Semáforos e travessias: recomendações da Câmara Temática de Mobilidade a Pé

Na última quarta-feira, 16/03/2016, a Câmara Temática de Mobilidade a Pé do CMTT discutiu o problema dos semáforos e travessias para quem anda a pé em São Paulo.

Entre os membros da câmara temática temos dois conselheiros do CMTT, um representando as pessoas com deficiência e outro representando a Zona Oeste. Além disso, diversas pessoas engajadas no tema da mobilidade a pé, muitas das quais associadas da Cidadeapé.

A reunião contou com esclarecimento e participação das áreas de Planejamento e Segurança da CET.

Foi protocolado um documento com as Recomendações da Câmara Temática. Ver o texto na íntegra abaixo.

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Recomendações da CTMP para travessias e semáforos

Desde a instalação da Câmara Temática de Mobilidade a Pé (CTMP) no Conselho Municipal de Transporte e Trânsito (CMTT) temos discutido a questão das travessias e semáforos para pessoas que utilizam o viário da cidade usando o meio de transporte a pé.

Na última reunião da CTMP, em 4/2/16, fizemos uma apresentação na qual ressaltamos as seguintes questões:

  1. Segurança para o pedestre não deve significar uma perda de qualidade nos percursos a pé.
  2. A segurança do pedestre está diretamente ligada ao risco provocado pelos veículos motorizados que desrespeitam as leis de trânsito e trafegam em alta velocidade.
  3. Para melhorar a segurança é preciso respeitar a lógica de deslocamento da mobilidade a pé e reduzir o risco criado pelos veículos.
  4. Os tempos e espaços das vias devem ser compartilhados de maneira equânime entre seus diversos usuários, sejam eles pessoas que se deslocam com veículos ou com sua própria energia – hoje esse compartilhamento ainda está muito desigual, em detrimento de quem anda a pé: o meio de transporte mais utilizado na cidade e que deveria ter a prioridade segundo leis federais e municipais.
  5. A única maneira de reduzir lesões e mortes no trânsito é fazendo uma mudança de cultura, na sociedade e nos órgãos de trânsito: reduzir velocidades e fiscalizar e multar, em particular aquelas infrações relacionadas à Mobilidade a Pé.

Levando essas questões em consideração, a CTMP vem por meio deste ofício propor sugestões quanto a esse importante aspecto da mobilidade a pé: a travessia.

Semáforos para pedestre

Necessidade de foco para pedestre

O foco para pedestre em geral não é necessário em cruzamentos simples da cidade. Nesses cruzamentos, basta os veículos respeitarem alguns artigos do CTB, notadamente: o parágrafo único do artigo 38 do CTB, de “ceder passagem aos pedestres e ciclistas, aos veículos que transitem em sentido contrário pela pista da via da qual vai sair, respeitadas as normas de preferência de passagem”, art. 44 e art. 70.

Assim, o tempo é compartilhado de maneira sensata, ou seja, o pedestre terá o mesmo tempo para atravessar que os veículos têm para seguir.

Entendemos que quando se instala foco para pedestres, retira-se deles a prioridade garantida pelo Código. A partir do momento em que há foco, o veículo não deve mais ceder passagem e o pedestre deve passar a obedecer às indicações das luzes.

Entretanto, para garantir o respeito ao direito de passagem nas faixas não semaforizadas, é preciso investir fortemente em ações de educação, capacitação e fiscalização.

Tempos de travessia e espera

Quando há necessidade de foco para pedestre, é preciso que os tempos sejam melhor distribuídos entre os diversos usuários da via. É necessário que os pedestres possam atravessar a via com tranquilidade e chegar ao outro lado sem afobação e com segurança.

Entendemos que Prefeitura Municipal de São Paulo e a CET estão promovendo o Programa de Proteção à Vida que, entre outras medidas, altera, gradativamente, em toda a cidade, os tempos de verde e vermelho piscante dos semáforos de pedestres. O verde, com o mínimo de 5 segundos, indica aos pedestres que a travessia pode ser iniciada. O vermelho piscante tem a duração suficiente para se efetuar a travessia completa, com conforto e segurança.

A CTMP discorda dessa programação e recomenda:

  1. Tempo de verde suficiente para que a maioria dos usuários (incluindo idosos, crianças e pessoas com mobilidade reduzida permanente ou temporária) possam atravessar a via de um lado até o outro. Ou seja, que o foco permaneça verde por, no mínimo, 15 segundos para vias de 10 metros.

Justificativa: Do ponto de vista de quem anda e está compartilhando a via com outros usuários, 5 segundos é um tempo simplesmente injusto e insuficiente, até mesmo para iniciar a travessia. Pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida mal chegam a pisar no leito carroçável, após esperar que todos os veículos de fato tenham parado, verificar que há rampa, que não há outras pessoas e obstáculos na faixa, e o vermelho já está piscando. A efeito de comparação, pessoas dirigindo automóveis têm pelo menos 30 segundos e as pessoas andando a pé apenas 5 segundos.

