos pedestres e ciclistas que precisa ser prioridade.

Vista das faixas de rolamento da Rua Maria Paula.

Durante a vistoria, insistimos no uso de uma das faixas de rolamento para a construção de uma ciclovia adequada a velocidade da via, mas os técnicos da CET, apesar de considerarem, não se comprometeram e disseram ser um desafio “cultural” a prefeitura dar a devida prioridade a pedestres e ciclistas.

Os técnicos também foram questionados sobre a falta de diálogo com as organizações da sociedade civil e nos espaços institucionais, como o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito e a Câmara Temática da Bicicleta, antes da implantação da estrutura, que agora eles também concordam que não é a ideal. O técnico Dawton Gaia chegou a dizer que isso foi cogitado, mas que eles não imaginavam que a novidade seria tão mal recebida.

Sobre a ciclofaixa no Viaduto Nove de Julho, ficou prometido que a Prefeitura fará a adequação da sinalização vertical e horizontal de estrutura compartilhada, para assim tentar coibir conflitos entre ciclistas e pedestres e reforçar o caráter partilhado do local. Os técnicos da CET disseram estar estudando a possibilidade de expandir uma ou as duas calçadas para fazer a ciclovia depois da faixa de serviço do calçadão. Ficamos com a expectativa que eles também considerem ocupar uma das faixas de rolamento.

Faixas de pedestres e ciclofaixa apagada

Faixa de pedestres apagada

Também durante a vistoria foi mostrado para os técnicos da CET a ausência de faixas de pedestres nos dois cruzamentos da Rua Santo Antônio com o viaduto e no acesso da mesma com a Rua Abolição, o que tem gerado maior risco nas travessias. Também na Rua Santo Antônio, dois trechos da ciclofaixa que haviam sido requalificados no começo do segundo semestre de 2020 foram cobertos por asfalto novo e estão apagados há mais de três meses. O técnico da CET, Dawton Gaia, disse estranhar a situação que não tinha conhecimento e prometeu que muito em breve as faixas serão refeitas, apesar de possíveis impasses sobre qual empresa ou órgão público seria de fato responsável pelo retrabalho.

Qual o resultado da ideia de ‘acelerar’ SP herdada por Covas

por Estêvão Bertoni, publicada originalmente no Nexo Jornal
Aumento de velocidade nas marginais reverteu queda no número de mortes no trânsito. Para pesquisadores, pressão por políticas de segurança fez discurso da prefeitura arrefecer

O trânsito foi um tema crucial nas eleições municipais de São Paulo em 2016. Naquele ano, João Doria (PSDB) se elegeu prefeito no primeiro turno com o slogan “Acelera SP” e a promessa de aumentar os limites de velocidade nas marginais nos primeiros dias de sua gestão. Ele criticava a existência de uma suposta “indústria da multa” na cidade e defendia conceder as ciclovias à iniciativa privada.

Em 25 de janeiro de 2017, no aniversário de São Paulo, Doria cumpriu o que havia prometido durante a campanha e ampliou as velocidades nas marginais, numa decisão que não encontrava lastro em evidências.

MUDANÇA NAS VIAS

(Infográfico: Nexo Jornal)


Estudos citados em relatório de 2018 da OMS (Organização Mundial de Saúde) apontam que a cada 1% de aumento na velocidade permitida para a circulação de carros, o risco de ocorrerem acidentes fatais sobe em 4%. Já uma redução de 5% na média de velocidade pode diminuir o número de mortes em 30%. As pesquisas mostram ainda que um pedestre em idade adulta atingido por um carro a menos de 50 km/h tem menos de 20% de chances de morrer, mas se o veículo estiver a 80 km/h, a probabilidade de o atropelamento terminar em morte vai a 60%.


Como consequência do aumento da velocidade nas marginais, os jornais registraram já em junho de 2017 que, apenas nos três primeiros meses da medida, as mortes no local aumentaram 43% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Pesquisadores apontam que a política de “acelerar” São Paulo de Doria, na verdade, freou uma tendência de queda em acidentes e mortes no trânsito da capital paulista.

Ao mesmo tempo, o discurso que levou Doria à vitória, segundo especialistas da área, acabou arrefecendo já na gestão de Bruno Covas (que assumiu a prefeitura no início de 2018 com a saída do prefeito para concorrer ao governo do estado de São Paulo) devido à pressão da sociedade civil por políticas que garantissem mais segurança no trânsito.

As medidas da gestão Haddad

Quando Doria assumiu a prefeitura, em janeiro de 2017, a redução das velocidades nas marginais era recente. A medida havia sido implementada em 20 de julho de 2015 na gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT).

O efeito da redução foi imediato. Nas seis primeiras semanas de implantação da medida, o número de acidentes com vítimas (mortos e feridos) nas marginais caiu 27% em comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo um balanço da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). O número total de acidentes no local também diminuiu de 373 para 317. E houve ainda melhora na fluidez do trânsito: a extensão da lentidão no período das 17h às 19h apresentou uma queda de 12%. Segundo dados da CET, as mortes nas marginais Tietê e Pinheiros, juntas, caíram de 65, em 2014, para 43, em 2015, e para 25, em 2016, no último ano de gestão Haddad.

No geral, a prefeitura tinha conseguido reduzir os acidentes com mortes em toda a cidade de 1.128 para 971 (queda de 13%).

