Dá pra ir a qualquer lugar a pé, se você estiver disposto o bastante

Oliver Cauã, Diretor Financeiro da Cidadeapé, teve uma conversa com o pessoal do Transportar é Preciso sobre as cidades e os modais de transporte.

Andar a pé é o meio de transporte mais utilizado no mundo, o mais antigo e ao mesmo tempo o mais desvalorizado é . Estudos e pesquisas realizados indicaram que 1/3 do território da cidade de São de Paulo é ocupado por vagas para carros.

Até o metrô de São Paulo teve em seu projeto original o objetivo de reduzir a quantidade de ônibus em circulação nas avenidas. Tudo isso para favorecer o automóvel. Nesse sentido, o programa também abordou o problema dos carros elétricos: aumentam o custo da energia, tem problemas de sustentabilidade da bateria e não reduzem o espaço ocupado nas cidades.

Para melhorar nossa cidade, devemos apostar mais na mobilidade ativa e sustentável, que é aquela em que o indivíduo usa a própria energia pra se locomover, além de contar com veículos individuais de transporte e transporte coletivo.

Confira a conversa e inspire-se para contribuir na melhora da mobilidade urbana nas cidades!

Câmara Temática de Mobilidade a Pé – Reunião de Dezembro 2021

Publicamos o relato do andamento da reunião da Câmara Temática de Mobilidade a Pé (CTMP) realizada no dia 06 de dezembro de 2021.

Para a última reunião da Câmara Temática de Mobilidade a Pé – CTMP, havíamos pautado três temas. Dois deles foram adiados a pedido da Secretaria de Mobilidade, inclusive a fiscalização das calçadas.

A discussão se concentrou sobre o tema das travessias de pedestres. Nossa associada Meli Malatesta propôs que se fizesse uma pesquisa com pedestres para medir o entendimento sobre a regras de funcionamento do sinais de trânsito. De acordo com norma federal, o vermelho skank começa logo após o início da travessia. No nosso entendimento, isso assusta os pedestres e estimula os motoristas a arrancarem. Foi combinado que na próxima reunião vamos analisar todas as pesquisas já feitas pela CET. Com isso em mãos, formataremos a nova pesquisa para pautar campanhas de comunicação. No entendimento de nossos associados, as campanhas de comunicação têm tido como público-alvo o pedestre, quando deveria ser o contrário, ou seja, o de estimular a mudança de comportamento por parte dos motoristas.

As reuniões da CMTP são mensais e abertas ao público. Esta foi a última reunião em 2021. Vamos aguardar as datas do próximo ano, fique atento à chamada, divulgada no nosso grupo de email.

Número de paulistanos que andam a pé dispara na pandemia de Covid

Fatia saltou de 41% no ano passado para 57% em 2021, mostra pesquisa da Rede Nossa São Paulo

21 set. 2021

Publicado originalmente em Folha de SP. https://outline.com/uSx2j7

Com a participação do nosso associado Rafael Calábria

Com a pandemia do coronavírus, aumentou a fatia dos paulistanos que fazem parte de seu trajeto diário a pé. De acordo com pesquisa sobre mobilidade urbana feita pela Rede Nossa São Paulo, a cada 5 moradores da capital paulista, 3 usam a caminhada para se deslocar de um ponto a outro da cidade.

No ano passado, o mesmo levantamento tinha apontado que 41% da população se deslocava a pé. De 2017 a 2019, período pré-pandemia, esse percentual se manteve estável na casa de 45%. Agora ele passou para 57%.

O estudo foi divulgado nesta terça-feira (21), véspera do Dia Mundial Sem Carro.

Pessoas andam pela avenida Paulista com roupas de frio
Pandemia fez aumentar o hábito de se deslocar a pé na cidade, segundo pesquisa – Zanone Fraissat/Folhaspress

Apesar de os entrevistados indicarem que pretendem manter o novo hábito de locomoção nos próximos anos, a ampla maioria ainda se sente bastante insegura como pedestre. Para 87% dos consultados, o maior temor é passar embaixo de pontes e viadutos.

Na sequência, outros motivos de insegurança são andar em pontes e passarelas (83% temem fazer isso), seguido por andar em ciclovia e ciclofaixa (78%), andar pelas calçadas (69%) e atravessar faixas de pedestres (68%).

De acordo com Rafael Calábria, pesquisador de mobilidade urbana do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), as respostas refletem a falta de investimentos da administração municipal em calçadas e faixas de pedestres. “A cidade precisa favorecer esse meio de locomoção durante o planejamento, [atualmente] bem precarizado”, diz.

A pesquisa também apontou que o ônibus continua sendo o meio de transporte mais usado na cidade. Ele foi citado por 32% dos consultados, seguido pelo carro particular (24%), que atingiu seu maior percentual de uso em 2021 em comparação com os quatro anos anteriores.

Por outro lado, 54% dos entrevistados disseram que usam o transporte individual como principal meio de locomoção, contra 45% que disseram que é o transporte público. A pesquisa confirma um patamar que já tinha aparecido no levantamento de 2020, quando 53% afirmaram que usavam mais o transporte individual —em 2019, no pré-pandemia, o número era 56%.

Os que declararam fazer uso de veículos particulares nos seus principais deslocamentos mencionaram uma série de condições que os distanciam do transporte público: ausência de linhas em determinados trechos, falta de confiança na higienização dos ônibus durante a pandemia de coronavírus e tempo de espera.

Entre os entrevistados, 66% afirmaram que estariam dispostos a trocar o carro pelo transporte público se houvesse boas alternativas de ônibus, metrô e trem.

Desde 2019, a fatia dos que têm carro próprio se mantém abaixo de 50% na capital —47% afirmaram ter o veículo neste ano, e 46% o fizeram em 2020. Antes, o percentual era de 56%.

O pesquisador do Idec ressaltou que a prefeitura manteve o subsídio pago a empresas de ônibus durante a pandemia para compensar a falta de passageiros e que esse dinheiro deveria ser revertido na modernização da frota e em outros benefícios aos usuários.

“Uma das preocupações das cidades agora será não perder o passageiro de transporte público justamente pela má qualidade do serviço”, diz Calábria.

A melhoria da infraestrutura de transportes foi apoiada por quase a totalidade das pessoas consultadas. A ampliação de corredores de ônibus recebeu o apoio de 87% dos entrevistados, assim como a construção de mais ciclovias e ciclofaixas (79%) e a utilização exclusiva de ruas e avenidas para circulação de pedestres e ciclistas (82%).

Além da locomoção a pé, o uso de bicicleta para se locomover na cidade aumentou durante a pandemia —12% das pessoas consultadas pela Nossa São Paulo afirmaram usá-las em seu dia a dia.

