Cidadeapé questiona licitação da Zona Azul junto ao Ministério Público

Em 15 de outubro, a Cidadeapé enviou ao CAO de Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Estado de São Paulo, um questionamento referente à licitação da Zona Azul.

Veja a denúncia completa em PDF.

Trata-se da Concorrência Internacional Nº001/SMT/2019, proposta pela Secretaria Municipal de Mobilidade e Transporte da cidade de São Paulo, que tem como objetivo ceder, mediante Concessão Onerosa fixa, a administração dos estacionamentos rotativos (Zona Azul), no Município de São Paulo, a um só concessionário, por 15 anos.

Entre os questionamentos da Cidadeapé estão:

1) A administração trata esta Licitação apenas pelo viés arrecadador de recursos, esquecendo-se que a chamada Zona Azul, deve ser vista e usada, principalmente, como ferramenta de planejamento e solução para a mobilidade urbana na cidade, conforme previsto nos artigos 228 e 229 do PDE (Lei 16.050/14 – Plano de Desenvolvimento Estratégico).

2) A atual administração deixou de cumprir, até o momento, o artigo 6-II da Lei da Mobilidade Urbana (12.587/12) e artigos 227 e 228 do PDE (16.050/14), não reestruturando e melhorando as condições para a mobilidade ativa e do transporte coletivo, como únicas soluções viáveis na mobilidade urbana.

3) Ignora-se que estas áreas de estacionamento poderão ser, conforme os artigos 229, 232, 233 e 241 do PDE, as soluções para ampliação de calçadas, faixas exclusivas (segregando e melhorando o transporte coletivo) e vias de deslocamento compartilhadas ou dedicadas para bicicletas, para a chamada micro mobilidade e outros veículos, estacionamentos especiais, principalmente quando a faixa do transporte coletivo se desloca para a esquerda, ou não.

Veja os outros 9 questionamentos no ofício enviado ao MP.

Breve histórico

Nota à imprensa sobre o programa “Marginal Segura” (nota conjunta entre Ciclocidade e Cidadeapé)

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Hoje pela manhã, o futuro secretário de Transportes e Mobilidade, Sérgio Avelleda, e o presidente da CET, João Octaviano Neto, apresentaram à imprensa o programa ‘Marginal Segura’.

As entidades de defesa da mobilidade ativa, que foram ao Ministério Público Estadual contra a possibilidade de a próxima gestão aumentar os limites de velocidade máxima, manifestam sua reprovação ao conteúdo apresentado.

Seguem os principais pontos negativos:

  • O programa é totalmente focado na proposta de remediar os efeitos nocivos das velocidades – algo reforçado pelo próprio programa, que as aumentará. As propostas de mitigação ainda são insuficientes;
  • É a primeira vez no mundo em que gestores anunciam a adoção de medidas de acalmamento de tráfego junto com políticas que promovem a insegurança viária. Isso em um momento em que organizações e técnicos de todo o mundo discutem a necessidade de reduzir as velocidades na busca por zero mortes no trânsito;
  • Qualquer medida de operação controlada não é suficiente para impedir o aumento de colisões e atropelamentos, que implicam custos diretos, tais como: atendimento médico e hospitalar (SUS), remoção de veículos, recursos humanos envolvidos na operação, perda de produtividade pelo aumento dos congestionamentos, aumento de poluição sonora e atmosférica, entre tantos outros;
  • Grande parte das propostas do programa não são de redução de riscos de mortes, lesões e colisões, mas são focados sobretudo na prestação de atendimento a essas ocorrências e vítimas;
  • O projeto apenas cita medidas de segurança para pedestres em 20 pontos das travessias das transversais às vias marginais, o que é insuficiente, já que a marginal apresenta 30 pontes e mais de 200 pontos de travessia;
  • Mesmo dizendo-se aberta ao diálogo, a futura gestão não sinalizou nenhuma intenção de promover audiências públicas para discutir com a população;
  • O projeto não foi apresentado ao Conselho Municipal de Transporte e Trânsito-CMTT, instância de participação social cujo objetivo principal é garantir a gestão democrática e a participação popular na proposição de diretrizes destinadas ao planejamento da mobilidade urbana na cidade de São Paulo;
  • Apesar de pedidos reiterados, nem na coletiva nem ao Ministério Público do Estado, nem aos movimentos pela mobilidade ativa foram apresentados estudos que justificam tecnicamente o aumento dos limites de velocidade.