Por pressão de associações da sociedade civil, o então prefeito também investiu em ciclovias, com 400 km de ciclovias entregues, embora muitas delas tivessem problemas de sinalização, planejamento e apresentassem buracos. Em setembro de 2014, o instituto Datafolha registrou que 80% dos paulistanos aprovavam a implantação de ciclovias na cidade — apenas 14% eram contrários. Entre os mais jovens, a aprovação atingia 93%.

Mas à medida em que a popularidade de Haddad caía — acompanhando a
reprovação ao governo da então presidente Dilma Rousseff, sua colega de PT que sofreria um impeachment em 2016 —, o humor do eleitorado em relação às medidas de trânsito da prefeitura também mudava. Em julho de 2016, a aprovação às ciclovias tinha diminuído para 58%, e a rejeição à medida chegava a 36%, segundo o instituto.

A aprovação da velocidade e as contestações

Em setembro de 2016, ano de eleições municipais, o Datafolha mostrou que 45% da população era favorável a aumentar o limite de velocidade para veículos nas marginais (45% eram contra) e outros 58% diziam apoiar a redução do número de radares para a fiscalização de velocidade em ruas e avenidas da capital.

Doria apostou no discurso de aumento de velocidade contra a “indústria da multa” na campanha. Eleito no primeiro turno, o tucano aumentou a velocidade nas marginais em janeiro de 2017 e viu a aprovação da medida, de acordo com o instituto de pesquisa, pular para 57% em fevereiro de 2017.

A Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo) ajuizou uma ação civil pública contra a mudança, alegando que o aumento das velocidades contrariava diretrizes internacionais de segurança no trânsito.

A Justiça chegou a suspender em caráter liminar (provisório) a mudança, ainda antes de sua implementação, mas a decisão foi revertida, e o tema ainda segue em julgamento.


O aumento das mortes nas marginais

Apesar da aprovação popular, os resultados práticos iam na contramão da avaliação popular. No primeiro ano de Doria à frente da administração, as marginais somaram 32 mortes, uma alta de 28% em relação ao ano anterior.

VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO

(Infográfico: Nexo Jornal)

Em 2017, Doria anunciou que adotaria as estatísticas de acidentes e mortes diferentes, feitas pelo Infosiga, do governo de São Paulo. Esse sistema, que traz dados apenas a partir de 2015, registra os casos com base nos boletins de ocorrência e desconsidera as mortes em acidentes de trânsito registradas pelo IML (Instituto Médico Legal) — informação que é usada pela CET. Devido à diferença de metodologia, os números das duas bases não podem ser comparados.

Mas mesmo as informações do Infosiga mostram que, nos quatro anos da gestão Doria e de seu vice e sucessor Bruno Covas, o número de mortes no trânsito em toda a cidade de São Paulo permaneceu praticamente no mesmo patamar: 886 (2017), 889 (2018) e 873 (2019). Eles revelam que a tendência de queda que vinha desde 2011 (tanto em acidentes como em mortes), ainda na gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), foi freada na gestão tucana.

LETALIDADE NA CAPITAL PAULISTA

(Infográfico: Nexo Jornal)

Em julho de 2020, o Ministério Público Federal chegou a se manifestar pela
ilegalidade e inconstitucionalidade do aumento das velocidades nas marginais. Segundo o subprocurador-geral Mário Misi, a medida da prefeitura ofende as normas “constitucionais e legais de proteção à vida e à segurança do trânsito, apta a justificar a reforma do ato administrativo”.

A prefeitura respondeu que já houve decisões anteriores da Justiça favoráveis à medida e disse confiar que ela será mantida.

O tema não teve o mesmo apelo nas eleições de 2020. O prefeito não recorre ao tema como uma bandeira de campanha. Outros candidatos como Celso Russomanno (Republicanos) e Márcio França (PSB) disseram que manteriam o limite de velocidade como está. Apenas candidatos de esquerda, como Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT), criticaram a medida tomada por Doria e mantida por Covas.

A política de acelerar sob análise

Para discutir os resultados das medidas adotadas no trânsito a partir da gestão Doria e tentar entender por que o tema da mobilidade não teve a mesma força nas eleições de 2020, o Nexo conversou com Ana Carolina Nunes, pesquisadora do Cidadeapé (Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo) e conselheira de mobilidade a pé no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte de São Paulo.


Como avalia a gestão Doria/Covas em relação à política de aumento das velocidades?

ANA CAROLINA NUNES Para uma gestão que começou com a história do “acelera” e que teve como primeira ação aumentar os limites de velocidade nas marginais — revertendo uma política que tinha tido um resultado muito positivo na redução de mortes —, a gente esperava que ela implicaria num aumento de mortes. Isso aconteceu nas marginais. Só que no primeiro ano, como um eco do que já estava acontecendo na gestão anterior, houve redução nas mortes [em toda a cidade] em 2017, em comparação com 2016. Mas foi uma redução muito baixa em relação ao que estava acontecendo antes. O que aconteceu foi uma desaceleração dessa queda nas mortes no trânsito e um prenúncio de que, em breve, viria um aumento.