A maior parte do público que declarou não usar bicicleta em São Paulo disse que poderia mudar de ideia se tivesse mais garantias que não seria roubada. Além disso, disseram que temem a disputa com carros na via pública como motivo para não usar esse tipo de veículo, enquanto 20% disseram que não há ciclovias para interligar as diferentes regiões da cidade.

O levantamento também mostrou como a desigualdade na cidade se reflete no tempo gasto no trânsito. Enquanto quem mora na zona norte gasta uma média de 2 horas e 5 minutos em deslocamento, na região central esse tempo cai para 1 hora e 35 minutos. Na zona sul e na zona leste, respectivamente, o tempo fica em 2 horas e 4 minutos e 2 horas e 3 minutos.

De acordo com a Rede Nossa São Paulo, foram consultadas 800 pessoas que moram na cidade de São Paulo com 16 anos ou mais, entre os dias 10 e 26 de agosto de 2021, a partir de entrevistas online e presenciais. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos.

Confira a apresentação da pesquisa (Rede Nossa São Paulo)

Confira a pesquisa completa (Rede Nossa São Paulo)

Imagem do cabeçalho: Folhapress

Dois em cada 3 moradores usam a caminhada em seu trajeto diário

22 set. 2021

Publicado originalmente em Metro Jornal

Com a participação da nossa associada Ana Nunes

Câmara Temática de Mobilidade a Pé – Reunião de Setembro 2021

Publicamos o relato do andamento da reunião da Câmara Temática de Mobilidade a Pé (CTMP) realizada no dia 14 de setembro de 2021.

Plano de metas

A prefeitura apresentou o andamento de vários projetos relativos a mobilidade na cidade. Um dos destaques é o fato da prefeitura já terem plantado 2004 novas faixas de pedestres atingindo a meta. Outro ponto que ajuda muito a caminhabilidade são os avanços de calçadas. Existem 200 deles em planejamento mas ainda numa fase inicial. Uma novidade interessante é o fato da prefeitura estar propondo uma área calma para a região do centro. Apesar de ainda ter poucos detalhes vale a pena acompanharmos a implantação, uma vez que isso vai conheci dir com com o já muito atrasado projeto de implantação dos calçadões do Centro velho.

Rede de mobilidade a pé.

Luiza Gomide da prefeitura apresentou para o grupo uma base para o futuro da caminhabilidade na cidade, que é um levantamento cartográfico extenso de todas as rotas a pé da cidade com base na divisão das regiões OD. Trata-se de um daqueles projetos que podem será base para boas análises e políticas públicas mas também corre o risco de se perder em futuras mudanças na gestão. Acompanharemos.

Calçadas

A CET apresentou um projeto de reforma de calçada na região do M Boi Mirim a pedido de moradores cadeirantes. É impressionante ver o trabalho que dá uma única intervenção o que faz pensar na dificuldade de replicabilidade de boas soluções.

A CMTP parece ter entrado num ritmo bom de atendimento de demandas e de informações. Na próxima reunião pedimos para contar com a presença do novo Secretário de Transportes, para podermos discutir a importância de andar a pé na cidade. Continuaremos atuando em prol de uma cidade mais humana e caminhável.

As reuniões da CMTP são mensais e abertas ao público. Em 2021 estão previstas para a segunda 3a-feira do mês. Confira as datas na nossa Agenda e fique atento à chamada, divulgada no nosso grupo de email.

Calçada, viaduto e o e-SIC

Por Mateo Murillo

Em 7 de janeiro deste ano, enviamos à Prefeitura de São Paulo, via Lei de Acesso à Informação (Sistema E-Sic), solicitação de esclarecimentos sobre a recém executada ciclovia sobre o passeio existente (lado Leste) no Viaduto Nove de Julho, entre os cruzamentos com a Rua Xavier de Toledo e a Rua Santo Antônio.

No nosso entendimento, essa obra foi executada sem diálogo prévio com a sociedade e desrespeita o Plano Cicloviário 2020 (elaborado em conjunto pela CET e entidades ciclo ativistas). O mais grave é que, ao delimitar áreas compartilhadas, ou seja, onde pedestres e ciclistas são autorizados a ocupar sem a mínima largura que seria necessária para a faixa livre destinada aos pedestres, coloca-se esses usuários em sério risco, como observável na imagem abaixo.

Pedestres andam sobre faixa destinada a ciclistas em uma calçada no centro de São Paulo. Fonte: Jovem Pan

Dentre os itens questionados à prefeitura (mais especificamente à Companhia de Engenharia de Tráfego – CET) destaca-se:

  • O porquê da implantação prejudicando e estreitando o passeio público, sendo que no local temos seis faixas veiculares no mesmo sentido. Uma dessas faixas poderia abrigar uma ciclovia bidirecional.
  • A falta de transparência no encaminhamento do projeto – já em obras, que não passou por consultas públicas nem por discussão com a sociedade civil interessada.
  • Como será a solução nos pontos mais estreitos do trecho em implantação e nos cruzamentos com a Rua Xavier de Toledo e Rua Santo Antônio, além da interferência com ponto de ônibus existente.
  • Como será garantida a segurança aos pedestres, dado a condição partilhada entre ciclovia e passeio (no mesmo pavimento e nível).

Parte desses questionamentos foram debatidos na reunião da Câmara Temática de Mobilidade a Pé (CTMP), ocorrida em 22 de janeiro, cujo resumo foi publicado aqui no blog

Em 6 de fevereiro, recebemos a resposta da CET – via Lei de Acesso à Informação, o encaminhamento dois arquivos (formato .pdf) do projeto de sinalização da ciclovia e as seguintes argumentações:

  1. O Viaduto Nove de Julho possui sentido único de direção, composta por duas pistas separadas por um canteiro central. Cada pista é composta de três faixas de rolamento, sendo que as faixas adjacentes ao meio fio são dedicadas a circulação exclusiva de ônibus, restando portando duas faixas por pista para circulação dos demais veículos. A implantação de ciclofaixa ou ciclovia na pista resultaria no comprometimento na capacidade viária, em uma via estrutural de suma importância para os deslocamentos na cidade.
  2.  A calçada do Viaduto Nove de Julho possui largura variando entre 5,20 m e 6,0 m. Com a implantação da infraestrutura cicloviária partilhada, excluindo a ciclofaixa, serão mantida larguras variando entre 3,35m e 4,15m. Salienta-se, que as larguras são até superiores as existentes em outras vias da cidade com maior interesse nos deslocamentos dos pedestres, devido a característica do viário ser um viaduto, e não haver uma atratividade, portanto entendemos estar adequada a disponibilidade de área para a circulação do pedestre.
  3. No entroncamento com a R. Xavier de Toledo, foi construído um avanço para acomodação dos ciclistas, portanto não interferindo no espaço do pedestre.
  4. O cruzamento com a R. Santo Antonio, onde já existe uma infraestrutura cicloviária, a ciclofaixa do Vd. Nove de Julho é interrompida antes da faixa destinada a travessia de pedestre, também não interferindo com pedestre.
  5. Esclarece que a ciclofaixa estará posicionada adjacente a faixa de serviço, e nas proximidades do ponto de parada de ônibus, a infraestrutura cicloviária passa a ter configuração de compartilhamento com a prioridade para a circulação do pedestre conforme previsto no CTB, devidamente sinalizado com placa de regulamentação de pintura de solo com pictogramas.
  6. Esclarece ainda que a ciclofaixa do Viaduto Nove de Julho conecta as estruturas da Rua da Consolação e da Avenida São Luís à ciclofaixa da Rua Santo Antônio. São quase 300m com grande importância para a integração da malha.
  7. A opção pela colocação no passeio priorizou a segurança dos usuários. O compartilhamento dos espaços entre ciclistas e pedestres é previsto pela legislação de trânsito e os manuais de sinalização. Assim, a CET está desenvolvendo estudo para aprimorar a sinalização no local e garantir um compartilhamento seguro para todos.
  8. Por fim, ressalta que a Secretaria de Mobilidade e Transportes – SMT e a Companhia de Engenharia de Tráfego – CET permanecem atendendo a legislação vigente, que estimula o uso da bicicleta, promove a equidade no acesso e uso dos espaços viários, promove a convivência pacífica entre ciclistas, pedestres e demais modais.

A seguir, publicamos nossa réplica ao acima exposto:

Observamos que:

  • Os arquivos .pdf referentes ao projeto solicitado não possuem informações suficientes para aferir o atendimento à demanda de pedestres nem ao Plano Cicloviário vigente. Não há indicação das larguras mínimas entre a ciclovia projetada e o alinhamento dos lotes. Não há indicação das larguras da ciclovia nem das faixas de serviço. Os desenhos, na verdade, referem-se a uma diretriz para obra, para estreitamento de ciclovia (de onde subentende-se que ela foi erroneamente executada, com 2m de largura, e não com 1,65, como observado na resposta da Prefeitura).
Figura 1 – Imagem comentada do projeto de sinalização da ciclovia

Figura 2 – Imagem do projeto de sinalização da ciclovia (indicação de “apagar parte de ciclovia”)
  • A resposta recebida comenta que a largura mínima da calçada existente é de 5,20m e que a largura livre mínima resultante para a circulação de pedestres é de 3,35m. Porém, no local verifica-se que, nas proximidades da Rua Xavier de Toledo, não restam mais do que 1,50 m para a circulação de pedestres (vide imagem abaixo)
Figura 3 – Foto comentada obtida em Jovem Pan (cada ladrilho do piso mede 20x20cm)

Além disso, 5,20m – 3,35m=1,85m; como a largura útil da ciclovia indicada no projeto é de 1,65m, não sobra espaço suficiente para a faixa de serviço, o que é claramente inconsistente com o verificado no local e no projeto, onde a faixa de serviço possui mais de 1m de largura. Ou seja, o espaço de faixa livre mínima para o pedestre não corresponde a 3,35m, mas a muito menos do que isso (mesmo desconsiderando a aparente invasão de alguns centímetros do passeio pelo lote privado existente).

  • Se considerarmos os 1,50m de faixa livre mínima útil verificada no local (nas proximidades da esquina com a Rua Xavier de Toledo) e o item do Plano Cicloviário de 2020 que diz que “…a implantação de ciclofaixa … partilhada com pedestre só deve ser permitida quando… a largura destinada à circulação exclusiva de pedestre atende ao fluxo verificado no local … com volume de pedestres inferior a 160 pedestres/hora/metro…” a capacidade dessa faixa livre resultaria em 240 pedestres por hora, valor significativamente inferior aos 447 pedestres por hora pico contabilizados pela CET no local. (Esse valor nos foi informado na última reunião da Câmara Temática de Mobilidade a Pé do Conselho Municipal de Transporte e Trânsito – CMTT). Para atender esse valor contabilizado, a faixa livre de circulação deveria ter um mínimo de 2,80m (fora o afastamento lateral de paredes).
Figura 4 – Imagem de apresentação da CET realizada na última reunião da Câmera Temática
  • Quanto ao espaço para acomodação e espera dos pedestres junto aos focos semafóricos junto à esquina com a Rua Xavier de Toledo, verifica-se claro conflito da ciclovia com a segurança e conforto dos pedestres, especialmente com pessoas com deficiência e cadeirantes. Na imagem do projeto, abaixo, constata-se a brusca interrupção do partilhamento do passeio com a ciclovia para uma situação compartilhada[1], sem clareza dos locais de espera, tanto para pedestres como para ciclistas. Essa condição mostra-se notadamente crítica e perigosa aos pedestres. Além disso as áreas para acomodação/ espera dos pedestres não parecem atender um nível de serviço mínimo recomendado (de não mais do que 3,6 pessoas por m²)[2]. Elas deverão considerar tanto o fluxo de 447 pedestres/hora pico da calçada do Viaduto Nove de Julho, como o fluxo de pedestres nas vias transversais.
Figura 5 – Imagem comentada do projeto de sinalização da ciclovia

Na imagem acima também parece conflitante o espaço destinado ao rebaixamento de calçada junto à travessia de pedestres que, para vencer o desnível de 15cm da guia com 8,33% de inclinação, precisa de 1,80m de desenvolvimento; entretanto, no desenho apresenta-se com a mesma dimensão da largura da faixa de serviço. Também é preocupante a interferência com os postes existentes situados fora da faixa de serviço (vide abaixo).