Destaca-se que algumas medidas de sinalização e modificação da geometria viária propostas pelo programa, além do reforço da fiscalização, seriam bastante bem-vindas em combinação com os atuais limites de velocidades (e até inferiores). Quando combinadas com o aumento dos limites de velocidade, no entanto, são inócuas e mascaram os riscos aos quais todos os usuários das marginais estarão mais expostos.

Assinam a nota:

Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo

Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo

Entidades entregam dossiê de 300 páginas ao Ministério Público do Estado por considerarem ilegal a volta das altas velocidades nas marginais

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O promotor Cesar Matins, do MPE, recebe representantes das entidades da sociedade civil

Entidades que defendem a mobilidade por bicicletas e a pé entregaram hoje (19/12) ao Ministério Público do Estado de São Paulo um dossiê de cerca de 300 páginas em favor da manutenção das baixas velocidades nas marginais e demais vias da cidade. O documento foi construído pela Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de SP, Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo, Bike é Legal, Bike Zona Sul, Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Pé de Igualdade e Sampapé.

O objetivo foi protocolar um dossiê com estudos, documentos técnicos, legislação e artigos que auxiliem o promotor Cesar Martins na instrução dos inquéritos relativos à ameaça das voltas das altas velocidades na capital paulista. No dossiê, constam marcos legais que embasam a política de redução de velocidades; dados sobre mortes e violência no trânsito (em especial, relacionados às marginais); dados relativos à demanda real e reprimida da mobilidade ativa (mobilidade a pé e por bicicletas); e argumentos que buscam desconstruir a ideia das marginais como vias expressas.

“Viemos colaborar com o Ministério Público em seu inquérito para respaldá-lo tecnicamente, pois as entidades aqui presentes consideram que a política pública de aumento de velocidades nas marginais, a ser implementada pelo prefeito eleito João Doria, é ilegal”, declarou a advogada Juliana Maggi Lima, representante da Ciclocidade. “Ilegal não apenas por colocar em risco vidas humanas, mas porque não há indícios de que seguirá nenhum dos ritos de participação popular previstos nas leis municipais e nos âmbitos legais, como audiências públicas ou debate técnico”, completou.

 

19 mil pedestres em apenas um ponto da Marginal Pinheiros

Também estavam inclusos na documentação os resultados das contagens de pedestres e ciclistas realizadas nas últimas duas semanas pela Ciclocidade e Cidadeapé, que mostram a quantidade de pessoas que circulam na via local ou alças de acesso das marginais Tietê e Pinheiros. Em apenas um ponto da marginal Pinheiros, mais de 19.300 (19,3 mil) pedestres circularam no período entre 6h e 20h, horário em que o levantamento costuma ser realizado.

Para Ana Carolina Nunes, representante da Cidadeapé, “a decisão de voltar a aumentar as velocidades é unilateral e pensada somente a partir do viés de quem anda de carro”. Ana Nunes participou das duas contagens nas marginais e pôde ver de perto os problemas enfrentados por pedestres e ciclistas. “Estamos buscando todas as vias de diálogo com a nova gestão para dar visibilidade às pessoas mais vulneráveis no trânsito, mas vemos que não temos mais opções. Por isso protocolamos os documentos, para mostrar que existe uma demanda contrária à volta das altas velocidades, com argumentos técnicos e formais. Queremos debate público”, afirmou.

