Encerramos o ‘mês da mobilidade’ recebendo a triste notícia de que a Ação Civil Pública (STF: RE 1331777/SP) movida pela Ciclocidade em 2017 – no contexto do aumento das velocidades das Marginais Pinheiros e Tietê, proposta pelo então prefeito João Dória, seu vice Bruno Covas (em memória) e assinada pelo então secretário de mobilidade e transportes, Sérgio Avelleda – foi julgada e rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal.
Depois desses longos anos com diversos recursos e agravos internos em todas as instâncias possíveis, caminhos sugeridos pelo escritório DBML Advogados que representou a Associação no processo, infelizmente perdemos mais uma batalha na tentativa de criar precedentes que pudessem reconhecer que políticas de estímulo às altas velocidades nas ruas e avenidas das cidades são políticas de morte e que fogem à discricionariedade do agente público! Todos sabemos, com base na ciência, nas experiências internacionais, dados e evidências concretas que quanto maiores as velocidades, maiores as chances de letalidade. “Acidentes” (ou sinistros) de trânsito estão hoje entre as principais causas de mortes no Brasil, principalmente de crianças e jovens, ocupando a maior parte dos leitos de UTI no SUS. É uma chacina silenciosa, pois se é recorrente, não é acidente.
“Percorremos com a Ciclocidade um inglório, mas resiliente e, em parte, vencedor caminho. Vencedor porque pautamos a importância da segurança viária, da verdade estatística sobre deslocamentos a pé nas marginais. Contamos aos interessados que são milhares de pedestres nas Marginais (na época, quase 20 mil por dia em apenas um trecho da Marginal Pinheiros). Pessoas que foram colocadas ali por decisão do Poder Público que escolheu criar pontos de ônibus no meio da Marginal, que colocou estações de trem, escolas, aparelhos públicos, mas que não garante as condições de deslocamento para a mobilidade ativa”, afirmou Juliana Maggi, sócia do DBML Advogados.
“Pedestres e ciclistas circulam nas Marginais Pinheiros e Tietê, isso é fato. E, por isso, as rodovias urbanas são uma aberração social, uma cicatriz, espaços que precisam de requalificação, não só para garantir a segurança viária de todas as pessoas, mas para que o modelo de cidade baseado no automóvel seja revisto com urgência, inclusive porque ao falarmos das Marginais precisamos nos esforçar para lembrar que ali existem rios urbanos importantes, que no contexto das crises ambientais, climáticas e hídricas deverão ser também reconquistados pela sociedade que os relegou a esgotos a céu aberto. Esse modelo de vida centralizado no privilégio ao carro está, em todos os aspectos, fadado ao fracasso”, declarou Aline Cavalcante da Ciclocidade.
Por fim, nós da Ciclocidade lamentamos profundamente a decisão do STF e mesmo tendo que arcar com a multa do processo, não vamos desistir – continuamos trabalhando com base na vida e na ciência. Neste momento a Ciclocidade está, junto com a UCB, tentando incidir na redução de velocidades em vias urbanas e na regulamentação da fiscalização por velocidades médias com alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Seguimos firmes em luto e em luta por todas as vítimas do violento trânsito brasileiro que mata e mutila vidas todos os dias. Junte-se a nós!
Agradecimentos:
DBML Advogados Cidadeapé Instituto dos Arquitetos do Brasil – SP União dos Ciclistas do Brasil – UCB Rede Nossa São Paulo Corrida Amiga Aromeiazero Cidade Ativa IDEC
…e a todos que apoiaram e mantêm vivas as esperanças de um futuro sustentável para nossas cidades.
Dados da Prefeitura mostram fracasso no combate à violência no trânsito
É com consternação que recebemos a notícia de que o número total de mortes no trânsito em 2020 cresceu na cidade de São Paulo em relação ao ano anterior, mesmo com a redução significativa do volume de pessoas circulando na maior parte do ano devido à pandemia da Covid-19. Este é mais um reflexo da falta de medidas enérgicas e efetivas por parte da gestão municipal com vista a reduzir a violência no trânsito.
