Comentário da Cidadeapé: A artista plástica Laura Lydia, idealizadora do projeto Ervas SP, oferece à Cidadeapé um depoimento sobre a sua visão da cidade e do que o espaço urbano tem a nos oferecer.
Setembro de 2015, por Laura Lydia
O que é ser um integrante do espaço urbano e fazer parte do mecanismo centrado na produtividade? A cidade é um ambiente transformado pelo homem, para adequar o espaço às suas necessidades de produção, sociabilidade etc. As grandes cidades, no entanto, na sua maioria dominada pelo concreto – que impermeabiliza o solo, dando abrigo aos veículos motorizados – acabam por sufocar e reprimir o direito de ser e estar, de ir e vir, próprios da natureza humana. Sufoca também a flora e a fauna, que antes da construção da cidade, habitava esse espaço que originalmente era delas.
Apesar desse sufocamento causado pelos ruídos ensurdecedores dos motores e máquinas, pelo domínio dos veículos motorizados nas vias públicas, pela falta de espaços próprios para os encontros, a cidade ainda assim é abrigo e estímulo para muitas manifestações de vida e expressão sensível.
Em The Everyday (Documents of Contemporary Art), Stephen Johnstone reflete sobre o cotidiano na arte, ressaltando a necessidade de devolver dignidade às trivialidades do dia a dia. Dando visibilidade aos aspectos esquecidos da vida diária, aproxima a arte e o cotidiano, a fim de despertar um olhar crítico sobre nossa condição de vida.
A cidade é de todos, e são as pessoas que podem mudá-la. Para isso, é preciso primeiramente ser um cidadão critico. Ter o olhar atento e consciente de que aquele espaço lhe pertence e que cada um tem um papel fundamental e insubstituível em seu ambiente. Assim como na flora e na fauna, cada espécie cumpre uma função biológica que contribui para o equilíbrio do ecossistema, no ambiente antropizado poderia ocorrer o mesmo. É preciso reencontrar esse equilíbrio entre cidade e natureza, a partir dos encontros, dos intercâmbios sociais, das ações artísticas, enfim, da presença ativa no espaço urbano.
David Harvey diz que se estamos descontentes com o rumo de nossas vidas, devemos nos mobilizar pela construção de uma cidade melhor. Para ele, “a questão do tipo de cidade que desejamos é inseparável da questão do tipo de pessoas que desejamos nos tornar”.
Grande parte de minha produção artística desenvolvida a partir de 2009 é fruto do desejo de um novo tipo de cidade, de uma transformação de nossa relação com o espaço e a vida. Instigada a entender a metrópole em sua complexidade, percebi que para isso, precisava me assumir como integrante dela. A cidade se tornou meu ateliê. Caminhando pelas ruas e calçadas tudo me chama a atenção, desde as fissuras e deformações do cimento, até os encontros sociais e a relação das pessoas com o ambiente ao redor.
Grande parte da minha produção artística, então, é fruto de um olhar atento às sutilezas da vida no espaço urbano, de um olhar crítico e ávido por uma cidade menos hostil e árida, que se torne pública de fato, possibilitadora dos encontros, da contemplação, da poesia e do olhar ativo.
Imagem do post: Laura Lydia.