Até hoje, a equipe de transição do prefeito eleito ainda não apresentou qualquer estudo que justifique a intenção de reinstituir velocidades mais altas na marginais – uma medida que tem reduzido significativamente o número de mortes no trânsito e, ao mesmo tempo, beneficiado o fluxo de veículos que passam por elas. Para as entidades que protocolaram o dossiê, a manutenção das atuais velocidades máximas nas marginais e nas demais ruas da cidade é apenas o primeiro – e fundamental – passo para a implantação de mais de segurança viária para evitar mortes no trânsito.

O pedido pela documentação partiu do próprio promotor Cesar Martins, do Ministério Público do Estado. No último dia 30 de novembro, a Ciclocidade, o coletivo Bike Zona Sul e os advogados João Paulo Ferreira e Albert Pellegrini se reuniram com ele em um encontro que durou mais de três horas (mais informações neste link).

Saiba mais:

  • Leia o termo da reunião, redigido pelo próprio promotor.
  • Veja o resumo do dossiê apresentado ao Ministério Público do Estado (siga os links para os relatórios completos)

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Dossiê sobre redução de velocidades para o MPE: feito a muitas mãos

“Por uma Av. Paulista Aberta: em diálogo com o MP”

Publicado originalmente em: ObservaSP
Autoras: *Letícia Lemos, **Luanda Vannuchi, ***Raquel Rolnik e ****Paula Santoro
Data: 22/10/2015

Comentário Cidadeapé:  Apoiamos a abertura da Paulista para as pessoas aos domingos. O texto abaixo, do ObservaSP,  toca nos pontos principais da argumentação do MPE contra essa iniciativa. Gostaríamos de estabelecer um diálogo direto com o MPE para tentar garantir uma boa solução para os usos do espaço viário. Ao mesmo tempo continuamos a conversar com a prefeitura no sentido de ajustar detalhes para melhorar a experiência para todos.

No último domingo, dia 18 de outubro, entre às 9h e às 17h, a avenida Paulista foi novamente aberta para pessoas como área de lazer, medida que deverá se repetir todos os domingos de agora em diante, segundo anúncio da prefeitura municipal. Festejada pela população, que lotou a avenida, apesar do frio, a medida foi contestada pela Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (PJHURB) do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP) em duas notas à imprensa divulgadas nos dias 15 [1] e 16 de outubro [2]. Com argumentos conservadores e um claro posicionamento a priori contra a mudança no uso da via, a promotoria promete estudar as medidas cabíveis – incluindo ação civil pública e multa – caso o prefeito Fernando Haddad não reveja seu posicionamento.

Elencamos e discutimos abaixo os principais argumentos contidos nas notas:

O MP indica que a abertura da avenida para os pedestres está sendo “imposta à população sem que esta, sua destinatária final, tenha realmente oportunidade de externar sua opinião e anseios” e afirma que não há como saber “se a população é a favor ou contra a medida por inexistirem estudos ou pesquisas (por entidades independentes) nesse sentido”. Argumenta ainda que a audiência pública realizada no vão do MASP não tem valor estatístico.

Conforme amplamente noticiado pela mídia, foram realizadas pesquisas que indicaram aprovação tanto da população quanto do comércio local que abre aos domingos [3]. Mesmo entre aqueles que utilizam o carro diariamente ou quase diariamente, 54% se mostraram favoráveis a essa ação [4].

Para além das pesquisas, a medida está respaldada pela Política Nacional de Mobilidade Urbana: o Inciso I do Artigo 23 garante aos entes federativos utilizar como instrumento de gestão “restrição e controle de acesso e circulação, permanente ou temporário, de veículos motorizados em locais e horários predeterminados” [5].

Além disso, ao questionar a representatividade estatística da audiência pública realizada no vão do MASP no dia 19 de setembro, o MP põe em xeque a legitimidade de qualquer audiência pública já organizada na cidade, por não terem nunca reunido um número de pessoas capaz de distinguir a posição da maioria. A audiência pública enquanto instrumento democrático não pode, e nem tem como objetivo, equiparar-se em representatividade aos processos eleitorais ou plebiscitos.

O MP argumenta que a Paulista foi “concebida e construída para veículos” e que sua abertura para o lazer da população traz “inúmeras implicações e impactos”.