Quando há menos veículos nas ruas, com muito espaço para circulação e uma fiscalização insuficiente, motoristas podem se sentir motivados a correr mais com seus veículos e desrespeitar sinais de trânsito. Já havíamos externado a preocupação com essa possibilidade logo no começo das medidas de isolamento social uma vez que quanto maior a velocidade no trânsito, maior a letalidade das ocorrências. O “Relatório Anual de Sinistros de Trânsito” de 2020, produzido pela CET, mostra que o total de mortes aumentou apesar da redução no número total de ocorrências e de vítimas. Isso significa que, mesmo com menos pessoas e veículos envolvidos em ocorrências, elas foram mais fatais.
Relação entre velocidade e fatalidade nos atropelamentos
Fonte: WRI Brasil
As principais vítimas dessa inação foram os motociclistas, que se destacaram nas ruas pela essencialidade das suas funções durante o isolamento social. Já para os pedestres, como era esperado por haver uma redução significativa de circulação de pessoas principalmente nas áreas centrais, houve uma queda significativa nas mortes por atropelamento – 341 para 308. No entanto, a redução no volume de mortes (9,7%) foi bem menor que a redução de atropelamentos (70%), o que indica que o índice de fatalidade também foi alto.
Um conjunto de erros
Desde o início da década de 2010, a cidade de São Paulo conseguiu reduzir significativamente o número de mortes no trânsito com medidas como o aumento da fiscalização e acalmamento de tráfego. No entanto, o ritmo dessa desaceleração reduziu a partir de 2016 e em 2018 houve, pela primeira vez, uma reversão dessa tendência, como pode ser visto no gráfico.
Série Histórica de mortes no trânsito na última década
Uma das medidas mais impactantes sobre a segurança no trânsito foi adotada pelo então prefeito João Dória Jr. justamente em janeiro de 2017 quando anunciou o aumento dos limites de velocidades nas marginais Pinheiros e Tietê, a despeito dos alertas de técnicos da área e das evidências científicas. Desde então, a Prefeitura reluta em reconhecer o erro dessa ação e voltar atrás nela, que se mostrou desastrosa para a segurança no trânsito, uma vez que as ocorrências e mortes aumentaram nessas vias desde então. Em 2021, a Prefeitura resolveu adotar a redução de limites de velocidade em 24 vias da cidade, mas ainda deixando as marginais de fora. Isso aponta para a contradição de o governo reconhecer os efeitos positivos da redução de velocidade, ao mesmo tempo em que se recusa a aplicar a medida em duas das vias mais letais de São Paulo.
Além de não reconhecer seu erro em revogar uma medida defendida pelo consenso científico, a Prefeitura perdeu uma oportunidade de avançar com ações para aumentar o espaço destinado à mobilidade ativa e ao transporte público durante o período de redução de carros nas ruas. Por medo de contrariar seu eleitorado, a gestão deixou de fazer o que dezenas de cidades pelo mundo ousaram, e que poderia ter salvo vidas, já que o imenso espaço destinado aos carros particulares, combinado à fiscalização fraca, estimula que os motoristas transitem em velocidades incompatíveis com a vida.
Para retomar a redução da violência no trânsito paulistano
Na aviação, cada acidente aéreo implica um processo sistemático de investigação das causas (geralmente uma conjunção de fatores), que sempre resulta em providências preventivas em construção, correções, operação, entre outros, que melhoram constante e continuamente a segurança deste segmento de transporte. Assim, na aviação temos um método sistemático e progressivo orientado por resultados. Em contraste, o programa municipal de segurança viária chamado Vida Segura, que tem como objetivo zerar os acidentes de trânsito (ainda que a médio prazo), não vem apresentando um método sistemático que tenha resultados concretos e mensuráveis, sendo bastante sujeito aos ventos políticos do momento.
