“Sobre cidades planejadas para carros e cidades feitas para pessoas”

Publicado originalmente em: Onda
Autor: Gabriel Toueg
Data: 23/05/2016

Cidades deveriam ser feitas para pessoas. Essa é a ideia, não é? Parece que no caso das maiores cidades brasileiras, megalópoles que estão entre as maiores do mundo, com população bem acima dos 5 milhões de habitantes, não é o caso. Moro atualmente no Chile. Semanas atrás estive a trabalho em São Paulo e, mais uma vez, constatei isso – a cidade em que nasci e cresci, onde minha família e meus amigos moram (e morrem) não é feita para pessoas. É feita para carros, toneladas de plástico, vidro e ferro conduzidas por pessoas que esquecem dessa condição.

O exemplo mais óbvio e gritante é o da faixa de pedestres. Não precisa ser gênio para entender: faixas de pedestres não servem para carros, não servem para bicicletas, não servem para motos, não servem para ônibus. Servem para o indivíduo mais vulnerável da cadeia alimentar do trânsito: o pedestre. Apesar disso, parece que ninguém respeita: nem os motoristas de carros, nem os ciclistas (felizmente, são os que mais respeitam), nem os motociclistas, nem os motoristas de ônibus. Não é preciso muito tempo e dedicação para testemunhar, em qualquer esquina, o desrespeito à faixa de pedestre.

No excelente documentário “Luto em luta”, feito pelos idealizadores dos movimentos Viva Vitão e Não foi acidente, o engenheiro de trânsito e vice-presidente da Abraspe (Associação Brasileira de Pedestres) Horácio Augusto Figueira mostra na rua alguns flagrantes de desrespeito em faixas de pedestres. Deixo abaixo um trecho do documentário, que tem mais de uma hora de duração e merece ser assistido na íntegra:

Morando fora por sete anos (no Oriente Médio) e mais alguns meses (agora, no Chile), sou sempre daqueles que, distraídos e acostumados com a civilidade de carros que param para pedestres, levam buzinadas e ofensas de motoristas apressados mesmo sobre a faixa. Já quase fui atropelado algumas vezes por achar que o bom senso prevaleceria e daria espaço para quem anda a pé. Doce ilusão…

Fico indignado quando um carro avança sobre as pessoas nas faixas de pedestre. Arrumo briga. Faço a pessoa descer do carro e perder o tempo que não perderia se respeitasse o pedestre e seguisse viagem. Tento fazer os outros pensarem. Provoco, mesmo. É um trabalho de formiguinha, uma “missão civilizatória do universo” que parece não ter efeito. Não desisto, mesmo assim.

Outro exemplo claro do desrespeito aos pedestres é a forma como nossas vias e edifícios são construídos. Os prédios escondem suas entradas em acessos exclusivos de carros, fazendo ainda mais difícil a vida de quem caminha. Ruas muitas vezes não têm calçadas – quando há, estão em estado lamentável de conservação. Há poucas faixas de pedestres e em muitos lugares, não há nenhuma. Faltam semáforos de pedestres em esquinas movimentadas e perigosas (em uma cidade que desrespeita o pedestre mesmo quando há faixas e quando há semáforos).

As coisas precisam mudar. Não é difícil. O Chile, que tem uma cultura muito parecida com a brasileira e não é, a exemplo do Brasil, um país de primeiro mundo, respeita seus pedestres. A punição é severa. O olhar do pedestre quando não se para, por alguma razão, na faixa, é de deixar qualquer bom motorista envergonhado. Acima de tudo, o respeito é grande. E o entendimento de que o tempo que se “perde” ao parar na faixa para esperar os pedestres é nada comparado ao valor da vida.

O que falta nas grandes cidades brasileiras é respeito, é cidadania. É a compreensão de algo tão simples quanto verdadeiro: no trânsito, somos todos pedestres. Por menos que você caminhe, por mais dependente que você seja das rodas do seu veículo, em algum momento você vai precisar atravessar uma rua. Pense nesse momento. E pare quando um pedestre quiser atravessar.

 

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