Em 2018, foi a primeira vez em vários anos que teve um aumento nas mortes [em relação ao ano anterior]. Não foi muito alto, mas também é o sinal de que a gestão tinha freado esse avanço. Se a gestão tivesse voltado atrás no aumento do limite de velocidade nas marginais logo depois de constatar que teve aumento nas mortes, a gente poderia ter tido algum ganho. Mas só reduzir a velocidade não bastaria, precisaria continuar investindo em construção de ciclovias, em ações de acalmamento de tráfego e de intensificação das fiscalizações.

Mas essa gestão entrou com outra mentalidade. Tanto que uma das coisas que eles exploraram foi ter conseguido reduzir o número de autuações, para dizer que estavam resolvendo os “radares-pegadinha”. A preocupação era muito mais em dar uma resposta ao eleitor sobre o mecanismo de “indústria da multa”, que é um discurso extremamente popularesco sem base na realidade, porque a verdade é que existem muito mais infrações do que é registrado. Teve essa preocupação de dar essa resposta para o público de que ele [Doria] não era igual ao Haddad.

Ao mesmo tempo, a gestão foi largando esse discurso. Mas fizeram um compromisso de que não voltariam atrás em relação às marginais. Atribuo isso também à ação da sociedade civil, porque estivemos incansáveis ao longo de todo esse tempo brigando na Justiça ou denunciando na imprensa que essa falta de ação em relação à segurança no trânsito não estava diminuindo as mortes no trânsito a contento.

Inclusive, a gestão atual [Covas] criou um plano de segurança viária, lançado em 2019. Nos planos do atual prefeito para a reeleição, ele cita o plano de segurança viária. De uma certa forma foi uma tática política para se descolar do Doria. Ele [Covas] acabou vendo que os dividendos políticos de investir naquele discurso de uma certa forma se esgotaram. Essa gestão começou falando de remoção de ciclovia e, no final, já estava falando que ia fazer ciclovia porque finalmente tinha falado com a sociedade.

O que aconteceu, na verdade, desde a gestão Gilberto Kassab [antecessor de Haddad], foi uma mudança de mentalidade da CET de que a função primordial dela não é simplesmente garantir fluidez do tráfego, mas proteção à vida. De ter um processo de redução de velocidade, fazer reformas em áreas de cruzamento onde tem muito conflito. A gente tem uma lacuna histórica aí. Há áreas com grande tráfego de veículos e trânsito de pessoas e com sinalização muito fraca. E a CET conta com uma capacidade técnica muito grande: consegue produzir dados, sabe onde acontecem os pontos com mais conflito, onde mais acontece colisão com carro e moto. Eles mapeiam tudo. Mas precisa ter uma prioridade política para fazer isso acontecer. E não foi o caso dessa gestão. A gente acompanha mês a mês pelo Conselho Municipal de Trânsito e Transportes e pela Câmara Temática de Mobilidade a Pé, da qual faço parte, o que estão fazendo. E a gente vê que, em vários projetos, passaram-se quatro anos e não conseguiram cumprir toda a agenda, porque não teve prioridade política.


Por que esse tema perdeu força nas eleições municipais de 2020?

ANA CAROLINA NUNES O que a gente teve, durante a gestão Haddad, foi um fortalecimento das organizações da sociedade civil que lidam com mobilidade urbana, de entidades de ciclistas, de mobilidade a pé, que lutam pelo transporte público. Aquela era uma janela de oportunidades para fortalecer essas pautas. Tinha uma gestão que estava abraçando uma série de pautas que eram avanços, então a sociedade civil foi para cima. De alguma forma, teve um candidato [Doria] que percebeu que essa pauta gerava conflitos sociais, que tinha uma reação muito forte por parte da imprensa e por parte de uma parcela da população, e isso gerava um ruído importante para ser canalizado eleitoralmente. Foi aproveitado todo esse ruído para poder colocar como uma pauta que gerasse calor nas discussões.

Bruno Covas é um prefeito que tem um perfil mais sangue frio. Ele é menos
conectado com o calor da discussão e já estava entendido que precisava de alguma forma dialogar com a sociedade civil e não seguir à risca aquela agenda, como aconteceu, por exemplo, com a remoção de ciclovias. No final das contas, [o “Acelera SP”] aconteceu num grau menor do que se imaginava. Inclusive anunciaram que construiriam ciclovias e até estão inaugurando novas ciclovias. Mudaram o discurso para: “Olha, a gente não tem nada contra ciclovia, só que a gente sabe fazer melhor do que a gestão Haddad”.

Acho que teve um papel da sociedade civil de pautar essa mudança [no discurso da gestão Doria/Covas ao longo do tempo. Ao longo da gestão, a gente foi mostrando que não era fácil assim. Não é só porque vocês ganharam que vão mudar tudo de uma hora para outra. E também foi tendo um arrefecimento nos ânimos nessa discussão. Hoje, nos programas de governo, não tem nenhum candidato que fale em tirar ciclovias.

 

Coalizão formada por Cidadeapé, ComoAnda e Ciclocidade colabora com o novo Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias

Foi finalizada, em 08 de julho de 2020, a consulta pública sobre o Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da cidade de São Paulo. Como iniciativa inédita no Brasil, o Manual promete contribuir para a construção da nossa cidade a partir de um novo paradigma das políticas públicas de mobilidade urbana e sustentabilidade.

A Cidadeapé, o ComoAnda e a Ciclocidade fizeram uma coalizão para poder coletar e sistematizar os comentários de seus colaboradores a respeito do Manual, visando contribuir de forma eficaz com a melhora o documento.