Primeiro é importante ressaltar que a cidade é produto da ação humana para o ser humano, ou seja, ela não é feita para veículos. A Av. Paulista foi concebida e construída para abrigar a aristocracia do café. Esta mesma avenida, quando aberta em 1898, abrigava a circulação de carruagens e bondes. Hoje, os palacetes, bondes e carruagens desapareceram para dar lugar a ônibus, carros, pedestres e ciclistas. Nenhuma rua ou avenida é estática: os modos de ocupar e circular se transformam e é próprio da política pública promover estas transformações. Além disso, é comum que alterações tenham impactos. No caso da abertura da Paulista para lazer, acredita-se que em geral serão impactos positivos. Para medi-los, a CET fez estudos e apresentou-os ao MP, prevendo medidas para mitigar eventuais transtornos.

A nota do MP faz menção aos estudos realizados pela CET, indicando que seriam baseados em “modelos teóricos ou, na melhor das hipóteses, em dados colhidos nas duas únicas oportunidades em que o fechamento se deu”.

Em primeiro lugar, os modelos teóricos são e devem ser usados para o planejamento. Caso contrário, a única base de análise seriam levantamentos empíricos e, na impossibilidade de realizá-los, nunca seria possível prever o impacto de nada e ficaríamos a mercê do status quo, eternamente. A questão é: quando um estudo é suficiente e perfeito em se tratando de um organismo vivo e dinâmico como a cidade? Não existe perfeição, muito menos decisão absolutamente tecnocrática, decorrente de estudos infalíveis. O que existem são alternativas, construídas frequentemente a partir de opções políticas que devem ir ao encontro do interesse público.

Um dos argumentos que serve como base para esses “modelos teóricos” está no fato de que as vias do entorno têm capacidade para receber o volume de veículos que circula na Av. Paulista. Segundo depoimentos de técnicos da CET, a Alameda Santos e a Rua São Carlos do Pinhal têm capacidade para receber os veículos que deixarão de circular pela Paulista aos domingos, por volta de 2 mil veículos por sentido, de acordo com contagens realizadas pelo órgão antes do primeiro fechamento da via. O principal conflito para o fechamento é a travessias dos ônibus pela Av. Brigadeiro Luiz Antônio, mas o cruzamento aí está sendo mantido.

Além disso, análises baseadas em dados empíricos também são fundamentais. Podem e devem subsidiar os estudos de impacto desse tipo de medida. Durante as duas experiências de abertura da Paulista, as medições realizadas pela CET demonstraram que a ação causou um baixo impacto no trânsito local. É comum que medidas de alteração de tráfego nas primeiras vezes que são realizadas impactem mais que nas demais, uma vez que alguns motoristas ainda desconhecem as alterações. O que reforça o argumento de que as duas medições são relevantes e suficientes para uma boa análise técnica.

Como já apontado, a cidade é dinâmica. Nada impede que novas medições sejam feitas no futuro, em processo de monitoramento que nos ajudará na tomada de decisões que vão na mesma direção de abrir outras avenidas para pessoas. Afinal, estamos construindo uma nova forma de utilizar os espaços públicos da cidade e não podemos refutá-la em função de um suposto desconhecimento preciso sobre sua implantação.

O MP apresentou à prefeitura “medidas alternativas” ao fechamento total para veículos em audiência realizada em setembro, sobre as quais a gestão deveria se posicionar até o dia 15 de outubro, o que não aconteceu.

Conforme reportado por veículos de comunicação no dia 08 de outubro (Estadão [6], UOL[7]), a alternativa que teria sido indicada pelo MP seria a manutenção de uma faixa de rolamento para veículos motorizados em cada sentido. Ora, não é de se espantar que a prefeitura não tenha acatado essa proposta, visto que a manutenção da circulação de automóveis, e ainda em ambos os sentidos, desconectando tanto as calçadas quanto as ciclovias das demais faixas destinadas ao lazer, implicaria em risco aos pedestres, ciclistas, crianças, praticantes de esporte etc.