Se nenhuma morte ou lesão grave no trânsito é aceitável, como preconiza o princípio de Visão Zero adotada pelo Prefeitura, a CET tem a obrigação de que cada uma destas ocorrências, seja sistematicamente analisada, tenha suas causas apuradas e que resulte em providências. Como melhorias preventivas no local da ocorrência, revisão de normas operacionais e na sinalização. Além disso, é preciso assimilar as lições aprendidas com as ocorrências de maneira que, em outros locais e situações de configuração semelhante pela cidade, sejam adotadas as mesmas medidas.
Até agora, as intervenções de segurança viária têm sido realizadas em um ritmo que não dá conta de aplacar a violência no trânsito, derivada, entre outros fatores, de um acúmulo de políticas que priorizam a fluidez no trânsito em detrimento da segurança. Em substituição, as ações preventivas precisam ser realizadas por toda a cidade, com status de prioridade número um dentro das ações de mobilidade. Não é aceitável que se realizem intervenções apenas de forma reativa, deixando as estatísticas patinando em números nada satisfatórios e sem melhoria contínua. Sem olhar para a cidade inteira e sem adotar políticas preventivas, a nossa política de segurança viária continuará sendo mitigar mortes onde já ocorrem ao invés de prevenir e salvar vidas de forma mais assertiva e ampla.
por Estêvão Bertoni, publicada originalmente no Nexo Jornal Aumento de velocidade nas marginais reverteu queda no número de mortes no trânsito. Para pesquisadores, pressão por políticas de segurança fez discurso da prefeitura arrefecer
O trânsito foi um tema crucial nas eleições municipais de São Paulo em 2016. Naquele ano, João Doria (PSDB) se elegeu prefeito no primeiro turno com o slogan “Acelera SP” e a promessa de aumentar os limites de velocidade nas marginais nos primeiros dias de sua gestão. Ele criticava a existência de uma suposta “indústria da multa” na cidade e defendia conceder as ciclovias à iniciativa privada.
Em 25 de janeiro de 2017, no aniversário de São Paulo, Doria cumpriu o que havia prometido durante a campanha e ampliou as velocidades nas marginais, numa decisão que não encontrava lastro em evidências.
MUDANÇA NAS VIAS
(Infográfico: Nexo Jornal)
Estudos citados em relatório de 2018 da OMS (Organização Mundial de Saúde) apontam que a cada 1% de aumento na velocidade permitida para a circulação de carros, o risco de ocorrerem acidentes fatais sobe em 4%. Já uma redução de 5% na média de velocidade pode diminuir o número de mortes em 30%. As pesquisas mostram ainda que um pedestre em idade adulta atingido por um carro a menos de 50 km/h tem menos de 20% de chances de morrer, mas se o veículo estiver a 80 km/h, a probabilidade de o atropelamento terminar em morte vai a 60%.
Como consequência do aumento da velocidade nas marginais, os jornais registraram já em junho de 2017 que, apenas nos três primeiros meses da medida, as mortes no local aumentaram 43% em comparação com o mesmo período do ano anterior. Pesquisadores apontam que a política de “acelerar” São Paulo de Doria, na verdade, freou uma tendência de queda em acidentes e mortes no trânsito da capital paulista.
Ao mesmo tempo, o discurso que levou Doria à vitória, segundo especialistas da área, acabou arrefecendo já na gestão de Bruno Covas (que assumiu a prefeitura no início de 2018 com a saída do prefeito para concorrer ao governo do estado de São Paulo) devido à pressão da sociedade civil por políticas que garantissem mais segurança no trânsito.
As medidas da gestão Haddad
Quando Doria assumiu a prefeitura, em janeiro de 2017, a redução das velocidades nas marginais era recente. A medida havia sido implementada em 20 de julho de 2015 na gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT).