A seguir, trazemos os depoimentos de algumas das pessoas que acompanharam o processo e ajudaram na formatação da contribuição desta coalizão para um pleito tão importante para a cidade.


Wans Spiess, CalçadaSP e Cidadeapé
É um grande desafio desenvolver um Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias que seja referência para a cidade. A meu ver, mais do que consolidar todos os aspectos técnicos a serem considerados quando do desenvolvimento de um projeto para o espaço viário, ele precisa concentrar-se em estabelecer, de forma clara e assertiva, os paradigmas das políticas públicas de mobilidade urbana e sustentabilidade sob os quais se fundamenta.

São estes os atributos que guiarão as mudanças que queremos ver na nossa cidade nos próximos anos, afinal, normas técnicas, materiais e até mesmo soluções mudam, principalmente em tempos líquidos como o que vivemos hoje em dia. Minha experiência ao conduzir a construção da Identidade Digital do Governo Federal (consolidada em 2004) mostrou-me que, ao deixar clara suas diretrizes básicas, é a capacidade de resiliência dos manuais que tornam factível sua aplicação.

Também serão importantes a sensibilização das áreas responsáveis pela sua utilização, bem como a forma como ele será apresentado e disponibilizado, os fatores fundamentais para incentivar e subsidiar as estratégias de aplicação e melhora continuada do Manual, que acabarão por refletir na qualidade urbana . Se seguir neste sentido, não tenho dúvidas de que o primeiro passo foi dado.

Silvia Stuchi, Corrida Amiga e Como Anda
“Há de se ressaltar os esforços dedicados, por toda equipe responsável, na elaboração e organização do Manual, trazendo boas práticas para inspirar transformações na cidade. Apesar de seu ineditismo, como o principal objetivo do Manual é compilar regras e materiais em um único documento, muitas das necessidades apontadas já estavam sendo consideradas e discutidas, na busca de uma cidade mais saudável e sustentável, reduzindo-se as externalidades socioambientais negativas decorrentes desse modelo velho (ainda tão vigente) de cidade que adotamos. Outro avanço desafiador apontado é a criação do grupo multidisciplinar GrapoUrb. A intenção é boa, no entanto, há de se lembrar exemplos recentes como o sonhado “Grupo Executivo Intersecretarial” do PlanMob, para discutir e definir novo arranjo institucional para consolidação de uma rede de circulação de pedestres, que teve vida curta com a Comissão Permanente de Calçadas (CPC) – e ainda sem a presença da sociedade civil. Por fim, para que o material  se consolide também como um instrumento da população, para utilizá-lo de várias formas e cobrar as diferentes gestões, há de se preocupar em “traduzir” o conteúdo, sintetizando-o em uma estrutura mais acessível, para o conhecimento a apropriação de todas as pessoas interessadas”.

Aline Cavalcanti, Ciclocidade
“Entendo o Manual de Desenho Urbano e Segurança Viária como um documento extremamente importante para pactuar com a sociedade e os governos – presente e futuros – as melhores práticas e orientações técnicas de construção das ruas e espaços públicos de uma cidade. Fico muito feliz de ver que finalmente a cidade de SP caminha e pedala para ter seu próprio manual. O esforço agora é para seus conceitos serem de fato incorporados na gestão pública e cobrados por todos nós! Apesar de ser um manual muito grande e robusto, com mais de 500 páginas, também se faz necessário encontrar um jeito de resumir e disponibilizar de forma fácil e acessível para que a população possa compreender. Um grande passo rumo a uma cidade mais democrática e equânime no uso do viário. Parabéns a todas as pessoas e organizações que contribuíram com este importante processo.”

Mauro Calliari, conselheiro do Cidadeapé e do CMTT.
“O Manual de Desenho Urbano,que acabou de passar por sua fase de consulta pública, é uma iniciativa interessante, que visa consolidar a posição da Prefeitura sobre as obras que impactam na cidade.

A importância de iniciativas como essa é a de organizar informações que atualmente estão dispersas pelas diversas áreas da gestão municipal, em um documento só, poupando esforços e principalmente garantindo que as obras sigam as melhores práticas de desenho urbano ao redor do mundo.

Os espaços públicos de São Paulo são desiguais. Existem alguns lugares bem construídos e mantidos, mas a maior parte das ruas, calçadas, praças, largos, parques sofre com a falta de critérios no desenho e a falta de parâmetros de fiscalização de obras, muitas vezes conduzida por equipes que não foram treinadas e nem têm preparo para tal.
O sucesso do Manual, portanto, depende de três fatores: sua praticidade (ser fácil e útil de acessar e usar), sua difusão (ser conhecido entre os diversos órgãos municipais) e principalmente ser cobrado. Ele só terá sucesso se a Administração conseguir que ele seja usado como parte necessária na aprovação de cada obra que diga respeito aos espaços públicos da cidade.”