Figura 6 – Indicação aproximada de poste de iluminação pública
  • Situação crítica também se observa na região da parada de ônibus. Tanto para o pedestre usuário do transporte coletivo como para àqueles que se utilizem da travessia de pedestres indicada (cuja rampa de rebaixamento para pessoas em cadeira de rodas ou com mobilidade reduzida está faltante no projeto) verifica-se claro conflito com a ciclovia, que é tratada como compartilhada com o passeio neste trecho. Este local deveria estar equipado com abrigo para os usuários do transporte coletivo, rotas táteis para pessoas com deficiência visual e novo rebaixo de calçada junto a faixa de pedestres (dado que o rebaixo existente não atende às normas vigentes de acessibilidade). A brusca interrupção da ciclovia partilhada, tornando-a compartilhada neste trecho, não evita nem resolve o conflito do modal cicloviário com os pedestres e demais infraestruturas urbanas necessárias. Pelo contrário: Dado que a maior parte da ciclovia é demarcada segregada sobre o passeio, aumenta-se o risco de acidentes especialmente nos trechos compartilhados.
Figura 7 – Imagem comentada do projeto de sinalização da ciclovia
  • Nas proximidades com a esquina da Rua Santo Antônio, apesar de aparente maior largura da calçada existente, as mesmas questões colocadas para a esquina com a Rua Xavier de Toledo se aplicam aqui (com exceção do poste fora da faixa de serviço).
  • A largura projetada para a ciclovia com apenas 1,65 m é outro fator que causa preocupação, pois, sem uma largura adequada para a faixa livre pedonal, a chance de conflito com pedestres é evidente – vide a Figura 3, acima.
  • A CET nos diz em sua resposta que “…A implantação de ciclofaixa ou ciclovia na pista resultaria no comprometimento na capacidade viária, em uma via estrutural de suma importância para os deslocamentos na cidade.” Entretanto isso por si só não justifica a não realização de estudos mais amplos que priorizem a requalificação do espaço público através do incentivo ao transporte ativo de qualidade. A contagem informada na hora pico de 570 veículos/hora pico (Figura 4, acima) está longe de ser impeditiva para elaboração de estudos justificando a supressão de uma faixa de rolamento de trechos da rótula central e/ ou estreitamento de faixas e realinhamento de bordos – de modo a proporcionar maior conforto e segurança aos pedestres e ciclistas.
  • Enfim, os questionamentos solicitados à Prefeitura continuam sem resposta, em especial quanto ao não atendimento do Plano Cicloviário de 2020 (elaborado sob coordenação da CET) no que diz respeito às condições exigidas para soluções de calçadas partilhadas e compartilhadas com o modal cicloviário. Entendemos que não sendo viável esses atendimentos, outra solução deve ser estudada para esta importante conexão cicloviária, ainda que envolva estudos mais aprofundados em consonância com a prioridade à mobilidade ativa em detrimento à priorização do transporte individual – que pela resposta recebida – ainda parece ser o foco primeiro da CET. Enquanto um novo projeto não se concretize dentro das diretrizes definidas no Plano Cicloviário vigente, sugerimos que seja avaliada uma solução de calçada compartilhada em toda a extensão do Viaduto Nove de Julho (em vez de parcialmente partilhada/ compartilhada), configurando-se uma situação com menor risco de acidentes. O compartilhamento deve ser devidamente sinalizado (art. 59 do Código de Trânsito Brasileiro – CTB) deixando clara a responsabilidade do ciclista, prevista no art. 29 § 2º do CTB.

Também esperamos que intervenções urbanas deste tipo sejam tratadas com maior transparência e clareza perante aos cidadãos e entidades que lutam por uma mobilidade mais inteligente e igualitária (cabe observar que não há registro da discussão deste projeto nas Câmaras Temáticas de Mobilidade da CMTT – a não ser após a execução da obra).


[1] Cabe observar a definição de passeio partilhado e compartilhado com ciclorrota. Em ambos, ciclistas e pedestres estão sobre a calçada, no mesmo pavimento; na situação partilhada há demarcação delimitando a faixa ciclável; na configuração compartilhada, não há demarcação para cada modal, cabendo ao ciclista dar preferência ao pedestre. Ambas situações possuem padrões de sinalização vertical e horizontal distintos.

[2] Recomendações de literatura especializada: John Fruin (Pedestrian Planning and Design) e HCM (Highway Capacity Manual – https://en.wikipedia.org/wiki/Highway_Capacity_Manual).

Mobilidade a pé em tempos de pandemia

Muitas das soluções emergenciais para reduzir a contaminação durante a pandemia de Coronavírus poderiam já existir se nossas cidades priorizassem a mobilidade ativa.

Aqui na Cidadeapé estamos ansiosos para voltar à nova rotina desse futuro que está por vir. A pandemia da Covid-19 tem exigido diariamente não só inovação, como também adaptação na forma como vivemos. As soluções são as mais diversas! Muitas delas já estavam disponíveis, porém – em condições normais – talvez demorassem anos para serem testadas e aprovadas. Outras, não só são velhas conhecidas, como há muito defendidas e solicitadas por nós. Agora que tiveram que ser implementadas em tempo recorde, a única certeza que temos é: nada será como antes.

Para nos ajudar a refletir sobre a incorporação dessas soluções à cidade e aos sistemas de circulação, listamos abaixo alguns modelos de organização que, neste momento de crise, apresentam uma grande oportunidade para quebrar paradigmas e gerar mudanças.

1. Banheiros públicos e bebedouros

A implantação e manutenção de bebedouros públicos, em áreas públicas externas, para acesso a água potável pela população, assim como a instalação e reforma dos banheiros públicos fazem parte do “Plano de Ação para Moradores de Rua” desenvolvido pela Prefeitura. Apesar de ser anterior à eclosão da pandemia, essas ações ganharam celeridade no combate às contaminações por Coronavírus entre a população em situação de rua.

Uma das pias disponíveis em praças públicas (Imagem: Prefeitura de São Paulo)

Até então, São Paulo – a maior e mais rica cidade da América Latina – tinha pouquíssimos (se não, nenhum) bebedouros públicos instalados nas ruas e praças. Um balanço feito pelo jornal americano The New York Times (2018) apontou que a cidade de Nova York tem mais de 3 mil fontes e bebedouros públicos instalados em parques e ruas. A cidade italiana de Roma também tem mais de 2 mil bebedouros em espaços de grande circulação de pessoas, enquanto Paris tem mais de 1.200 bebedouros públicos. Londres também adotou a política de instalar esses equipamentos para combater o uso de garrafas plásticas e saciar a sede não apenas de pessoas, mas também de animais de estimação em locais públicos. O mesmo ocorre no Chile.

A situação dos banheiros públicos é um pouco menos crítica, mas muito parecida. Foi só quando acendeu o alerta sobre a pandemia que paulistanos se deram conta de que há pouquíssimas possibilidades de se lavar as mãos nas ruas, além dos banheiros disponíveis em estabelecimentos comerciais. Pareceu contraditória a indicação de higienizar as mãos ao sair do transporte público quando nem mesmo os terminais de ônibus contam com sabonetes disponíveis nos banheiros.

Esses são equipamentos indispensáveis a quem se desloca a pé, não só pela própria higiene – que mais do que nunca se mostra tão necessária – mas por uma questão de bem-estar. A impossibilidade de encontrar bebedouros e banheiros públicos afasta, por exemplo, famílias com crianças de caminhadas mais longas. Além de ser uma garantia mínima de dignidade em uma cidade com quase 50 mil pessoas vivendo nas ruas.

2. Informação confiável sobre transporte público

Ninguém gosta de ficar dezenas de minutos nos pontos esperando seus ônibus chegarem, sem saber quando isso vai acontecer. Em tempos de pandemia, o que era uma preocupação com a segurança pública vira também uma preocupação com a saúde: quanto mais tempo nas ruas, maior a exposição ao vírus. Neste momento, faria muita diferença ter informações confiáveis sobre os horários das linhas, partidas e chegadas em tempo real e as mudanças na frota (que vem acontecendo com frequência, devido ao ajuste da oferta de ônibus segundo a variação da demanda). Por mais que existam informações disponíveis em aplicativos de celular, elas precisam estar também acessíveis a todas as cidadãs e cidadãos nos pontos de ônibus.