O efeito da redução foi imediato. Nas seis primeiras semanas de implantação da medida, o número de acidentes com vítimas (mortos e feridos) nas marginais caiu 27% em comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo um balanço da CET (Companhia de Engenharia de Tráfego). O número total de acidentes no local também diminuiu de 373 para 317. E houve ainda melhora na fluidez do trânsito: a extensão da lentidão no período das 17h às 19h apresentou uma queda de 12%. Segundo dados da CET, as mortes nas marginais Tietê e Pinheiros, juntas, caíram de 65, em 2014, para 43, em 2015, e para 25, em 2016, no último ano de gestão Haddad.
No geral, a prefeitura tinha conseguido reduzir os acidentes com mortes em toda a cidade de 1.128 para 971 (queda de 13%).
Por pressão de associações da sociedade civil, o então prefeito também investiu em ciclovias, com 400 km de ciclovias entregues, embora muitas delas tivessem problemas de sinalização, planejamento e apresentassem buracos. Em setembro de 2014, o instituto Datafolha registrou que 80% dos paulistanos aprovavam a implantação de ciclovias na cidade — apenas 14% eram contrários. Entre os mais jovens, a aprovação atingia 93%.
Mas à medida em que a popularidade de Haddad caía — acompanhando a reprovação ao governo da então presidente Dilma Rousseff, sua colega de PT que sofreria um impeachment em 2016 —, o humor do eleitorado em relação às medidas de trânsito da prefeitura também mudava. Em julho de 2016, a aprovação às ciclovias tinha diminuído para 58%, e a rejeição à medida chegava a 36%, segundo o instituto.
A aprovação da velocidade e as contestações
Em setembro de 2016, ano de eleições municipais, o Datafolha mostrou que 45% da população era favorável a aumentar o limite de velocidade para veículos nas marginais (45% eram contra) e outros 58% diziam apoiar a redução do número de radares para a fiscalização de velocidade em ruas e avenidas da capital.
Doria apostou no discurso de aumento de velocidade contra a “indústria da multa” na campanha. Eleito no primeiro turno, o tucano aumentou a velocidade nas marginais em janeiro de 2017 e viu a aprovação da medida, de acordo com o instituto de pesquisa, pular para 57% em fevereiro de 2017.
A Ciclocidade (Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo) ajuizou uma ação civil pública contra a mudança, alegando que o aumento das velocidades contrariava diretrizes internacionais de segurança no trânsito.
A Justiça chegou a suspender em caráter liminar (provisório) a mudança, ainda antes de sua implementação, mas a decisão foi revertida, e o tema ainda segue em julgamento.
O aumento das mortes nas marginais
Apesar da aprovação popular, os resultados práticos iam na contramão da avaliação popular. No primeiro ano de Doria à frente da administração, as marginais somaram 32 mortes, uma alta de 28% em relação ao ano anterior.
VIOLÊNCIA NO TRÂNSITO
(Infográfico: Nexo Jornal)
Em 2017, Doria anunciou que adotaria as estatísticas de acidentes e mortes diferentes, feitas pelo Infosiga, do governo de São Paulo. Esse sistema, que traz dados apenas a partir de 2015, registra os casos com base nos boletins de ocorrência e desconsidera as mortes em acidentes de trânsito registradas pelo IML (Instituto Médico Legal) — informação que é usada pela CET. Devido à diferença de metodologia, os números das duas bases não podem ser comparados.
Mas mesmo as informações do Infosiga mostram que, nos quatro anos da gestão Doria e de seu vice e sucessor Bruno Covas, o número de mortes no trânsito em toda a cidade de São Paulo permaneceu praticamente no mesmo patamar: 886 (2017), 889 (2018) e 873 (2019). Eles revelam que a tendência de queda que vinha desde 2011 (tanto em acidentes como em mortes), ainda na gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), foi freada na gestão tucana.
LETALIDADE NA CAPITAL PAULISTA
(Infográfico: Nexo Jornal)
Em julho de 2020, o Ministério Público Federal chegou a se manifestar pela ilegalidade e inconstitucionalidade do aumento das velocidades nas marginais. Segundo o subprocurador-geral Mário Misi, a medida da prefeitura ofende as normas “constitucionais e legais de proteção à vida e à segurança do trânsito, apta a justificar a reforma do ato administrativo”.