Cabe ao MP indicar os problemas decorrentes da opção da Prefeitura, fazer recomendações, solicitar soluções (sem direcioná-las ou impô-las), e avaliar as medidas técnicas propostas pela gestão. Se o problema é o acesso aos imóveis pela Av. Paulista, a Prefeitura já afirmou que ele será garantido para os moradores ou trabalhadores da região. Em relação ao acesso aos hospitais, o Santa Catarina será o mais impactado, pois o acesso ao seu estacionamento se dá diretamente pela Paulista, mas também para esse caso a Prefeitura anunciou que está prevista uma faixa para acesso local.

Assim, escapa ao papel do MP a proposição de “medidas alternativas”. Formular política pública é papel da gestão pública. Criar soluções técnicas é papel dos órgãos competentes.

O MP argumenta que a atual gestão adota “posições radicais” ao defender o fechamento da avenida para carros – ao contrário do próprio MP, que buscaria “soluções alternativas que realmente democratizem a utilização dos espaços públicos”.

Em primeiro lugar, é exagerado considerar uma “posição radical” o fechamento de 4,5 km de via para carros, a fim de criar áreas de lazer na cidade de São Paulo, quando em várias outras cidades no Brasil e no mundo essa já é uma prática antiga. No Rio de Janeiro, as avenidas Atlântica e Vieira Souto, que beiram as praias de Copacabana e Ipanema, são fechadas para carros aos domingos já faz muito tempo. Na Cidade do México, 50 km de vias são dedicadas ao lazer aos domingos. Em Santiago do Chile, são 30 km. Além dessas cidades, Bogotá, Nova York, Paris e Londres também têm experiências semelhantes, que são consideradas um sucesso.

O problema nesse argumento vai mais além. Não cabe ao MP determinar se uma política pública é “radical”, principalmente dentro de um debate onde se criam oposições e no qual o próprio Ministério já demonstrou ter posicionamento definido.

Finalmente, a nota remete ao Termo de Ajustamento de Conduta firmado em 2007 com a Prefeitura de São Paulo. Esse termo limita a três por ano os fechamentos da Avenida Paulista para grandes eventos.

A abertura da Paulista aos domingos, para ser usada como local de lazer pela população, não é um evento, mas algo permanente, constante, já que se trata de uma política pública. Portanto, não se enquadra como “evento”, conforme descrito pelo próprio TAC, e logo este não pode servir para impedir que a abertura ocorra.

Portanto, não há sentido algum em recorrer ao TAC para esse debate. Se esta visão prevalecer e o MP resolver se ater ao TAC, significa então que restam duas opções que acirram antagonismos entre nós, cidadãos, dado que a Av. Paulista já abrigou o máximo de eventos permitidos em 2015: ou cancelamos a São Silvestre e a festa de Réveillon, se a circulação de automóveis, no dia 31 de dezembro, for prioridade absoluta para a cidade, ou então o MP poderia propor uma revisão desse TAC.

*

Por fim, mas não menos importante, o Ministério Público é uma instituição de relevância inegável na defesa dos direitos difusos, que tem uma atuação fundamental, inclusive para coibir abusos e ilegalidades praticados pelo Executivo e por outros agentes que atuam sobre a cidade. É fundamental que o MP continue tendo força nesse trabalho.

Mas no caso da abertura da Paulista, não podemos aceitar o posicionamento desta promotoria, que tem se mostrado conservador e pouco flexível em relação ao plano de uma administração municipal democraticamente eleita de reduzir a importância do transporte individual motorizado na cidade de São Paulo, abrindo ciclovias e áreas de lazer em espaços antes reservados exclusivamente aos carros. Com notas como essa, o MP corre o risco de diminuir sua credibilidade enquanto órgão tão fundamental, verdadeira conquista de nossa sociedade.

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Foto: Flávio Moraes.

Foto: Thiago Benicchio

* Leticia Lemos é arquiteta e urbanista, mestranda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, e compõe a equipe do observaSP. Tem especialização em mobilidade não motorizada pela UNITAR.

