Cidadeapé marca presença em congresso da ANTP

Mais uma vez, a Cidadeapé participou do maior congresso de mobilidade urbana do Brasil, organizado pela ANTP – Associação Nacional dos Transportes Públicos. A Arena ANTP 2019 aconteceu entre os dias 24 e 26 de setembro no Expo Transamérica, Zona Sul da capital paulista.

Da esquerda para a direita, Douglas Bertucci, do Rodas da Paz, Felipe Alves, da UCB, Cyra Malta, da Ciclocidade, Ana Carolina Nunes, da Cidadeapé e Marcos Sousa, do Mobilize

No primeiro dia, Ana Carolina Nunes, nossa diretora de relacionamento, representou a Cidadeapé no painel “Mobilidade Ativa por uma cidade mais humana e sustentável”, junto com Mobilize Brasil, UCB, Rodas da Paz e Ciclocidade. Apesar do tempo de discussão encurtado, o espaço foi importante para refletir sobre o descaso com a Política Nacional de Mobilidade Urbana, que determina a priorização dos modos ativos em detrimento dos motorizados. Nossa representante aproveitou sua fala para destacar que a mobilidade a pé já é o meio de transporte mais utilizado e que, no entanto, é prejudicada pela priorização ilegal e ineficiente ainda dada aos veículos individuais motorizados.

Além do painel, também apresentamos quatro comunicações técnicas, que são trabalhos de documentação científica de pesquisas e ações, nas temáticas de mobilidade urbana.

Flavio Soares, pela Ciclocidade, e Glaucia Pereira pela Cidadeapé, apresentaram o trabalho “Diagnóstico e comunicação de dados de saúde para segurança viária”, que foi desenvolvido no âmbito do projeto Global Road Safety Partnership da Ciclocidade. O estudo acessou 8 bases distintas de dados de saúde relacionados a vítimas de trânsito, de forma a compreender suas relações, documentou suas características e a melhor forma de chegar a elas, visando facilitar sua compreensão por meio de ferramentas de visualização de dados. Os principais resultados do trabalho podem ser acessados no site www.mobilidadeativa.org.br.

Élio Camargo, associado, apresenta o trabalho sobre semáforos

Já Élio Camargo apresentou o trabalho desenvolvido com Gisele Barbosa e Glaucia Pereira, entitulado “Semáforos de pedestres: segurança e prioridade do pedestre em jogo”.O estudo discute a prioridade do pedestre durante a conversão de veículos. A pesquisa ajuda a fundamentar o argumento de que o semáforo com foco do pedestre retira, de forma contraintuitiva, sua prioridade de travessia na conversão, além de induzir à travessia no vermelho.

Kelly Fernandes e Leticia Sabino apresentam o trabalho sobre o Decreto de Calçadas

Outro trabalho apresentado versou sobre o processo de participação social no Decreto de Calçadas, feito em parceria entre Cidadeapé e SampaPé. A comunicação, de autoria de Kelly Fernandes, Hérika Pritsch e Leticia Sabino descreve o processo conduzido pela sociedade civil visando que ampliaram a participação cidadã na discussão sobre o texto do decreto, importante instrumento da gestão municipal da infraestrutura da mobilidade a pé.

Gisele Barbosa apresenta trabalho equivalente a uma parte de sua pesquisa de doutorado

Por fim, Gisele Barbosa apresentou o trabalho “Mobilidade urbana em São Paulo: a atuação da Cidadeapé no CMTT/SP”, onde discutiu a relevância da atuação da Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo – no debate sobre mobilidade ativa no município de São Paulo entre 2013 e 2017. A pesquisa foi realizada no contexto de sua tese de doutorado: “O Conselho Municipal de Transporte e Trânsito de São Paulo (CMTT/SP): participação e mobilidade urbana”. Gisele partiu do pressuposto de que a participação da sociedade civil se constitui como um elemento essencial para a gestão pública que atenda de forma mais eficaz as demandas relativas à mobilidade urbana. Ela concluiu que a atuação da Cidadeapé no CMTT foi decisiva para a inclusão do tema da mobilidade a pé no contexto das discussões sobre transporte e trânsito no município de São Paulo.

Agradecemos à ANTP pela oportunidade de apresentar o que a sociedade civil vem produzindo. A mobilidade a pé entrou timidamente neste espaço em 2017 e, dois anos depois, é possível perceber a ampliação da participação da temática entre os trabalhos técnicos apresentados. Esperamos que em um futuro próximo, as discussões propostas na academia e na cidadania sobre a importância da mobilidade ativa sensibilizem os tomadores e tomadoras de decisão que circulam em espaços como o Congresso da ANTP.

 

 

Pesquisa inédita aponta principais desafios da mobilidade a pé em São Paulo

Resumo: Rede Nossa São Paulo e Ibope lançaram, no dia 06 de agosto, uma pesquisa inédita sobre mobilidade a pé na cidade de São Paulo. A Cidadeapé colaborou, junto com SampaPé, Cidade Ativa e CTMPA-ANTP, com a formulação das perguntas e definição dos objetivos da pesquisa. As três debatedoras que participaram do lançamento da pesquisa, Kelly Fernandes, Leticia Sabino e Meli Malatesta, são integrantes da Cidadeapé. Confira na reportagem abaixo, originalmente publicada no blog “SP a Pé“, os destaques dos resultados, que podem ser lidos na íntegra.