A prefeitura respondeu que já houve decisões anteriores da Justiça favoráveis à medida e disse confiar que ela será mantida.
O tema não teve o mesmo apelo nas eleições de 2020. O prefeito não recorre ao tema como uma bandeira de campanha. Outros candidatos como Celso Russomanno (Republicanos) e Márcio França (PSB) disseram que manteriam o limite de velocidade como está. Apenas candidatos de esquerda, como Guilherme Boulos (PSOL) e Jilmar Tatto (PT), criticaram a medida tomada por Doria e mantida por Covas.
A política de acelerar sob análise
Para discutir os resultados das medidas adotadas no trânsito a partir da gestão Doria e tentar entender por que o tema da mobilidade não teve a mesma força nas eleições de 2020, o Nexo conversou com Ana Carolina Nunes, pesquisadora do Cidadeapé (Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo) e conselheira de mobilidade a pé no Conselho Municipal de Trânsito e Transporte de São Paulo.
Como avalia a gestão Doria/Covas em relação à política de aumento das velocidades?
ANA CAROLINA NUNES Para uma gestão que começou com a história do “acelera” e que teve como primeira ação aumentar os limites de velocidade nas marginais — revertendo uma política que tinha tido um resultado muito positivo na redução de mortes —, a gente esperava que ela implicaria num aumento de mortes. Isso aconteceu nas marginais. Só que no primeiro ano, como um eco do que já estava acontecendo na gestão anterior, houve redução nas mortes [em toda a cidade] em 2017, em comparação com 2016. Mas foi uma redução muito baixa em relação ao que estava acontecendo antes. O que aconteceu foi uma desaceleração dessa queda nas mortes no trânsito e um prenúncio de que, em breve, viria um aumento.
Em 2018, foi a primeira vez em vários anos que teve um aumento nas mortes [em relação ao ano anterior]. Não foi muito alto, mas também é o sinal de que a gestão tinha freado esse avanço. Se a gestão tivesse voltado atrás no aumento do limite de velocidade nas marginais logo depois de constatar que teve aumento nas mortes, a gente poderia ter tido algum ganho. Mas só reduzir a velocidade não bastaria, precisaria continuar investindo em construção de ciclovias, em ações de acalmamento de tráfego e de intensificação das fiscalizações.
Mas essa gestão entrou com outra mentalidade. Tanto que uma das coisas que eles exploraram foi ter conseguido reduzir o número de autuações, para dizer que estavam resolvendo os “radares-pegadinha”. A preocupação era muito mais em dar uma resposta ao eleitor sobre o mecanismo de “indústria da multa”, que é um discurso extremamente popularesco sem base na realidade, porque a verdade é que existem muito mais infrações do que é registrado. Teve essa preocupação de dar essa resposta para o público de que ele [Doria] não era igual ao Haddad.
Ao mesmo tempo, a gestão foi largando esse discurso. Mas fizeram um compromisso de que não voltariam atrás em relação às marginais. Atribuo isso também à ação da sociedade civil, porque estivemos incansáveis ao longo de todo esse tempo brigando na Justiça ou denunciando na imprensa que essa falta de ação em relação à segurança no trânsito não estava diminuindo as mortes no trânsito a contento.
Inclusive, a gestão atual [Covas] criou um plano de segurança viária, lançado em 2019. Nos planos do atual prefeito para a reeleição, ele cita o plano de segurança viária. De uma certa forma foi uma tática política para se descolar do Doria. Ele [Covas] acabou vendo que os dividendos políticos de investir naquele discurso de uma certa forma se esgotaram. Essa gestão começou falando de remoção de ciclovia e, no final, já estava falando que ia fazer ciclovia porque finalmente tinha falado com a sociedade.