Meli Malatesta, blog Pé de Igualdade e conselheira da Cidadeapé
Como técnica de prefeitura, trabalhei 35 anos na CET, eu sempre senti falta de um manual que tivesse toda essa parte técnica que envolvesse não só orientação quanto a gente fazer um planejamento, uma concepção, um projeto de uma área, assim como também as providências necessárias que não estavam diretamente envolvidas no local onde eu trabalhava, que era a CET. Tenho certeza que o Manual de Desenho Urbano e Obras para a cidade de São Paulo vai ser bastante útil para todos os técnicos que trabalham na prefeitura de São Paulo e, também, para as empresas que são contratadas pela prefeitura para atuarem em alguma intervenção urbana na cidade. Fazer um manual não é uma coisa simples. Não pode ter informação de menos nem informação demais. Eu colaborarei com alguns manuais da CET e, até você fazer uma maturação da ideia leva tempo para não comprometer a qualidade. No manual em questão, senti que há partes que poderiam ter tido melhor detalhadas, e outras partes que tiveram detalhamento demais, desnecessário. Acho que o ideal é você dar uma noção, dar uma parte conceitual, puxar exemplos e, então, fazer referência a uma bibliografia que tenha disponível na internet. Até porque essas normas vão mudar, mudam ao longo do tempo. Mesmo com o sistema de fichas, as coisas mudam muito rapidamente, então me parece que é mais coerente você só fazer referência a essas normas e dizer o órgão responsável. No mais, sou totalmente favorável ao manual


Marcos de Sousa e equipe do Mobilize Brasil
Cidades são o resultado de camadas e mais camadas sobrepostas de usos, costumes, normas e leis que de alguma forma refletem a vida de seus habitantes ao longo do tempo. É natural, portanto, que sejam desiguais, repletas de desníveis, ladeiras, becos, buracos e outras armadilhas que hoje ameaçam o caminhante despreocupado. 

Assim, é muito feliz e oportuna a proposta de reunir e organizar todo o conhecimento gerado ao longo das últimas décadas da história urbana paulistana neste Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da Cidade, como forma de explicitar toda essa complexidade envolvida no trato com os velhos cascos urbanos. Ele não é uma régua, mas pode funcionar como obra de referência para cada novo projeto ou intervenção urbana, desde a construção de uma calçada até a canalização de um pequeno rio urbano. 

Esperamos que esta coleção de recomendações seja acolhida, respeitada e renovada por todos os vários entes que compõem a gestão municipal de São Paulo. Que fique sempre à vista, na mesa de todos os funcionários, colaboradores e cidadãos interessados em políticas urbanas. Por uma cidade mais humanizada, segura, saudável, vibrante e atenta aos erros e acertos do passado.

Nota à imprensa: Associações de ciclistas e pedestres lamentam o aumento de mortes no trânsito em 2018

A Prefeitura de São Paulo divulgou hoje o Relatório de Mortes no Trânsito do ano de 2018, produzido pela Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). É com muito pesar que confirmamos que, contrariando a tendência dos quatro anos anteriores, as mortes no trânsito voltaram a subir na cidade de São Paulo. Em 2017, a CET contabilizou 797 mortes decorrentes de ocorrências de trânsito, das quais 331 foram atropelamentos fatais de pessoas que estavam a pé e 37, de bicicleta. Já em 2018, 849 pessoas perderam a vida no trânsito paulistano, das quais 349 estavam a pé e 19 de bicicleta. Isso representa um aumento de 6,5% no total de mortes e 5,4% nas mortes de pedestres.

Fonte: CET, 2018

Infelizmente esse aumento já era iminente, na percepção da sociedade civil organizada. Desde 2014 a cidade vinha experimentando uma vertiginosa queda nas mortes no trânsito, consequência de uma política pública de redução das velocidades máximas implementada pela gestão anterior, somada à ampliação da infraestrutura cicloviária. No entanto, o conhecimento técnico já aponta que, conforme as mortes no trânsito vão reduzindo, mais o poder público precisa se dedicar a ações sofisticadas e robustas para seguir em direção ao menor número possível de ocorrências.

Não foi o que aconteceu desde o início da gestão Doria-Covas, que teve como primeira ação o cumprimento da nefasta promessa eleitoral de, contra todas as evidências teóricas, empíricas e numéricas, aumentar os limites de velocidade máxima nas marginais Tietê e Pinheiros. Além de tentar impedir essa medida, que manteve as marginais entre as vias mais letais da cidade, as associações Cidadeapé e Ciclocidade vêm cobrando insistentemente para que a Prefeitura dê prioridade a ações de segurança viária. Os relatórios da CET de anos anteriores já apontavam que as ações municipais de combate às mortes no trânsito (muito pontuais e centradas em ações de comunicação) estavam perdendo fôlego em relação à urgência do assunto.

A falta de prioridade ficou evidente com o anúncio de revisão do Programa de Metas, há um mês. Esta gestão havia se comprometido com o objetivo tímido de reduzir as mortes de trânsito de 7,07 por 100 mil habitantes para 6 por 100 mil habitantes até 2020. No entanto, dois anos após o início do governo, a Prefeitura decidiu reduzir as ações propostas para alcançar esse objetivo, sob o pretexto de adequação ao orçamento. Os projetos de melhoramento na sinalização e fiscalização em 10 avenidas reduziram para 8, enquanto a implantação de áreas calmas reduziu de 10 para 5. É importante ressaltar que as propostas colocadas no início da gestão já se mostravam pouco ambiciosas.

Para reduzir as mortes no trânsito, é preciso que a Prefeitura se comprometa com ações mais robustas e sistemáticas. O aumento no número de morte de elementos vulneráveis no trânsito, como pedestres e ciclistas, reforça a necessidade urgente de forçar a redução de velocidades por toda a cidade. E isso deve ser feito não apenas com a implantação de radares e fiscalização por toda a cidade, mas também com projetos de mudanças nos desenhos das ruas, de forma a obrigar motoristas a dirigirem com o máximo de cautela e atenção. As organizações da sociedade civil que lutam pela mobilidade urbana mais sustentável e humana seguirão exigindo prioridade real à vida, conforme dita a lei.

