Qual o futuro das mortes no trânsito em São Paulo?

O prefeito Ricardo Nunes abandonou a meta de redução de mortes no trânsito, sem justificativas plausíveis, conforme apresentado na atualização do Programa de Metas (PdM), publicada em 18 de abril de 2023. Neste contexto de crescimento de mortes em acidentes de trânsito, conforme os resultados divulgados com atraso no Relatório Anual de Acidentes de Trânsito de 2021 — em pleno mês de maio, período em que o poder público chama a atenção para a segurança viária e os altos índices de acidente de trânsito — nos manifestamos com profunda indignação.

1. A importância do Programa de Metas (PdM)

O Programa de Metas (PdM) é um instrumento previsto da Lei Orgânica do Município de São Paulo e prevê que o Prefeito deverá apresentar as ações estratégicas, os indicadores e metas quantitativas para cada um dos setores da Administração Pública Municipal, Subprefeituras e Distritos da cidade, observando, no mínimo, as diretrizes de sua campanha eleitoral e os objetivos, as diretrizes, as ações estratégicas e as demais normas da lei do Plano Diretor Estratégico.

A legislação prevê que o PdM deverá ser apresentado até 90 dias após a posse do Prefeito, que deverá ser amplamente divulgado e submetido ao debate público mediante audiências públicas.

Esse instrumento foi instituído por meio de uma emenda à Lei Orgânica articulada pela Rede Nossa São Paulo, em 2008, e se tornou um importante instrumento de planejamento e transparência pública.

2. Sobre alterações da meta 39 – Reduzir o índice de mortes no trânsito para 4,5 por 100 mil habitantes.

Um ponto tem gerado questionamentos por parte da sociedade civil que acompanha o andamento das metas e ações da Prefeitura. A Lei Orgânica prevê que o Programa de Metas poderá ser alterado ao longo do seu curso:

§ 4º O Prefeito poderá proceder a alterações programáticas no Programa de Metas sempre em conformidade com a lei do Plano Diretor Estratégico, justificando-as por escrito e divulgando-as amplamente pelos meios de comunicação previstos neste artigo.

As alterações realizadas, porém, têm sido realizadas com pouca transparência e sem nenhum debate com a sociedade. No mês de abril o Prefeito Ricardo Nunes (MDB) apresentou o documento contendo as alterações programáticas relativas ao PdM 2021-2024 (ALTERAÇÃO PROGRAMÁTICA – link)

Entre as mudanças realizadas, consideramos que a mais significativa diz respeito ao abandono da meta de redução de mortes no trânsito.

No PdM original contava a meta 39 – Reduzir o índice de mortes no trânsito para 4,5 por 100 mil habitantes.

O andamento da meta mostra que a gestão Ricardo Nunes não conseguiu avançar. Tanto os números do balanço do PDM quanto o Relatório da CET apontam uma piora do cenário.

Os dados apresentados no Programa de Metas

Valor base (dez/2020) – 6,00

Dezembro/2021 – 6,41

Maio/2022 – 6,24

Já o relatório Acidentes de Trânsito CET – 2021 reportou os seguintes valores:

2020 – 6,56

2021 – 6,64

Existe uma diferença entre os valores, dado que o relatório da CET consolida dados posteriores à data de divulgação do PDM.

Mas, ao invés de apresentar ações mais efetivas que tivessem um impacto efetivo, o Prefeito simplesmente abandonou a meta, substituído por uma nova redação: Realizar 18 ações para a redução do índice de mortes no trânsito.

3. Alguns pontos a serem destacados

  • Falta de transparência e debate público

No documento que apresenta a alteração programática, a Prefeitura apresenta a mudança dessa meta como uma “alteração”, em vez de apresentar como uma “exclusão”.

Sob qualquer aspecto analisado fica evidente que a nova meta proposta não é compatível com a redação original. Os 18 itens mencionados já constavam na meta original, como as chamadas linhas de ação.

Além de “esconder” o abandono da meta, todo o processo é feito sem nenhum processo de participação. Se o PdM original é submetido ao debate público, a revisão programática é feita de maneira totalmente unilateral.

Vale destacar que no momento em que a Prefeitura divulgou a revisão, estava em andamento a realização de audiências públicas para discussão da Lei Orçamentária Anual de 2024. Por que a Prefeitura não aproveitou a oportunidade para debater com a população essas alterações no principal instrumento de planejamento do município?

  • Ausência de justificativa e critérios técnicos

Conforme mencionado anteriormente a alteração programática está prevista em lei. No entanto, a lei obriga que as alterações sejam justificadas por escrito.

Não há, nos documentos apresentados, qualquer justificativa para a alteração da Meta. Nas páginas 24, 25 e 26 a meta 39 simplesmente não é mencionada.

  • Redução de mortes não é prioridade

No documento da alteração programática a própria gestão diz que “Com sua publicação, a sociedade civil fica ciente das prioridades e atividades em curso por parte do poder público.“ Dada as alterações realizadas é possível afirmar que a redução de mortes não é prioridade da atual gestão.

