Publicado originalmente em: Folha de São Paulo
Autor: Rodrigo Russo
Data: 15/11/2015
“Em algum momento da vida tu és pedestre: ame os pedestres como a ti mesmo.”
Esse é um dos dez mandamentos da Cidadeapé, associação que defende a mobilidade a pé em São Paulo.
Criado em março deste ano, o grupo procura representar os direitos dos pedestres e dialogar com diversas esferas do poder público. Tudo isso em nome de uma cidade acessível, amigável e, sobretudo, “caminhável”.
“Já existiam associações importantes para pedestres, como o Sampapé!, mas trabalhavam mais na organização de passeios culturais e caminhadas. Nosso trabalho é discutir com as autoridades e pedir maior respeito e melhores condições a quem se desloca a pé pela cidade”, afirma Joana Canêdo, 43, tradutora e coordenadora da Cidadeapé.
Foi dessa forma que a associação recentemente obteve uma importante conquista: a criação de uma câmara temática sobre mobilidade a pé dentro do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte. Até o mês passado, apenas dois setores tinham câmaras específicas nesse órgão: os táxis e as bicicletas.
É justamente das bicicletas que surgiu a inspiração para defender a mobilidade a pé. “Dois mil e catorze foi o ano do ciclista em São Paulo. Nós queremos que 2015 seja o ano do pedestre”, diz Canêdo.
O grupo conta, inclusive, com ativistas experientes sobre duas rodas. Agora focado nas causas pedestres, coordenando a Cidadeapé, o geógrafo Rafael Calabria, 29, integrava a Ciclocidade —Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo.
Mais do que não ter rixas com ativistas de outros modos de transporte, a associação se destaca por uma abordagem intermodal.
“Em um mesmo deslocamento eu posso ser pedestre, motorista e usuária de transporte público”, explica Canêdo. “O importante é que a prioridade do sistema seja a segurança de quem se locomove a pé. Infelizmente, isso ainda está longe da realidade”, complementa.
RISCO A PÉ
Números oficiais mostram o quão arriscado é andar pela cidade: dos 686 mortos em acidentes de trânsito nos primeiros oito meses do ano, 304 eram pedestres.
Para Calabria, é muito difícil mudar a mentalidade de quem trabalha com trânsito. “Como priorizam sempre o fluxo de veículos, tomam medidas que tornam a vida do pedestre mais complicada, bloqueando seus caminhos naturais com gradis em esquinas ou ampliando os trajetos com faixas de travessia em zigue-zague”, observa.
Outra dificuldade encontrada pelo Cidadeapé é a divisão de responsabilidades na prefeitura: a Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras fica com a gestão e recuperação das calçadas, enquanto a pasta de Transportes cuida do trânsito e das pistas.
Trânsito, porém, não é só fluxo veicular. “O Código de Trânsito Brasileiro deixa claro que se refere à utilização das vias por pessoas, veículos, inclusive animais, sendo que as vias compreendem a pista, a calçada, o acostamento, as ilhas e os canteiros centrais”, detalha Canêdo.
É por essa razão que um dos objetivos da Cidadeapé é transformar a Secretaria de Transportes em algo mais amplo, uma secretaria de mobilidade urbana. Não será fácil, mas devagar – e a pé – se vai ao longe.
Imagem do post: Foto: Diego Padgurschi-Folhapress