2. O Vermelho piscante poderia ser verde piscante.

Justificativa: o vermelho é a cor que indica que não se pode atravessar. O verde é a cor que indica que se pode atravessar. Além de ser coerente indicar com a mesma cor que a travessia pode ser completada, mas que não pode ser iniciada, é muito mais amigável. O foco vermelho piscante provoca um estresse desnecessário ao pedestre e tem um efeito “deseducativo”, pois o estimula a atravessar com pressa, sendo que realizar a travessia completa e com calma é seu direito garantido por lei.

3. Tempo de espera para atravessar não deve ser superior a 24 segundos (CET, NT216, 2011).
Justificativa: Um tempo muito excessivo é desconfortável, injusto e induz ao desrespeito à sinalização. Para diminuir o tempo de espera, é recomendável evitar o terceiro ciclo, que normalmente é introduzido para eliminar o compartilhamento entre pessoas e carros nas conversões. O respeito à preferência nas conversões, por sua vez, deve ser garantido por ações educativas e de fiscalização.

Cálculo de programação semafórica

Defendemos que as metodologias utilizadas para calcular a programação semafórica para veículos e para pedestres deveriam ser equivalentes, considerando o fluxo de pessoas em ambos os casos.

Hoje, a programação para veículos leva em conta a quantidade de veículos que passam no local, enquanto a programação para a travessia de pedestres considera a velocidade de um pedestre hipotético (e em geral em boa forma, que não tem problema de mobilidade, não está dando a mão para os filhos, ou empurrando um carrinho de bebê ou de compras, não usa bengala nem cadeira de rodas) e a distância da travessia.

A CTMB recomenda que se use uma metodologia para o cálculo de programação semafórica para pedestre que leve em conta o fluxo de pedestres na via e o tempo que todo o pelotão de pedestres que estava esperando leva para completar com segurança e tranquilidade a travessia da via toda.

Faixas e travessias

A lógica da caminhada da pessoa que se desloca a pé é o deslocamento natural que ela faz para realizar o trajeto de “A” até “B”. De acordo com o Manual de sinalização urbana da CET (2006, p. 4) conceitua-se linha de desejo como “a intenção de trajeto de travessia que o pedestre faz para atingir determinado ponto de seu interesse”. No entanto, os dispositivos e a terminologia em si de “linha de desejo” adotados pela mesma CET necessitam ser repensados e revistos.

Sobre a terminologia, a “linha de desejo” é, na verdade, a “linha de direito”. Em outras palavras, é a linha lógica de travessia que o pedestre faz para atingir determinado ponto de seu interesse. Sobre os dispositivos, seguem detalhados nos pontos a seguir.

Faixas em ziguezague e descontínuas

Muitas travessias obrigam os pedestres a caminhar em ziguezague, na diagonal ou a dar a volta completa em um cruzamento para chegar a seu destino. Por contrariar a lógica linear da caminhada, esses desenhos de travessias induzem-no a andar mais rápido para não ter que aguardar mais ciclos ou ainda desrespeitar a sinalização. Impor caminhos contra-intuitivos às pessoas que se locomovem com sua própria energia, mesmo quando feito com o objetivo de proporcionar uma rota mais segura, acaba por expô-las a mais riscos. Para a garantia da segurança dos pedestres, é imprescindível priorizar a linearidade das travessias.

Gradis

A localização e a extensão do gradil devem ser determinadas não só em função de estudos de engenharia, mas devem levar em conta também a linha de direito, ou seja, a linha lógica de travessia que o pedestre faz para atingir determinado ponto de seu interesse.

O uso de gradis em vários locais acaba por aumentar o deslocamento das pessoas a pé e contraria, em muitos casos, a lógica e a eficiência da caminhada, fatores que devem ser considerados na alocação desses dispositivos de segurança. Inúmeros gradis devem ser removidos na cidade de São Paulo. Além de impor um caminho menos lógico aos pedestres, os gradis induzem-nos ao desrespeito aos caminhos determinados, aumentando ainda mais a vulnerabilidade de quem anda a pé.

Por fim os gradis não resolvem o problema da insegurança, pois outras pessoas podem também precisar se situar nestes locais a pé (como concessionários operando em obras no viário, ou motoristas com problemas mecânicos), com isso o problema de velocidade e insegurança persiste e no caso da travessia apenas é adiado ao próximo ponto.

Assim a solução de insegurança deve ser resolvida atacando o problema que gera a insegurança – na maior parte dos casos a alta velocidade e local com conflito —  e não afastando o problema. Mudanças de geometria serão extremamente importante, inclusive em casos onde a visibilidade do motorista é afetada por problemas externos, a velocidade do carro deve ser reduzida na medida do necessário, e a visibilidade deve ser garantida, com sinalização e alertas também na medida do necessário.