Ciclocidade e Cidadeapé: Prefeitura lança plano com bons fundamentos, mas pouca ambição

Entidades que representam a mobilidade a pé e por bicicleta na cidade de São Paulo analisam o Plano de Segurança Viária lançado pela gestão Bruno Covas

A Prefeitura de São Paulo lançou, em coletiva de imprensa no dia 17 de abril, o Plano de Segurança Viária 2019-2028 (PSV), que vem sendo elaborado há um ano e meio pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes. O Plano, publicado sob o decreto nº 58.717/2019, propõe-se a “transformar São Paulo em uma das cidades com tráfego mais seguro do mundo e nortear a execução de políticas públicas para a redução de ocorrências graves e mortes no trânsito.” Na apresentação do PSV no site da Prefeitura (único documento oficial disponibilizado até o momento), destaca-se a participação de diversas pessoas e órgãos em sua elaboração e na afirmação de que é baseado no princípio da Visão Zero.

 

A Ciclocidade e Cidadeapé participaram ativamente durante a fase de consulta pública do plano, enviando sugestões, produzindo materiais de apoio à participação social nas audiências públicas e convidando a população a se informar e participar. Esperávamos que o PSV desencadeasse ações que, de alguma forma, pudessem compensar a inação da gestão municipal em relação à segurança de trânsito de modos ativos nos últimos dois anos. No entanto, nossas expectativas enquanto sociedade civil não foram preenchidas.

 

A principal frustração diz respeito às propostas de ações iniciais, que são absolutamente insuficientes para assegurar as metas de curto prazo propostas, focadas na proibição de motos na Marginal Pinheiros, campanhas de comunicação, e a redução de algumas metas da Prefeitura em relação ao proposto no início da gestão. A proposta de implantação de “Áreas Calmas” foi cortada pela metade, sendo que ainda nem foi iniciada, e de “Vias Seguras” reduzida.

Além disso, a meta inicial do programa – de reduzir o índice de mortes no trânsito para valor igual ou inferior a 6 mortes a cada 100 mil habitantes em 2020 também é muito tímida, se considerarmos que no mesmo prazo e sem um plano sistemático houve, na cidade, redução de 50% e no mundo já em 2015, havia 7 cidades com índices abaixo de 2. Essa gestão iniciou com um índice próximo a 7,07 mortes por cada 100 mil habitantes. Se tivesse cumprido as ações previstas no Plano de Mobilidade de São Paulo (PlanMob) e não aumentasse os limites de velocidade máxima nas marginais Tietê e Pinheiros, o índice agora previsto para 2020 já poderia ter sido atingido.

De modo geral, o documento aborda princípios importantes, como a necessidade de se reduzir os fatores de risco para reduzir as mortes no trânsito, que se refletem em ações positivas, como aprimoramento da sinalização viária e na fiscalização e ações de acalmamento de tráfego. Porém, escorrega em algumas ações concretas que vão contra esses princípios e não servem para solucionar o problema (como proibir motociclistas nas marginais, em vez de reduzir as velocidades máximas nessas vias) ou que são positivas, porém muito concentradas.

No formato do PSV, há três aspectos importantes a se destacar. O primeiro é que as metas são estipuladas usando 2017 como ano-base. Poderiam ser usados os dados mais atualizados se a CET não tivesse atrasado em dois meses a publicação do Relatório de Mortes no Trânsito do ano de 2018. O segundo é que não são trazidas previsões orçamentárias para a execução das ações, nem mesmo a indicação da origem dos recursos (como uma porcentagem do Fundo de Multas). Por se tratar de uma gestão que vem revisando para baixo suas próprias metas sob o pretexto de crise financeira, essa ausência é preocupante. Por fim, a Prefeitura opta por transformar em decreto, e não lei, um plano de longo prazo, ao mesmo tempo em que não cumpre as metas estabelecidos por Planos Municipais de gestões anteriores, que também foram publicados em decretos. Um plano de 10 anos precisaria ser tratado como uma política de estado, através de uma lei, para não ficar ao sabor e vontade de cada administração.

Para enfrentar a violência do trânsito, é preciso vontade política para rever paradigmas que norteiam a forma de produção e ocupação dos espaços públicos de mobilidade e assim transformar a estrutura das ruas e a operação do sistema viário em toda a cidade. Sabemos que isso exige a mobilização de muitos recursos, mas o retorno desses investimentos é extremamente positivo para a saúde e as finanças da cidade.

Confira nossos comentários ponto a ponto.

 

  • Metas globais do PSV

 

META: Reduzir o número de mortes decorrentes de ocorrências com envolvimento dos ônibus do STCUP em 50% até 2028 (2020: 10%)
Comentário: A meta de redução de mortes causadas por ônibus na capital é tímida, tanto para 2020 (redução de 10%) como para 2028 (redução de 50%). Ônibus têm respondido por pelo menos um quarto das mortes de ciclistas – 40% se retiramos o “sem informação” da conta – e um quinto das de pedestres. É um número altíssimo, ainda mais para quem detém o controle da fiscalização da frota e para quem obriga, de acordo com a nova licitação dos ônibus da cidade, um controle de velocidade segundo a regulamentação da via. Ou seja, em uma via de velocidade máxima a 30km/h, os ônibus estariam impedidos mecanicamente de ultrapassarem tal velocidade. Além disso, a gestão precisa investigar como e quando ocorrem os acidentes com ônibus e investir na sua prevenção.