Publicado originalmente em: SP a Pé
Data: o8/08/2019
Autora: Adriana Terra

 

Moradores da Zona Sul têm mais dificuldade de acessar locais da rotina a pé

Uma cidade caminhável é boa em muitos sentidos: ajuda o fluxo urbano, o meio ambiente, melhora a qualidade de vida dos cidadãos. Entre os parâmetros fundamentais para seu desenvolvimento está a infraestrutura dos bairros: ter coisas úteis a uma distância que se possa ir andando. A ideia está na teoria da caminhabilidade do urbanista norte-americano Jeff Speck e foi citada por Letícia Sabino, diretora da ONG Sampapé! e mestre em Planejamento de Cidades e Design Urbano, no lançamento da pesquisa “Viver em São Paulo: Pedestre”. O estudo é uma parceria da Rede Nossa São Paulo com o Ibope, tem apoio do Mobcidades e elaboração junto a organizações de mobilidade a pé. Trata-se de pesquisa inédita com enfoque no pedestre, cujo dia é comemorado nesta quinta-feira (8).

Kelly, Leticia e Meli debatem os resultados da pesquisa

Na iniciativa, uma amostra de 800 pessoas (veja aqui a metodologia) respondeu a cinco perguntas-chave, entre elas para que locais vão exclusivamente a pé, sem utilizar transporte complementar. Os campeões são padaria, mercado ou feira, farmácia e pontos de ônibus, que são também os trajetos mais possíveis de serem feitos em até 15 minutos de casa. O resultado vai ao encontro de dado da pesquisa “Origem Destino” de 2017 do Metrô, que revela que 94% das viagens a pé são de curta distância.

Além de reforçar que o andar a pé está muito relacionado à “dinâmicas da vida em bairro”, como colocou a arquiteta e urbanista Kelly Cristina Fernandes em conversa após a apresentação do estudo, a pesquisa revela que o morador tem mais facilidade (menor distância a percorrer, menor tempo de deslocamento) de ir caminhando o trajeto todo conforme aumenta sua renda: 80% dos moradores que ganham acima de cinco salários mínimos, por exemplo, chega na padaria em até 15 minutos caminhando, enquanto entre moradores com renda abaixo de dois salários, o percentual cai para 56%.

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Os dados evidenciam a relação da infraestrutura — ter perto de casa comércio, transporte, cultura, parques — com o poder aquisitivo, variando ainda de acordo com a região. No centro, seguido da zona oeste, moradores conseguem ir integralmente a pé em até 15 minutos a mais lugares, em oposição às zonas sul e leste, justamente as mais adensadas da cidade, e sequencialmente zona norte. Boa parte dos moradores dessas regiões ou leva mais tempo caminhando, ou depende de outros meios para chegar ao destino. Apesar da maior dificuldade de acesso, na zona leste, por exemplo, caminha-se a mais locais da rotina do que na zona oeste.

Uma diferença alta na circulação a pé entre as regiões se dá no acesso a equipamentos culturais: no centro, 37% disseram costumar caminhar para esses locais; na zona sul, 5%. Na zona norte, apenas 2% disseram chegar em até 15 minutos a pé a algum espaço cultural. Aos interessados, vale complementar essa leitura com o recente especial do UOL TAB sobre como o brasileiro consome cultura.

Ou seja, na região central é mais fácil ter uma rotina 100% caminhável. O que não quer dizer que nessa região se ande mais a pé necessariamente. E aí é importante cruzar outra vez dado da pesquisa “Origem Destino”: 232 mil pessoas disseram fazer trajetos a pé pelo alto valor do transporte público. Caminhar é sempre é positivo — e creio que quando mais a gente caminha, mais nos acostumamos a percorrer longas distâncias –, mas é fundamental entender que em muitos casos esse comportamento é mais motivado por necessidade, enquanto deveria ser opção, escolha.

“Costumo dizer que a mobilidade a pé é um termômetro do direito à cidade”, diz Kelly Fernandes. Ela ressalta a importância da melhoria de infraestrutura como via de mão dupla na descentralização de privilégios, dando tanto condições de se sair do bairro em que se vive para acessar novos locais, quanto condições de se permanecer, aproveitar o espaço e descobrir o que existe ali — alguns dos benefícios do andar a pé, para além do deslocamento utilitário casa-destino. “Ao dar infraestrutura, a gente ativa a mobilidade a pé e ativa territórios”.

Letícia Sabino pontuou que a pesquisa ressalta um duplo sentimento do caminhar: ao mesmo tempo em que se abrem janelas para a fruição da cidade, se tornam mais visíveis os problemas dela. Talvez daí mesmo a sua potência.