O que aconteceu, na verdade, desde a gestão Gilberto Kassab [antecessor de Haddad], foi uma mudança de mentalidade da CET de que a função primordial dela não é simplesmente garantir fluidez do tráfego, mas proteção à vida. De ter um processo de redução de velocidade, fazer reformas em áreas de cruzamento onde tem muito conflito. A gente tem uma lacuna histórica aí. Há áreas com grande tráfego de veículos e trânsito de pessoas e com sinalização muito fraca. E a CET conta com uma capacidade técnica muito grande: consegue produzir dados, sabe onde acontecem os pontos com mais conflito, onde mais acontece colisão com carro e moto. Eles mapeiam tudo. Mas precisa ter uma prioridade política para fazer isso acontecer. E não foi o caso dessa gestão. A gente acompanha mês a mês pelo Conselho Municipal de Trânsito e Transportes e pela Câmara Temática de Mobilidade a Pé, da qual faço parte, o que estão fazendo. E a gente vê que, em vários projetos, passaram-se quatro anos e não conseguiram cumprir toda a agenda, porque não teve prioridade política.
Por que esse tema perdeu força nas eleições municipais de 2020?
ANA CAROLINA NUNES O que a gente teve, durante a gestão Haddad, foi um fortalecimento das organizações da sociedade civil que lidam com mobilidade urbana, de entidades de ciclistas, de mobilidade a pé, que lutam pelo transporte público. Aquela era uma janela de oportunidades para fortalecer essas pautas. Tinha uma gestão que estava abraçando uma série de pautas que eram avanços, então a sociedade civil foi para cima. De alguma forma, teve um candidato [Doria] que percebeu que essa pauta gerava conflitos sociais, que tinha uma reação muito forte por parte da imprensa e por parte de uma parcela da população, e isso gerava um ruído importante para ser canalizado eleitoralmente. Foi aproveitado todo esse ruído para poder colocar como uma pauta que gerasse calor nas discussões.
Bruno Covas é um prefeito que tem um perfil mais sangue frio. Ele é menos conectado com o calor da discussão e já estava entendido que precisava de alguma forma dialogar com a sociedade civil e não seguir à risca aquela agenda, como aconteceu, por exemplo, com a remoção de ciclovias. No final das contas, [o “Acelera SP”] aconteceu num grau menor do que se imaginava. Inclusive anunciaram que construiriam ciclovias e até estão inaugurando novas ciclovias. Mudaram o discurso para: “Olha, a gente não tem nada contra ciclovia, só que a gente sabe fazer melhor do que a gestão Haddad”.
Acho que teve um papel da sociedade civil de pautar essa mudança [no discurso da gestão Doria/Covas ao longo do tempo. Ao longo da gestão, a gente foi mostrando que não era fácil assim. Não é só porque vocês ganharam que vão mudar tudo de uma hora para outra. E também foi tendo um arrefecimento nos ânimos nessa discussão. Hoje, nos programas de governo, não tem nenhum candidato que fale em tirar ciclovias.
Reportagem divulgada na quarta-feira, dia 8 de março pelo portal G1, revela que em um levantamento preliminar da CET houve 102 “acidentes” com vítima nas marginais Tietê e Pinheiros no mês após o aumento de velocidades nas vias. Infelizmente, como a Cidadeapé e diversos outros institutos nacionais e internacionais que discutem segurança no trânsito vinham alertando, este triste resultado já era previsível.
A alta velocidade é um dos principais fatores de ocorrência de colisões e atropelamentos. Como em toda política de redução de riscos os fatores devem ser sanados em conjunto, ou seja, as outras medidas adotadas pela gestão municipal deveriam ter sido tomadas acompanhadas da manutenção dos limites de velocidade, e não em substituição a eles. Da forma que foram adotadas, as medidas se tornaram meras tentativas de mitigar os riscos provocados pela própria ação irresponsável de aumentar as velocidades.