META: Reduzir em 50% o número de mortes de pedestres e ciclistas e aumentar em X% o percentual de participação dos modos ativos de mobilidade (2020: 10%)
Comentário: A meta de redução de 10% mortes de pedestres e ciclistas até 2020 é extremamente tímida. Além disso, os atropelamentos de pedestres e ciclistas não deveriam estar em um mesmo índice, pois são ocorrências de natureza diferente e, como consequência, demandam estratégias não são iguais. Se a Prefeitura cumprisse com a expansão da infraestrutura cicloviária conforme previsto pelo Plano Municipal de Mobilidade, essa meta poderia ser mais ambiciosa.

META: Excesso de velocidade: reduzir em 80% o número de veículos que trafegam acima da velocidade máxima permitida (2020: 20%)
Comentário: A meta é ambiciosa, no entanto as ações até agora citadas não parecem suficientes para alcançá-la. Destaca-se, nos documentos até agora apresentados, a falta de estratégias para ampliar a fiscalização em horários e locais de maior incidência de mortes e lesões no trânsito.

  • Ações imediatas

Proibição de tráfego de motociclistas nas pistas expressas da Marginal Pinheiros e implantar a pista local na Marginal Pinheiros
Comentário: A proibição do tráfego de motociclistas nas pistas expressas da Marginal Pinheiros segue o erro de lógica do Programa “Marginal Segura”, que estabeleceu o aumento das velocidades máximas nas marginais Tietê e Pinheiros, consequentemente aumentando sua letalidade. Não se deve proibir pessoas que fazem uso de modos vulneráveis de locomoção (a pé, por bicicleta, por motocicleta) de transitarem pela cidade. Ao contrário, a cidade deve se adequar a eles e protegê-los, não proibir! A redução de velocidades nas marginais Tietê e Pinheiros está ausente no plano, ainda que essas duas vias apareçam repetidamente dentre as principais vias letais da cidade.

 

  • Ações concretas para 2019-2020

Implantar 5 Áreas Calmas no biênio: São Miguel Paulista; Santana; Lapa de Cima; Lapa de Baixo; Centro Velho (contido no Programa de Metas da Prefeitura)
Comentário: A escolha das áreas calmas é questionável e não parece seguir os dados de violência no trânsito para o público prioritário almejado, em especial pedestres e ciclistas. As áreas calmas que mais apresentam vítimas da mobilidade ativa são Rótula Central, Expansão da Rótula Central, Santana, Brás e Bela Vista. Os números estão resumidos nesta tabela (também abaixo), que contém médias dos últimos 3 anos disponíveis (2015-2017) e o número isolado para o último ano disponível (2017). É compreensível que São Miguel Paulista esteja na lista porque é uma região para a qual já há projeto e licitação prontos. Já os números de vítimas no trânsito relativos à subprefeitura da Lapa costumam ser jogados para cima devido à letalidade das marginais Pinheiros e Tietê, cujas velocidades máximas continuam aumentadas.

Além disso, estabelecer a velocidade máxima das áreas calmas em 30km/h é elogiável, mas a medida poderia ser imediatamente aplicada a todas as 13 áreas de velocidade reduzida da cidade, e não apenas às 5 consideradas para o biênio. Outras medidas como estreitamento de pista, implantação de lombadas e faixas elevadas e criação de refúgios para pedestres podem ser feitas nas 5 áreas previstas sem prejuízo de redução de velocidades máximas. Por fim, segundo o Plano de Metas apresentado em 2017, a Prefeitura já deveria ter implantado 5 áreas calmas no primeiro biênio e implantaria mais 5 no segundo biênio. No entanto, a gestão reduziu a meta pela metade.

 

Médias dos últimos 3 anos 2017
Área Velocidade máxima permitida Atropelamentos Nº de feridos Nº de mortos Pedestres feridos Pedestres mortos Ciclistas feridos Ciclistas mortos Mob. ativa – feridos Mob. ativa – mortos Resultado 2017 – feridos Resultado 2017 – mortos
Rótula Central 40 59 142 4 58 3 3 0 61 3 110 0
Lapa 1 40 12 35 1 13 1 0 0 13 1 38 2
Santana 40 28 94 4 28 3 2 0 30 3 72 3
Moema 1 40 7 33 0 7 0 2 0 9 0 21 0
Moema 2 40 8 22 1 7 1 1 0 7 1 11 1
Penha 40 13 48 2 13 1 1 0 14 1 51 1
Rótula Central 2 40 80 228 9 80 8 8 0 87 8 187 8
Brás 40 53 127 3 58 2 3 0,3 61 2 89 1
Lapa 2 40 1 2 0 1 0 0 0 1 0 1 0
Consolação 40 24 82 2 25 1 5 0 30 1 59 2
São Miguel Paulista 40 11 39 1 16 1 1 0 17 1 30 1
Bela Vista 40 39 136 4 42 2 3 0,7 45 2 104 3
Lapa de Baixo 30 5 18 0 5 0 0 0 5 0 4 0