3. Ônibus movidos a energia limpa e renovável

O coronavírus é uma doença que ataca as vias respiratórias,  e pode ser letal. A emissão de poluentes agrava o risco de mortalidade dos infectados pelo vírus. Mesmo em tempos normais, segundo estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, em 2017 ao menos 9 pessoas morreram todos os dias em São Paulo devido a doenças respiratórias causadas pela poluição atmosférica. Acelerar a mudança na tecnologia veicular dos ônibus municipais para fontes limpas e renováveis seria uma grande contribuição nesse sentido, já que eles correspondem a pelo menos um quarto da emissão de material particulado. Assim como, claro, medidas para desestimular o uso do transporte individual motorizado, que também têm grande peso nessa conta. Quem sabe assim podemos voltar a ver o céu azul e limpo, como ele tem se apresentado durante a nossa “parada forçada”.

4. Áreas verdes melhor distribuídas

Falando em respirar, as áreas verdes também são muito importantes para reduzir ilhas de calor, melhorar a drenagem e evitar enchentes, além de proporcionarem espaços de convivência e atividades esportivas, ajudando a preservar a saúde física e mental dos munícipes. No entanto, na cidade de São Paulo elas têm uma distribuição muito desigual. Em pesquisa feita pela Rede Nossa São Paulo, foi perguntado a moradores da capital se eles conseguiam acessar parques ou praça em até 15 minutos a pé de suas residências. A resposta foi positiva para apenas 24% entre os que têm renda familiar mensal de até 2 salários mínimos e 41% para quem tem renda familiar mensal acima de 5 salários mínimos.

Assim, a maioria dos paulistanos tem que se deslocar por trajetos longos para acessá-las, o que se torna inviável em períodos de isolamento social. Além disso, essa má distribuição faz com que as poucas áreas verdes disponíveis se saturem, impedindo sua ocupação com as distâncias de segurança. Em cidades onde as áreas verdes estão melhor distribuídas, os cidadãos estão conseguindo manter suas atividades físicas, ainda que com restrições.

5. Cidade compacta

Esquina vazia no centro da cidade (Imagem: Vanessa Prata)

As determinações de isolamento social pedem que as pessoas só saiam de casa para acessar serviços e comércio essenciais, de preferência próximos às residências. No entanto, assim como as áreas verdes, eles são distribuídos de maneira muito desigual. Na mesma pesquisa da RNSP mencionada anteriormente, 77% dos entrevistados com renda familiar mensal superior a cinco salários mínimos afirmaram conseguir ir a mercados, feiras livres e farmácias em até 15 minutos a pé. Esse percentual cai para 52% para mercados e feiras e 44% para farmácias entre quem tem renda familiar mensal inferior a 2 salários mínimos.

O estímulo ao uso misto, conforme preconiza o Plano Diretor, é uma das maneiras de melhorar esse acesso em todos os bairros, reduzindo a necessidade de deslocamentos mais longos. Lembrando que, quanto menores os tempos de deslocamento, menor o risco de exposição ao vírus. O “lado bom” é que, durante o período de isolamento social, muitas pessoas estão descobrindo o comércio local.

6. Segurança pública

Com as ruas mais vazias, vários problemas tornam-se mais evidentes, dentre eles a segurança pública. A ausência de pessoas nos pontos de ônibus e nas vias da cidade em decorrência do fechamento de comércios, restaurantes e bares é motivo de desconforto, sobretudo nos horários noturnos.

As mulheres são as mais afetadas, pois o medo da violência urbana já faz parte da rotina de muitas delas, principalmente daquelas que dependem do transporte a pé para fazer os seus deslocamentos diários ou o utilizam como forma de chegada aos pontos de acesso ao sistemas de ônibus e metrô. A conhecida ausência de iluminação no entorno destes equipamentos e nas calçadas das ruas da cidade contribui, ainda mais, com essa condição e gera medo em quem precisa se deslocar em função de uma emergência ou trabalha em serviços essenciais que não deixaram de funcionar durante a pandemia.

Melhorar a iluminação pública e incorporar soluções para qualificar as condições de segurança pública são medidas necessárias, hoje e sempre, para preservar as pessoas e não gerar preocupações além das que temos que lidar por conta do avanço da pandemia.

7. Infraestrutura adequada para a mobilidade ativa

Por fim, mas não menos importante, é preciso fortalecer as possibilidades de deslocamento a pé e modos não motorizados. A necessidade de isolamento social reforçou a importância de calçadas bem conservadas e largas que permitem deslocamento a pé mais seguro. No momento, com a redução de carros nas ruas, a ampliação do espaço pedonal sobre o leito carroçável e redução dos tempos de espera de pedestres no semáforos seriam boas soluções temporárias.Assim como a adoção de ciclofaixas operacionais como alternativa para desafogar o transporte público, com está sendo feito em Bogotá, ambas fazendo uso de sinalização temporária

A adoção dessas medidas nos leva a refletir sobre a adoção de velocidades compatíveis com a vida, quando se fala de carros, motos e caminhões, já que menos veículos na rua não deveria significar mais riscos de atropelamento, mas na prática motorista aproveitam-se das ruas vazias para correr e avançar sinais de trânsito.

Até porque mais segurança no trânsito significa menos leitos ocupados nos hospitais, que é exatamente do que estamos precisando agora.

Estação da Luz vazia no crepúsculo (Imagem: Vanessa Prata)

Não podemos esquecer que as vias públicas suportam as mais diversas ações e interações que geram fluxos e permanências, e que quando o isolamento social acabar, nossas ruas devem ser não só locais de trânsito, mas também de encontro.

A verdade é: não dá mais para jogar a discussão dos nossos problemas para o futuro. Há um “presente sufocado” que eclodiu e dificilmente voltaremos àquilo que era antes, mesmo que ainda não saibamos exatamente o que será. Uma nova cultura está emergindo no meio do caos e ela não pode ser negada. As soluções pós-pandemia não podem se voltar para o estímulo aos deslocamentos por carro, deliveries e longas distâncias, sob pena de repetirmos tudo o que já não funcionava. Precisamos acreditar no melhor  futuro que quer emergir, olhando os desafios e aprendizados do passado e aplicando as descobertas no presente. A hora é agora!