O registro de 102 incidentes com vítimas em um período do ano caracterizado por movimento veicular abaixo da média, por envolver período de férias escolares, comparado à média de 64 incidentes por mês em 2016 é um indicativo de alerta. Embora, a rigor, seja de fato cedo para fazer comparações aprofundadas, diversos exemplos internacionais somados à constatação da redução de ocorrências durante o período em que as velocidades estiveram reduzidas nas marginais já deveriam ser evidências suficientes de sua capacidade de minimização de risco no trânsito.
Não devemos esperar mais por um número ideal de comparação, pois não precisamos de mais vítimas para provar um argumento já reconhecido internacionalmente. Além do mais, a diretriz de redução de velocidades consta em qualquer documento técnico de programas de segurança de trânsito. Não podemos encarar a violência no trânsito como simples números e estatísticas. Tratam-se, na verdade, de dramas pessoais, e a administração não pode se omitir da responsabilidade de evitar que aconteçam, ou testar medidas questionáveis e inócuas e esperar que o resultado não seja “muito” negativo.
É importante ressaltar ainda, que o argumento do presidente da CET, o engenheiro João Octaviano, sobre os números se mostrarem maiores porque há mais agentes de trânsito não se sustenta. O registro de pequenas ocorrências choques sem vítimas – chamados ‘incidentes’ ou ‘ocorrências’ – certamente pode aumentar com a intensificação da fiscalização da CET. Entretanto, quando se trata de ocorrências em que há vítimas, há acionamentos de serviços como Resgate, Bombeiros, Polícia Militar ou mesmo guinchos da própria CET, sendo muito improvável que a CET não atenda a ocorrência, perdendo a estatística.
A Cidadeapé espera que a Prefeitura se atenha às suas responsabilidades determinadas pelo artigo 1º do CTB, reveja sua política de aumento de velocidade nas marginais e avance nas políticas de segurança para a via, com a retomada dos níveis adequados de velocidade, associadas às infraestruturas para travessias de pedestres nas transversais, para que a cidade possa continuar avançando na construção de um trânsito seguro, humano e reduzindo a mortalidade das nossas vias, seguindo mais do que a meta estipulada pela Década da Ação pela Segurança do Trânsito 2010-2020 da ONU.
Na quinta-feira, 10 de novembro de 2016, ocorreu a apresentação de Sérgio Avelleda, futuro Secretário Municipal de Transportes de São Paulo na gestão do prefeito eleito João Dória Júnior.
Avelleda apresentou-se e respondeu a perguntas dos presentes sobre propostas da sua gestão. Em suas falas, algumas propostas positivas para a mobilidade a pé foram acompanhadas de indicativos preocupantes de medidas que irão agravar as já péssimas condições de segurança dos pedestres.
Em sua fala, o futuro secretário se apresentou como uma pessoa que não utiliza carros para se locomover na cidade e um apoiador da mobilidade ativa. As propostas e posições do prefeito eleito e do seu secretário ainda serão discutidas por nós em reuniões com os novos membros da nova gestão, mas sentimos a necessidade de vir a público explicar algumas das posições e das propostas da nova gestão, e apresentar algumas das ideias que direcionam nossas ações.
O ponto mais importante das falas do futuro secretário foi a menção da possibilidade de uma parceria com a secretaria de Prefeituras Regionais, indicando uma gestão integrada entre essa e a secretaria de Transportes e Mobilidade na implementação de políticas para os pedestres. Esta parceria sinaliza a necessária integração entre os projetos de calçadas, coordenados pelas subprefeituras, e as implantações de travessias e sinalização, que são de responsabilidade da Secretaria de Transportes. Vale lembrar que uma das previsões do Plano Municipal de Mobilidade Urbana de São Paulo, lançado em 2015, é justamente o planejamento de uma Rede de infraestrutura para a mobilidade a pé, pensada a partir dessa lógica integrada.
Da mesma forma, a gestão integrada entre a SPTrans, a CET e as Subprefeituras (prevista no PlanMob para 07/2016) já foi esboçada na gestão Haddad, porém não foi concluída nenhuma política neste contexto. A Câmara Temática da Mobilidade a Pé, junto ao CMTT, cobrou insistentemente a adoção de uma gestão integrada, mas o período eleitoral inviabilizou sua conclusão.