A nova redação da meta diz respeito a 18 ações que já constavam no PdM original como iniciativas. Ou seja, no geral, a Prefeitura pretende continuar fazendo a mesma coisa que fez nos últimos dois anos, sendo que os resultados são negativos.

Mais grave ainda é que, ao analisarmos em detalhes as iniciativas, temos que 4 dessas já foram atingidas nos dois primeiros anos e não tiveram os seus quantitativos ampliados na revisão.

Iniciativas da Meta 39 e valores realizados (dezembro/2022):

i) Implantar 100 mini rotatórias, com o objetivo de induzir o desenvolvimento de menores velocidades pelos veículos – 92 unidades implementadas

j) Implantar 2.800 novas faixas de travessia para pedestres –  5.635 unidades implementadas

l) Implantar ou ampliar 300 Frentes Seguras (boxes de espera) em semáforos para aumentar a segurança de motociclistas e pedestres – 416 unidades implementadas

o) Reduzir a velocidade máxima regulamentada de 50 km/h para 40 km/h em 24 vias – 24 vias alteradas

  • Incompatibilidade com outros instrumentos de planejamento

O documento contendo a alteração programática menciona:

As alterações no Programa de Metas preservam as diretrizes estabelecidas pelo Plano de Governo eleito em 2020, a conformidade com o Plano Diretor Estratégico, a integração com o Plano Plurianual 2022-2025 e a compatibilização com os demais documentos de planejamento público de médio e longo prazos, como os relacionados às políticas setoriais.

No entanto, vemos que a alteração vai na contramão das diretrizes estabelecidas em dois importantes instrumentos de planejamento. 

O Plano de Segurança Viária (Decreto nº 58.717, de 17 de abril de 2019), estabelece no Artigo 2o, Inciso I, que dentre seus os objetivos está “I – propiciar a redução do número de mortes e lesões graves e promover a segurança do trânsito.”

No Plano Plurianual 2022-2025 (Lei nº 17.729 de 28 de dezembro de 2021), consta como indicador de acompanhamento a redução de mortes no trânsito, vinculado ao Programa 3009 – Melhoria da Mobilidade Urbana Universal.

4. Outras alterações no tema de mobilidade e incompatibilidade com o Plano Diretor

Além da redução da Meta 39, foram realizadas outras alterações:

Meta 45 

De: Implantar corredores de ônibus no modelo BRT (Bus Rapid Transit) na Avenida Aricanduva e na Radial Leste.

Para: Viabilizar a implantação de corredores de ônibus no modelo BRT (Bus Rapid Transit) na Avenida Aricanduva e na Radial Leste

Meta 47 

De: Implantar quatro novos terminais de ônibus. 

Para: Viabilizar a implantação de quatro novos terminais de ônibus.

Meta 49 

De: Aumentar em 420 quilômetros a extensão de vias atendidas pelo sistema de ônibus. 

Para: Meta excluída 

Meta 83 

De: Implantar 200 quilômetros de novas faixas azuis para motociclistas (Programa Faixa Azul), com foco na promoção da segurança viária.

Para: Nova meta

O conjunto de alterações está em contradição com o Plano Diretor:

Plano Diretor Estratégico 2014

Art. 6º A Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico se orientam pelas seguintes diretrizes:

XI – prioridade no sistema viário para o transporte coletivo e modos não motorizados;

Art. 7º A Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico se orientam pelos seguintes objetivos estratégicos:

IV – expandir as redes de transporte coletivo de alta e média capacidade e os modos não motorizados, racionalizando o uso de automóvel;

Art. 227. Os objetivos do Sistema de Mobilidade são:

I – melhoria das condições de mobilidade da população, com conforto, segurança e modicidade, incluindo os grupos de mobilidade reduzida;

III – aumento da participação do transporte público coletivo e não motorizado na divisão modal;

VI – promoção do desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade, incluindo a redução dos acidentes de trânsito, emissões de poluentes, poluição sonora e deterioração do patrimônio edificado;

Art. 228. Os programas, ações e investimentos, públicos e privados, no Sistema de Mobilidade devem ser orientados segundo as seguintes diretrizes:

I – priorizar o transporte público coletivo, os modos não motorizados e os modos compartilhados, em relação aos meios individuais motorizados;

O Programa de Metas foi uma importante conquista da Cidade de São Paulo, tendo se tornado uma referência para diversos municípios do país e internacionalmente. Para que ele possa continuar mantendo a finalidade para o qual foi criado: de estabelecer um compromisso entre o Prefeito eleito e a população, é preciso que as “alteração programática” não seja utilizada como subterfúgio para realizar mudanças profundas nesse compromisso sem o mesmo nível de transparência.

Em relação ao tema da segurança no trânsito, não podemos aceitar que um tema tão importante como um dos principais motivos de mortes violentas deixe de ser um objetivo a ser perseguido pela gestão do Prefeito Ricardo Nunes, substituindo-as por ações pontuais e insuficientes.

Continuaremos defendendo que nenhuma morte no trânsito é aceitável!

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