Referências:

EnteUrbano: Como podemos rediseñar ciudades para combatir futuras pandemias?
The Guardian: Life after coronavirus pandemic
LabCidade: Pandemia e o futuro das Cidades
Renata Falzoni: Bicicleta é solução contra a crise?
Covid Responses from European Cities

Pesquisa inédita aponta principais desafios da mobilidade a pé em São Paulo

Resumo: Rede Nossa São Paulo e Ibope lançaram, no dia 06 de agosto, uma pesquisa inédita sobre mobilidade a pé na cidade de São Paulo. A Cidadeapé colaborou, junto com SampaPé, Cidade Ativa e CTMPA-ANTP, com a formulação das perguntas e definição dos objetivos da pesquisa. As três debatedoras que participaram do lançamento da pesquisa, Kelly Fernandes, Leticia Sabino e Meli Malatesta, são integrantes da Cidadeapé. Confira na reportagem abaixo, originalmente publicada no blog “SP a Pé“, os destaques dos resultados, que podem ser lidos na íntegra.

Publicado originalmente em: SP a Pé
Data: o8/08/2019
Autora: Adriana Terra

 

Moradores da Zona Sul têm mais dificuldade de acessar locais da rotina a pé

Uma cidade caminhável é boa em muitos sentidos: ajuda o fluxo urbano, o meio ambiente, melhora a qualidade de vida dos cidadãos. Entre os parâmetros fundamentais para seu desenvolvimento está a infraestrutura dos bairros: ter coisas úteis a uma distância que se possa ir andando. A ideia está na teoria da caminhabilidade do urbanista norte-americano Jeff Speck e foi citada por Letícia Sabino, diretora da ONG Sampapé! e mestre em Planejamento de Cidades e Design Urbano, no lançamento da pesquisa “Viver em São Paulo: Pedestre”. O estudo é uma parceria da Rede Nossa São Paulo com o Ibope, tem apoio do Mobcidades e elaboração junto a organizações de mobilidade a pé. Trata-se de pesquisa inédita com enfoque no pedestre, cujo dia é comemorado nesta quinta-feira (8).

Kelly, Leticia e Meli debatem os resultados da pesquisa

Na iniciativa, uma amostra de 800 pessoas (veja aqui a metodologia) respondeu a cinco perguntas-chave, entre elas para que locais vão exclusivamente a pé, sem utilizar transporte complementar. Os campeões são padaria, mercado ou feira, farmácia e pontos de ônibus, que são também os trajetos mais possíveis de serem feitos em até 15 minutos de casa. O resultado vai ao encontro de dado da pesquisa “Origem Destino” de 2017 do Metrô, que revela que 94% das viagens a pé são de curta distância.

Além de reforçar que o andar a pé está muito relacionado à “dinâmicas da vida em bairro”, como colocou a arquiteta e urbanista Kelly Cristina Fernandes em conversa após a apresentação do estudo, a pesquisa revela que o morador tem mais facilidade (menor distância a percorrer, menor tempo de deslocamento) de ir caminhando o trajeto todo conforme aumenta sua renda: 80% dos moradores que ganham acima de cinco salários mínimos, por exemplo, chega na padaria em até 15 minutos caminhando, enquanto entre moradores com renda abaixo de dois salários, o percentual cai para 56%.

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Os dados evidenciam a relação da infraestrutura — ter perto de casa comércio, transporte, cultura, parques — com o poder aquisitivo, variando ainda de acordo com a região. No centro, seguido da zona oeste, moradores conseguem ir integralmente a pé em até 15 minutos a mais lugares, em oposição às zonas sul e leste, justamente as mais adensadas da cidade, e sequencialmente zona norte. Boa parte dos moradores dessas regiões ou leva mais tempo caminhando, ou depende de outros meios para chegar ao destino. Apesar da maior dificuldade de acesso, na zona leste, por exemplo, caminha-se a mais locais da rotina do que na zona oeste.

Uma diferença alta na circulação a pé entre as regiões se dá no acesso a equipamentos culturais: no centro, 37% disseram costumar caminhar para esses locais; na zona sul, 5%. Na zona norte, apenas 2% disseram chegar em até 15 minutos a pé a algum espaço cultural. Aos interessados, vale complementar essa leitura com o recente especial do UOL TAB sobre como o brasileiro consome cultura.

Ou seja, na região central é mais fácil ter uma rotina 100% caminhável. O que não quer dizer que nessa região se ande mais a pé necessariamente. E aí é importante cruzar outra vez dado da pesquisa “Origem Destino”: 232 mil pessoas disseram fazer trajetos a pé pelo alto valor do transporte público. Caminhar é sempre é positivo — e creio que quando mais a gente caminha, mais nos acostumamos a percorrer longas distâncias –, mas é fundamental entender que em muitos casos esse comportamento é mais motivado por necessidade, enquanto deveria ser opção, escolha.

“Costumo dizer que a mobilidade a pé é um termômetro do direito à cidade”, diz Kelly Fernandes. Ela ressalta a importância da melhoria de infraestrutura como via de mão dupla na descentralização de privilégios, dando tanto condições de se sair do bairro em que se vive para acessar novos locais, quanto condições de se permanecer, aproveitar o espaço e descobrir o que existe ali — alguns dos benefícios do andar a pé, para além do deslocamento utilitário casa-destino. “Ao dar infraestrutura, a gente ativa a mobilidade a pé e ativa territórios”.

Letícia Sabino pontuou que a pesquisa ressalta um duplo sentimento do caminhar: ao mesmo tempo em que se abrem janelas para a fruição da cidade, se tornam mais visíveis os problemas dela. Talvez daí mesmo a sua potência.

CALÇADAS E SEGURANÇA A pesquisa mostrou que o maior obstáculo do pedestre em São Paulo são as calçadas: buracos, irregularidade e largura são os principais incômodos. Presenciar queda em calçadas é algo comum na rotina dos moradores (74%), e 34% disseram já ter passado pela situação. A Prefeitura anunciou em abril 400 milhões para reforma de 21% das calçadas da cidade.

Outro dado que chama a atenção é que 53% dos entrevistados já presenciaram situações de ameaças de motoristas a pedestres, e 60% assaltos ou agressão física. Falta de segurança para atravessar e iluminação aparecem como obstáculos de segurança — e esses aspectos pesam mais para mulheres (70%) do que para homens (60%). São as mulheres também que sofrem mais assédio quando estão caminhando (27% contra 14%), e 47% dos pedestres já presenciaram assédio na rua.

Para ver a pesquisa na íntegra, feita com colaboração das organizações SampaPé!, Cidade a Pé, Cidade Ativa, Corrida Amiga e Pé de Igualdade, acesse. A apresentação dela, na terça-feira (6), fez parte da Semana do Caminhar, iniciativa que está ocorrendo em algumas cidades brasileiras com debates e roteiros organizados sob o tema “Aprender Caminhando”.

Projeto de segurança no trânsito da Prefeitura de São Paulo aposta R$ 19 mi exclusivamente em comunicação enquanto ignora ações estruturais efetivas

A Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) e a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes (SMT) de São Paulo abriram consulta pública entre 18 e 29 de dezembro de 2017 sobre contratação de uma empresa para elaborar um plano de comunicação sobre segurança no trânsito da cidade. A contratação prevê orçamento de R$ 19 milhões em um ano, prorrogáveis por mais cinco, para materiais de comunicação (como vídeos e infográficos) e mídia (como posts em redes sociais), além de planejamento e mensuração dos resultados.

A Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo então apontou problemas no projeto.

  • Considerando o enxuto orçamento para uma cidade com a complexidade e o atrasado modelo de mobilidade urbana como São Paulo, qualquer investimento na área precisa ter boa gestão e ser otimizado ao máximo.
  • Comunicação é importante para esclarecer os cidadãos sobre seus deveres e direitos no trânsito. Mas para o momento atual da cidade, existem também outras ações práticas e efetivas que podem influenciar muito mais a segurança viária.

Portanto, a Cidadeapé propõe que a verba inicialmente prevista a ser 100% dedicada a comunicação seja compartilhada com outras ações igualmente ou mais efetivas:

Readequação física da geometria das vias:

  • estreitamento do leito e acalmamento de tráfego em retas demasiadamente largas e em curvas e declives que estimulam a velocidade;
  • estreitamento do leito em cruzamentos em que não há adequado espaço (ilha) de segurança para a travessia;
  • restituição dos espaços de calçada e de ilhas centrais subtraídos no passado para “abrir a curva” à velocidade de veículos motorizados (dificultando a travessia de pedestres na conversão).

Travessias adequadas para pedestres:

  • implantação maciça de travessias elevadas (“lombofaixas”), em especial em conversões e travessias sem semáforo
  • o fim das travessias em zig-zag
  • o fim das conversões sem faixa de travessia
  • meta de redução de trechos de mais de 50m sem faixa de travessia na cidade
  • readequação dos tempos de travessia considerando todas as pessoas, sobretudo idosos, crianças e pessoas com mobilidade reduzida

Redução das velocidades máximas e praticadas nas vias através de sinalização e fiscalização aleatória.

E outros.

Além disso, outras observações importantes:

O contrato deveria ser limitado em até no máximo dois anos, considerando que esta é uma ação inédita, e que provavelmente trará muitos aprendizados ao longo de sua execução.

Os materiais produzidos, além de estarem subordinadas às necessidades de um programa permanente de segurança viária, devem passar pela avaliação das esferas de participação pública da Secretaria, como o Conselho Municipal de Transporte e Trânsito e suas câmaras temáticas.

As diretrizes de conteúdo do material a ser produzido devem inspirar-se e constantemente basear-se em legislações já existentes, como o Estatuto do Pedestre de São Paulo, o Plano Municipal de Mobilidade Urbana, a Política Nacional de Mobilidade Urbana e a Lei Brasileira de Inclusão.

À empresa interessada na concorrência deve ser imposta restrição à prestação de serviço para empresas de bebidas alcoólicas ou do setor automotivo durante todo o contrato, ou cairemos num potencial e perigoso conflito de interesses.

O período da consulta pública coincidiu exatamente com as festas de final de ano, e seu conteúdo não foi compartilhado nas esferas já estruturadas de participação pública (como a CTMP e o CMTT). Isso impede uma discussão séria sobre o tema com a sociedade civil e levanta o questionamento sobre os porquês de o poder público municipal preferir publicar edital de tamanha importância de forma autocrática e não-participativa.

Para concluir: diversas cidades do mundo vêm implantando programas de segurança de trânsito chamados de Visão Zero. Eles contemplam, entre muitas outras, ações simples e efetivas de mudança no desenho das ruas, transformando esses espaços de deslocamento ao induzir motoristas a adequarem a velocidade de seus veículos e, com isso, alcançando resultados efetivos. São Paulo já tem algumas ações nesse sentido – como as áreas calmas em implantação em São Miguel Paulista –, porém avança de forma extremamente tímida e pontual.

Com base em dados citados em notícias recentes da Prefeitura, calculamos que uma verba de R$ 19 milhões seria suficiente para, por exemplo, realizar três projetos de áreas calmas em centralidades de bairros.

Urge comunicar São Paulo a necessidade de reduzir drasticamente as mortes e lesões permanentes (e diárias) que ocorrem em nossa cidade. Não basta comunicar este desejo; é preciso que ele esteja refletido em como nossas ruas instigam o paulistano a se comportar quando em deslocamento. Hoje, em sua esmagadora maioria, nossas ruas limitam a mobilidade ativa, priorizam e incentivam a velocidade motorizada e dão preferência notável ao deslocamento por automóveis – o que atende a menos de 1/3 da população da cidade.

Exigimos que a Prefeitura priorize a restituição do direito das pessoas à cidade e o redesenho das vias para readequá-las à realidade de São Paulo: uma conjunção de pessoas (e não automóveis). A comunicação deve ser utilizada, sim, mas para explicar à sociedade a importância dessas novas infraestruturas e para adestrar motoristas sobre como se comportar nelas – não para pedir “gentileza” e seguirmos lamentando nossos cotidianos crimes de trânsito como se fatalidades fossem.

Há o que comemorar?

Fomos surpreendidos, no dia 19 de setembro, com a divulgação de um vídeo nas redes sociais do prefeito João Doria, no qual ele e o secretário de Mobilidade e Transportes, Sergio Avelleda, comemoram uma suposta redução das mortes no trânsito em São Paulo. No vídeo, o prefeito anuncia: “Nós conseguimos reduzir bem o número de mortes na cidade de São Paulo”; e o secretário atribui essa suposta melhora às ações de segurança da Prefeitura. Na descrição do vídeo, aparece o seguinte texto:

Pessoal, acabam de ser divulgados os novos dados do Infosiga sobre mortes de trânsito na cidade de São Paulo. Em agosto deste ano, foram 57 óbitos contra 103 no mesmo período de 2016. Com isso, registramos uma queda de 6% nos dados consolidados entre janeiro e agosto, comparando os dois anos. Vamos continuar trabalhando em mais orientação e conscientização, para que essa tendência de queda continue durante toda nossa gestão.”

Estamos surpresos porque, até então, nem o prefeito nem o secretário haviam comentado publicamente nenhum dado publicado pelo Infosiga.

Guerra dos números

Em fevereiro, foi feita tentativa de desacreditar dados da CET, ao dizer que se adotaria dados do Infosiga para monitorar os acidentes de trânsito. (1)

Até abril, a gestão municipal se esquivou de dados da Polícia Militar, do SAMU, e da própria CET, que indicavam aumento das mortes nas marginais. (2)

Em maio, mesmo com as iniciativas Maio Amarelo, 91 pessoas morreram no trânsito paulistano. Na ocasião, a Prefeitua declarou que não comentaria dados levantados por outro órgão – no caso, o Infosiga, órgão do governo estadual. (3)

Em julho, mesmo frente à constatação grave que as mortes de ciclistas aumentaram 75% no primeiro semestre de 2017 em comparação com o mesmo período do ano passado, a Prefeitura rechaçou os dados do Infosiga. (4)

Comemorar os dados de agosto é um erro. Os dados de acidentes de qualquer tipo possuem uma variabilidade intrínseca. No trânsito, essa variação existe porque as causas dos acidentes são muitas (geometria inadequada, alta velocidade, imprudência, semáforos quebrados, má sinalização etc). Para se identificar uma tendência, é preciso analisar períodos maiores que um mês. Existir variação entre meses é normal, e somente isso não permite analisar tendência de melhora ou piora da segurança do trânsito.