Após esta fala, o futuro secretário apresentou uma visão desatualizada sobre segurança de trânsito ao responder perguntas da plateia presente. Avelleda afirmou que a equipe de João Dória tem estudos mostrando que “redução de velocidades não afeta a segurança de trânsito”, além de dizer que as áreas com ocorrências de trânsito serão trabalhadas com segurança de forma pontual. Por fim, completou explicando que, embora entenda que fiscalização seja importante, vai focar em políticas de sensibilização dos motoristas para que eles adotem “voluntariamente” (sic) um comportamento que seja “legal e urbano” (sic). Explicamos a seguir porque discordamos dessas declarações:
Redução de velocidades
A ideia de que redução de velocidades não afeta a segurança no trânsito contraria todos os estudos e práticas realizadas no Brasil e em diversos países do mundo até hoje, além da recomendação da Organização Mundial de Saúde. Se o secretário afirma que tem estudos contrários, vamos pedir que ele os apresente e explique como eles contrariam toda a literatura técnica internacional. Lembramos aqui que, segundo o artigo 1º do CTB, a segurança nas vias é dever do órgão de trânsito, e ele será responsabilizado pelos danos causados aos cidadãos em virtude de erros na execução de programas e projetos.
Atuar Pontualmente
Atuar em segurança de trânsito pontualmente é extremamente ineficaz. Esta proposta ignora que os problemas de segurança no trânsito na nossa cidade são estruturais, como distribuição desigual do espaço viário, insuficiência de calçadas, geometrias viárias para altas velocidades e travessias inadequadas (com localização equivocada, em quantidade insuficiente ou com tempos semafóricos curtos). Por fim, há uma insuficiência de fiscalização voltada à prioridade do pedestre instituída pelo CTB.
Por isso entendemos que os projetos devem ser amplos, e parte de um programa extenso e abrangente, do qual a redução de velocidades foi o primeiro passo.
Sensibilização
Concentrar o foco da atuação na sensibilização dos motoristas é investir em uma política que tem sido implementada há décadas pelos órgãos de trânsito sem maiores resultados e impactos eficientes, quando comparadas a políticas que integram educação, fiscalização e divulgação. Os programas de segurança no trânsito são parte de uma mudança de mentalidade e de cultura, e como a aplicação da lei seca ou da lei do cinto de segurança precisam de ampla discussão dos benefícios, mas também de uma iniciativa ampla de fiscalização.
Em notícias recentes reapareceu a discussão sobre políticas públicas voltadas à mobilidade a pé. Sobre estas esclarecemos que, embora diferentes, as duas gestões anteriores da cidade fizeram programas para a proteção do pedestre, com erros e acertos em ambas (como o extinto Programa de Proteção ao Pedestre da CET, que foi em parte substituído pelo Programa de Proteção à Vida). Destacamos que uma visão mais ampla de incentivo e valorização da mobilidade a pé e o estabelecimento de políticas públicas com essa visão foi fraca nas duas gestões. Esperamos que ao menos os espaços de diálogos abertos na última gestão tenham continuidade para que esta discussão se consolide com a sociedade.
Ainda sobre estas políticas, gostaríamos de destacar que entendemos que o projeto de instituir o “gesto do pedestre” não configura uma política eficiente para a segurança do pedestre, e as justificativas já foram apresentadas, como pode se ver nos links abaixo:
Estamos dispostos para dialogar com a gestão eleita, junto com a rede de entidades parceiras de Mobilidade Urbana, para que estes pontos problemáticos sejam discutidos e possivelmente revistos, analisando resultados, dados anteriores, experiências locais e internacionais.
Iremos dialogar e apresentar as propostas que construímos com diversas outras organizações que atuam na Mobilidade a Pé, e que já foram debatidas com a CET e a Secretaria de Transportes na Câmara Temática da Mobilidade a Pé.