Faixas junto a pontos de ônibus

Parece evidente que muitas travessias ocorrem próximas aos pontos de ônibus. Boa parte da mobilidade a pé é decorrente deste polo. Tanto as pessoas que descem como as que sobem em um ônibus percorrem um trajeto a pé para chegar ou sair de um local de destino. Entretanto muitas travessias parecem não levar em conta que pontos de ônibus são polos de atração de pedestres, e são posicionadas a mais de 50 metros desses locais. Posicionar pontos de ônibus no meio da quadra, enquanto as travessias “oficiais” são nas esquinas, converte-se em verdadeiras armadilhas para quem anda a pé – e sempre tem pressa de chegar ao ponto de ônibus, porque não há informações suficientes disponíveis sobre quando vem o próximo veículo que possa atendê-los.

O conceito antigo da Engenharia de Tráfego de veículos de que pontos de ônibus na esquina atrapalham o fluxo de automóveis na conversão, não atende mais ao conceito atual de mobilidade da “Engenharia de Transporte de Pessoas”.

Conclusão

A CTMP entende que essas mudanças não podem ocorrer de uma hora para a outra. É necessário discutir, ter dados e planejamento. Assim propomos três ações mais imediatas para subsidiar essas discussões:

1.        Laboratório de travessia

Sugerimos escolher dois cruzamentos importantes da cidade e neles aplicar metodologias de contagem de pedestre, nível de serviço, usos, percursos e fluxos de pessoas a pé. Câmeras de gravação em tempo real seriam muito úteis para complementar os estudos.

Após as análises e com base nos dados reais de uso das vias, testar possibilidades de sinalização e geometria da via, como as sugeridas acima: aumento do tempo de travessia, diminuição da espera, faixas seguindo a linha do desejo, etc.

Sugerimos um cruzamento em vias com diversas faixas e modais (como na Paulista com a Consolação por exemplo) e outro em uma alça de ponte.

2.        Departamento de mobilidade a pé na CET

A exemplo do departamento de planejamento cicloviário, o departamento de planejamento da rede de mobilidade a pé seria muito útil para se pensar e planejar esse modo de transporte em toda a sua complexidade. A mobilidade a pé não pode ficar limitada à questão da segurança do pedestre. Deve ser considerada como um sistema de transporte, como rede que realmente é.

Trata-se de uma rede que deve ter linearidade, acessibilidade e conectividade; capaz de garantir os deslocamentos das pessoas que fazem viagens exclusivamente a pé, mas também daquelas que usam os sistemas de transporte coletivo, bicicletas e mesmo transporte individual.

A ideia é mudar o enfoque, inverter a lógica e considerar a Mobilidade a Pé como componente do sistema de mobilidade urbana, e não um problema para os outros modos de transporte.

Se há um departamento de planejamento cicloviário, com mais de dez funcionários, para planejar um meio de transporte de grande importância, mas que conta com menos de 5% de uso hoje na cidade, seria lógico que o modo de transporte mais utilizado na cidade (33%, considerando apenas as viagens exclusivamente a pé; e 85%, considerando as outras viagens que têm um componente a pé – ônibus, metrô trem, etc, segundo a Pesquisa OD Metrô 2007), o a pé, contasse com um verdadeiro departamento também, com capacidade para incidir no planejamento da mobilidade de toda a cidade.

3.        Educação e fiscalização

O Código de Trânsito Brasileiro garante muitos direitos aos pedestres, em especial nas travessias. Entretanto, especialmente no que diz respeito a travessia, muitos deles parecem esquecidos pelos cidadãos comuns – tanto pelos que deveriam respeitar a sua preferência, os motoristas, quando os próprios pedestres que não se dão conta de que têm o direito de atravessar com conforto, calma e segurança.

Por isso recomendamos ações imediatas que visem:

  • por um lado, o empoderamento das pessoas que andam a pé, informando-as sobre seus direitos;
  • por outro lado, a fiscalização da concessão da preferência aos pedestres por parte dos condutores, em especial nas conversões e faixas de segurança não semaforizadas.

É importante ressaltar que essas ações de educação e fiscalização não devem incorrer no erro de responsabilizar os pedestres pela sua própria segurança, em observância ao artigo 29 do CTB, que dispõe que os condutores de todos os tipos de veículos são responsáveis pela segurança de quem anda a pé. Outrossim, como já mostramos aqui, enquanto as travessias não respeitarem as necessidades básicas dos pedestres e não obedecerem à lógica da rede de mobilidade a pé, ações que visem educar os pedestres a respeitar os caminhos pré-determinados serão inócuas.

 

Agradecemos a oportunidade de discutir este tema de grande importância para todas as pessoas que circulam na cidade de São Paulo. Os integrantes da Câmara Temática de Mobilidade a Pé (CTMP) se colocam à disposição para possíveis esclarecimentos.

Travessia Abilio Soares. Foto: Marcelo Cury

 

 

 

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