 

Implantar 5 Vias Seguras: Av. Belmira Marin; Est. De Itapecerica; Av. Raimundo Pereira de Magalhães; Av. Teotônio Vilella; Av. Marechal Tito (contido no Programa de Metas da Prefeitura)
Comentário: A inclusão das avenidas Teotônio Vilela, Marechal Tito e Dona Belmira Marin deve ser comemorada por quem faz uso da mobilidade ativa. São vias que apresentaram alto número de pedestres/ciclistas mortos ou feridos nos últimos três anos. Porém, deveriam também entrar como prioridade a Av. Jacu-Pêssego, que registrou 12 pedestres/ciclistas mortos e 48 pedestres/ciclistas feridos nos últimos 3 anos, e a Av. Sapopemba, que registrou 8 pedestres/ciclistas mortos e astronômicos 140 pedestres/ciclistas feridos entre 2015 e 2017. Os dados por rua podem ser vistos neste link do Tableau da Ciclocidade.

Programa Rota Escolar Segura: Implantar projetos de segurança viária em 4 áreas escolares: Itaquera; Jardim Ângela; Brasilândia e mais um local ainda não definido (contido no Programa de Metas da Prefeitura)
Comentário: Embora elogiável como iniciativa, as rotas escolares seguras abrangem espaços muito curtos em relação à dimensão da cidade e ao volume de viagens. Para conseguir garantir segurança aos estudantes que se deslocam a pé, seria preciso implantar pelo menos uma centena desses projetos, assim como a meta de territórios educadores. Vale destacar que, segundo a legislação vigente, a velocidade máxima em zonas escolares é de 30km/h. O reforço do respeito a esse limite deveria estar explícito no Plano de Segurança Viária, assim como uma estratégia para cobrir todas as unidades escolares do território da cidade até 2028.

Programa Operacional de Segurança: Readequar o tempo de travessia para os pedestres; requalificar a sinalização; e intensificar a operação viária em 17 vias (7 em 2019 e 10 em 2020)
Comentário: É louvável ver a readequação de tempo de travessia para pedestres como uma ação de segurança. No entanto, 17 vias é uma amostra muito pequena diante da extensão da cidade. Além da readequação de tempos de travessia, estamos solicitando a mudança dos semáforos de 3 fases para 2 fases, em toda a cidade. Também é preciso destacar que essa ação não alivia a insegurança de pedestres em travessias mal desenhadas, como aquelas nas quais o pedestre é forçado a esperar dois ciclos para poder atravessar.

Maio Amarelo: Ações de comunicação e educação voltadas a motociclistas: trabalho focado na divulgação de vídeos educacionais voltados aos motociclistas para viralização via internet e Iniciar campanha de comunicação de massa em segurança viária; (contido no Programa de Metas da Prefeitura)
Comentário: O plano prevê como meta “Iniciar campanha de comunicação de massa em segurança viária”, mas cita apenas a veiculação de 1 (um) vídeo durante 1 (um) mês. É pouco, muito pouco, ainda mais para uma prefeitura que fez promessas repetidas durante o lançamento do malfadado programa Marginal Segura de que campanhas de segurança viária seriam “permanentes e expressivas ao longo de toda a gestão”. Ademais, o público mais vulnerável (pedestres, ciclistas, motociclistas) deveria aparecer como prioridade em todas as campanhas – pedestres e ciclistas pelo menos parecem estar fora deste vídeo, assim como estão fora do escopo citado para o Maio Amarelo deste ano. É preciso destacar que campanhas de comunicação tornam-se inócuas quando não são acompanhadas de ações intensas de fiscalização em horários e locais variados.

Regulamentar a prestação de serviços de entregas com Motocicleta prestados por empresas que operam com aplicativos
Comentário: Regulamentar a prestação de serviços de entregas com Motocicleta prestados por empresas que operam com aplicativos é uma medida interessante, mas esquece que ciclistas também estão prestando os mesmos serviços e sujeitos a, basicamente, as mesmas regras.

Promover a abertura de dados dos equipamentos de fiscalização eletrônica (radares). (contido no Programa de Metas da Prefeitura)
Comentário: Promover a abertura de dados dos equipamentos de fiscalização eletrônica (radares) é uma iniciativa elogiável, pois promoverá um forte argumento para a definitiva adoção nacional da fiscalização por velocidade média. Atualmente, motoristas reduzem a velocidade em vias onde há fiscalização eletrônica, acelerando entre um radar e outro. Os dados abertos dos radares transformarão este comportamento em números e possibilitarão um estudo de caso de uma grande metrópole, fortalecendo a adoção de fiscalização que leve em conta a velocidade entre os dois dispositivos eletrônicos. A fiscalização por velocidade média aumenta – e muito – a segurança de todos os veículos e pedestres que usam tais vias e a tecnologia para implantá-la já existe.

Expandir os pontos de fiscalização eletrônica, por meio de equipamentos intrusivos e não intrusivos (Obs: de 726 para 1127) e Expandir os pontos de fiscalização eletrônica por meio de barreiras eletrônicas (obs: de 161 para 285)
Comentário: Expandir pontos de fiscalização eletrônica, tanto por radares como por totens, é uma medida elogiável. Mas também precisa adotar fiscalização eletrônica voltadas à segurança e prioridade de pedestres e ciclistas.