Especificamente em relação ao mês de agosto, a que se refere o texto explicativo do vídeo, é preciso notar que foi o mês com maior número de acidentes em 2016, contra o menor número em 2017. O esforço de inferir melhora na segurança das pessoas que circulam em São Paulo usando dados agosto (de 2016 e 2017) é enganoso.

Registramos também com satisfação o fato da Secretaria ter finalmente concordado em utilizar o Infosiga como fonte de informação confiável. No entanto, esperamos que ele seja utilizado quando as notícias são boas ou quando são ruins. A Secretaria de Mobilidade e Transportes poderia usar os dados parciais publicados mensalmente pelo Infosiga para tomar e rever decisões, em vez de esperar mortes se arrastarem e acumularem por mais de um ano. Seguindo assim e sendo otimistas, poderíamos contar com a possibilidade real de reversão de decisões claramente equivocadas, como a remoção de ciclovias e aumento das velocidades máximas das marginais, que não ajudam a melhorar a segurança viária de ciclistas e pedestres?

Mortes de ciclistas e pedestres aumentaram

O Infosiga indica 609 pessoas mortas no trânsito de janeiro a agosto de 2017, contra 645 no mesmo período de 2016. É preciso pontuar que esses números não significam que houve uma melhora geral.

276 pedestres e ciclistas mortos entre janeiro e agosto de 2016.
301 pedestres e ciclistas mortos entre janeiro e agosto de 2017.

O aumento no número de mortes de pedestres e ciclistas em oito meses de 2017 aponta para a não melhora da segurança viária de ciclistas e pedestres. Escancara que esta cidade está longe de atingir patamares razoáveis de respeito e convivência no espaço público. Esse fato merece nossa atenção e solicitamos que a Secretaria de Mobilidade e Transporte se pronuncie oficialmente sobre isso.

A divulgação seletiva de números de trânsito de forma descontextualizada não contribui para o debate sério que precisa ser colocado. Pois, embora até aqui o número geral de pessoas mortas está menor que o mesmo período de 2016, pedestres e ciclistas estão morrendo mais no trânsito paulistano e precisamos de ações efetivas e reais para combater essa violência. Não há o que comemorar enquanto pessoas continuam morrendo no trânsito. Precisamos de menos notícias vazias e mais evidências de ação.

Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo

(1) https://glo.bo/2yHP28P

(2) http://bit.ly/2msVPPR

(3) http://bit.ly/2wkkOao

(4) https://glo.bo/2hyxvvM

 

O problema da Meta de Mobilidade Ativa no Programa de Metas de SP

Foi apresentada à Câmara Temática de Mobilidade a Pé a pesquisa de mobilidade urbana realizada para medir o indicador de referência para a meta “Aumentar em 10% a participação dos modos ativos de deslocamento até 2020” (meta 26 do Programa de Metas).

É importante destacar que, desde a primeira versão do texto do Programa de Metas, nós da Cidadeapé, Ciclocidade e SampaPé criticamos essa meta. Em primeiro lugar, porque ela junta deslocamentos ativos (bicicleta e mobilidade a pé) cujo aumento tem natureza totalmente distintas: enquanto é desejável aumentar o uso da bicicleta, aumentar os deslocamentos a pé não é algo desejável por si só, tendo em vista que muitos são realizados precariamente devido à deficiente estrutura de transporte público. Em segundo lugar, uma meta baseada em aumento de deslocamentos não indicaria necessariamente nenhuma melhora para os deslocamentos ativos. Por fim, o formato da pesquisa não é capaz de mensurar o aumento no número de bicicletas e pedestres, dada a margem de erro da pesquisa se aproxima do percentual de aumento pretendido.

Vale lembrar que, junto com organizações parceiras, estivemos presentes nas audiências públicas temáticas e regionais e entregamos sugestões ao Programa de Metas, e sempre nos opusemos a este formato de meta baseada em pesquisa de aumento da mobilidade ativa.

A pesquisa não teve participação social das câmaras temáticas, como previsto no próprio Programa. Ela foi anunciada para a Câmara Temática de Mobilidade a Pé em 8 de junho, quando foi sugerido pela SMT (Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes) que haveria um processo participativo na sua elaboração. No entanto, a coleta de dados foi iniciada cinco dias depois, sem a possibilidade de participação das Câmaras Temáticas de Mobilidade a Pé e Bicicleta, e da própria Comissão Técnica da Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos). Entendemos que isso implica um erro grave no processo, uma vez que não houve tempo hábil para as discussões sobre as características e objetivos pesquisa, dada sua importância e especificidade.

A pesquisa, feita às pressas, foi coordenada pela ANTP, que por sua vez contratou a Toledo & Associados Research para fazer o planejamento, coleta e análise de dados. O banco Itaú financiou a pesquisa que, segundo alegado pela própria SMT, só foi realizada para amparar a existência da meta 26 no Programa de Metas. A ANTP doou a pesquisa à SMT.

Após insistência da Câmara Temática de Mobilidade a Pé a pesquisa foi apresentada, e pudemos constatar que, de fato, há alguns falhas problemas incompatíveis com a mensuração do aumento da participação da mobilidade ativa nos deslocamentos urbanos. Por exemplo, a meta de aumento dos deslocamentos da mobilidade ativa ficou em 3,6%, valor percentual que se aproxima da margem de erro da pesquisa, de 2,5%, o que suscita dúvida da efetividade da mensuração.

Apesar da pesquisa trazer alguns levantamentos interessantes sobre o uso de bicicleta e sobre intenção de migração para os modos ativos, ela não identifica demandas ou presença de pessoas com deficiência.

Perdeu-se, portanto, uma oportunidade de construir junto com a sociedade civil uma pesquisa que trouxesse um índice de mobilidade ativa que indicasse a qualidade dos deslocamentos da a pé, de bicicleta e acessibilidade para todas as pessoas.

É preciso romper o paradigma tecnicista da produção de pesquisas de mobilidade urbana e contemplar efetivamente a participação e as demandas das organizações da sociedade civil. Em suma, a pesquisa existe e tem aspectos que podem ser considerados para outros estudos, mas não servirá ao fim que a SMT quer dar a ela, medir a meta de participação dos modos ativos na cidade.

Cidadeapé
Ciclocidade
SampaPé