**Luanda Vannuchi é geógrafa, mestre em estudos urbanos pela Vrije Universiteit Brussel e faz parte da equipe do observaSP.

***Raquel Rolnik é arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e uma das coordenadoras do observaSP.

****Paula Santoro é arquiteta e urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e uma das coordenadoras do observaSP. 

 

Imagem do post: Paulista Aberta. Foto: Letícia Lindenberg Lemos

Avenida Paulista para as pessoas: uma demanda da sociedade civil

Ao contrário do que o Ministério Público Estadual aponta, a proposta da Paulista Aberta aos domingos surgiu de uma demanda da sociedade civil e tem ampla aprovação.

Na última semana, o Ministério Público Estadual de São Paulo, por meio do promotor Mário Augusto Malaquias, da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, abriu inquérito (429/2015) para investigar o bloqueio da Avenida Paulista a veículos automotores e a abertura da via aos domingos para as pessoas a pé, em bicicletas, em outros modos de locomoção ativos e usufruindo de atividades culturais.

O inquérito do MPE-SP se baseia em uma suposta violação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a realização de eventos de grande porte e de duração prolongada na Avenida Paulista do ano de 2007 (Inquérito Civil nº 283/03), firmado com a Prefeitura. O TAC estabelece que a Avenida Paulista poderá ser fechada para “eventos, manifestações, comemorações ou outras atividades de duração prolongada que impliquem a obstrução dessa via pública e que necessitem da autorização da PREFEITURA” apenas três vezes ao ano. O objetivo é garantir “direitos de locomoção, direito à cidade ordenada (garantindo a trafegabilidade, a acessibilidade, o conforto e o sossego, com o menor impacto possível no período de obstrução do sistema viário)”.

A Avenida Paulista tem um longo histórico de abertura para pessoas, seja em eventos, como palco de manifestações ou espaço de lazer. Quase semanalmente a avenida tem seu tráfego de veículos motorizados interrompido por movimentos políticos, sociais e culturais das mais diferentes matizes. No Natal, intensifica-se o fluxo a pé de pessoas que vão à avenida para ver a iluminação temática e fazer compras. Na gestão de Marta Suplicy o projeto Domingo na Paulista já transformava a via em área de lazer. Esta ação contou com 76% de aprovação da população e chegou a reunir 35 mil pessoas, mas foi interrompida no início da gestão Serra.

Ao longo do ano de 2014 a sociedade civil, por forma de ocupações e estratégias de pressão, retoma o pleito de usar a via como espaço de lazer aos domingos e pressionar a gestão municipal, nomeadamente o secretário de transportes Jilmar Tatto e o prefeito Fernando Haddad. Esta demanda, inspirada em outras cidades do Brasil e do mundo como Rio de Janeiro, Bogotá e Cidade do México, e a urgência de políticas para uma cidade mais humana com a promoção do usufruto dos espaços públicos, materializa-se com a abertura da Avenida Paulista nos dias 29 de junho e 23 de agosto de 2015, datas marcadas pelas inaugurações das ciclovias da Av. Paulista e da Av. Bernardino de Campos, respectivamente.

Estas experiências recentes são marcadas por grande sucesso. A CET relata baixo impacto no trânsito do entorno e ficou comprovada a alta aprovação por parte das pessoas que participam. Em pesquisa feita pela ONG Cidade Ativacom pedestres na avenida Paulista nos dias 28 de junho, 05, 15 e 18 de julho, 88% das pessoas se mostraram a favor da abertura da via para as pessoas aos domingos. Em mobilização articulada no site Panela de Pressão, 2.100 pessoas se manifestaram a favor da Paulista aberta aos domingos. Os hospitais da região, que poderiam ser contrários e constavam no TAC de 2007 como alguns dos impactados pela obstrução da via, afirmam que o fechamento da avenida para carros não afeta os atendimentos, conforme é destaque em grandes veículos de comunicação. Ainda assim, na última abertura da Avenida Paulista, em 23 de agosto, a CET fez uma operação especial para permitir o acesso de carros ao hospital Santa Catarina, ao club Homs e a hotéis. E outras adequações podem ser feitas, conforme demandas apontadas pelas empresas e moradores da região, visando a uma operação adequada a todos.

Diante desta massiva adesão e pensando a cidade como locus de democracia, é louvável que a Prefeitura volte a enxergar as vias públicas como espaço de convívio entre pessoas. Em especial a Paulista, por ser a avenida mais visitada da cidade, e uma das vias com maior fluxo a pé devido à sua extensa e diversa oferta cultural, comercial e de serviços de fácil acesso.

Consideramos que o Poder Judiciário tem um papel importante nos freios e contrapesos da democracia, principalmente no que diz respeito ao controle dos outros poderes em relação à Constituição e outras leis infraconstitucionais e à vontade popular. Contudo, ele não deve subjugar a vontade da população na formulação da agenda do Poder Executivo, como parece estar acontecendo. Pleiteamos a mesma visão da gestão municipal ao Ministério Público Estadual: que escute aos anseios da sociedade civil, ora manifestados por meio de organizações e coletivos que defendem a abertura da via para lazer aos domingos. É importante lembrar que a judicialização da questão da ciclovia da Avenida Paulista pelo MPE culminou com ênfase ao papel do Executivo pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em acórdão, o desembargador relator do processo é claro ao afirmar que “o projeto de implantação do sistema cicloviário é um dos mais importantes da atual gestão municipal, eleita pelo povo paulistano para exercer as opções de políticas públicas nos assuntos locais, tal como é o trânsito, no exercício da competência do Município”.

Dito isso, solicitamos que o MPE-SP atualize a interpretação do TAC acima citado, levando em conta que seu texto está anacrônico em relação às novas visões de cidade e do uso do espaço público vigentes hoje na sociedade civil. Esclarecendo que em tal documento não consta a proibição do uso da via no caso de políticas públicas que possam trazer benefícios à população, como é o caso da abertura da Paulista para o usufruto dos cidadãos aos domingos.

Às entidades que ainda não estão convencidas sobre os benefícios da abertura da Avenida Paulista aos domingos ou não concordam com a mesma, propomos um diálogo franco e aberto, sem a necessidade de recorrer a processos judiciais, que tanto dificultam ouvir a voz da população.

Por fim, manifestamos aqui o nosso desejo de ver a abertura da Avenida Paulista aos domingos não como uma medida isolada, mas sim como uma ação, que abra caminho para um política pública de lazer e de humanização a ser estendida para toda a cidade de São Paulo. Sem cair em demagogias, é importante que essa expansão seja realizada em observância às demandas e peculiaridades de cada território.

Assinam embaixo:

SampaPé!/ Rede Minha Sampa/ Ciclocidade/ Greenpeace/ PaulistaAberta/ Pedal Verde/ Bike é Legal/ ITDP Brasil/ Acupuntura Urbana/ Instituto Aromeiazero/ Transporte Ativo/ Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo/ Catraca Livre/ Cidade Ativa/ Instituto Mobilidade Verde/ Laboratório da Cidade/ GT Mobilidade Urbana da Rede Nossa São Paulo/ Secretaria Executiva da Rede Nossa São Paulo/ Red OCARA – São Paulo/ Virada Sustentável/ Corridaamiga/ Pé de Igualdade

*Texto escrito por Ana Carolina Nunes, pesquisadora e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do ABC, Letícia Leda Sabino, do movimento SampaPé e mestranda em Urban Design and City Planning da UCL em Londres e Rene Jose Rodrigues Fernandes, gerente de projetos do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Fundação Getulio Vargas e pesquisador em Administração Pública e Governo.

Imagem do post: 23/08/2015- São Paulo- SP, Brasil-  Prefeitura  de São Paulo faz avenida Paulista virar pista de lazer exclusiva para ciclistas e pedestrtes. Foto: André Tambucci/ Fotos Públicas