CALÇADAS E SEGURANÇA A pesquisa mostrou que o maior obstáculo do pedestre em São Paulo são as calçadas: buracos, irregularidade e largura são os principais incômodos. Presenciar queda em calçadas é algo comum na rotina dos moradores (74%), e 34% disseram já ter passado pela situação. A Prefeitura anunciou em abril 400 milhões para reforma de 21% das calçadas da cidade.

Outro dado que chama a atenção é que 53% dos entrevistados já presenciaram situações de ameaças de motoristas a pedestres, e 60% assaltos ou agressão física. Falta de segurança para atravessar e iluminação aparecem como obstáculos de segurança — e esses aspectos pesam mais para mulheres (70%) do que para homens (60%). São as mulheres também que sofrem mais assédio quando estão caminhando (27% contra 14%), e 47% dos pedestres já presenciaram assédio na rua.

Para ver a pesquisa na íntegra, feita com colaboração das organizações SampaPé!, Cidade a Pé, Cidade Ativa, Corrida Amiga e Pé de Igualdade, acesse. A apresentação dela, na terça-feira (6), fez parte da Semana do Caminhar, iniciativa que está ocorrendo em algumas cidades brasileiras com debates e roteiros organizados sob o tema “Aprender Caminhando”.

“Estudos investigativos de atropelamento e políticas públicas: Análise de caso de São Paulo e Nova York sob a ótica da Visão Zero”

Publicado originalmente em: ANTP – 21º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito
Autores: Rafael Del Monaco Drummond Ferreira e Élio Jovart Bueno de Camargo / Cidadeapé
Data da publicação: 19/07/2017

No Brasil, as diretrizes do CTB e PNMU determinam a preferência do pedestre na mobilidade urbana, porém há pouca aderência das administrações públicas a tal prática. Analisaremos o caso de políticas públicas e dados de acidentes de pedestres de São Paulo e Nova York sob a ótica da Visão Zero.

PALAVRAS-CHAVES
Visão zero; acidentes; pedestres; São Paulo; Nova York

INTRODUÇÃO

No Brasil, em 2015, ocorreram 42,5 mil mortes causadas por acidentes de trânsito. Isto significa 116 mortes / dia, o equivalente a um avião (Embraer 195) caindo diariamente, mas sem qualquer comoção, exceto para cada família enlutada com a perda inesperada de um ente querido. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), esta é a principal causa de morte de adolescentes no mundo. Na cidade de São Paulo, em 2015, foram registrados mais de 24,2 mil acidentes, com 992 mortes e 22,2 mil feridos no trânsito . Isto significa que houve 2,7 mortes / dia, com índices de 8,26 a cada 100 mil habitantes e 1,22 a cada 10 mil veículos, representando 8,9% das mortes violentas no município. Ao contrário do Brasil, os pedestres em São Paulo foram os mais afetados, com 42,2% mortes ou 1,1 / dia.

Figura 1: Fatalidades no trânsito de São Paulo – 2015

Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego (2015). Formulação própria

 

Desde 1997, a Suécia reforçou seu posicionamento como referência mundial em segurança de trânsito ao aprovar em seu parlamento a lei de segurança de tráfego viário que estipula como máximo objetivo a diminuição das mortes e ferimentos graves a zero em decorrência do trânsito. Com a premissa de que nenhuma morte por ocorrências de trânsito é aceitável e inevitável, criou-se a filosofia da Visão Zero que se tornou o que orientaria as políticas públicas do país escandinavo nos próximos anos.

Tendo em vista esse contexto, vamos analisar como a cidade de Nova York nos Estados Unidos adotou a Visão Zero e tem dirigido suas políticas públicas e ações de segurança aos pedestres em base aos dados dos acidentes coletados por  seu Departamento de Polícia. Como exemplo de caso, tomaremos o estudo “Don’t Cut Corners: Left Turn Pedestrian and Bicycle Crash Study” , produzido pelo Departamento de Trânsito  de Nova York (NYC DOT) em 2016. Ao mesmo tempo, demonstraremos como a cidade de São Paulo tem agido para reduzir o problema das mortes no trânsito e como ela lida com as investigações de acidentes que seu órgão oficial, a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-SP), já produziu. Usaremos para a comparação o Boletim Técnico nº 53 “1.000 relatórios de investigação de acidente de trânsito fatal São Paulo” de 2012. Realizamos tal escolha, pois as duas cidades apresentam características demográficas similares.

DIAGNÓSTICO

O  conceito  de  Visão  Zero  foi  criado  em  1994,  somente  alguns  anos  antes do parlamento sueco ter aprovado a lei de segurança de tráfego viário. Tal filosofia está fundamentada na crença de que uma vida é um preço muito caro para garantir a mobilidade de um grupo de pessoas. Hoje as vítimas de trânsito são um grave problema de saúde pública em todo o mundo e a sociedade, assim como as autoridades, ainda aceita que tantos morram ou fiquem incapacitados em consequência de algo que é considerado como intrínseco, uma externalidade justificável, do mover-se pelas cidades e estradas.

Além de acreditar que a vida e a saúde nunca devem ser moeda de troca por outros benefícios à sociedade, a Visão Zero propõe que se mude o foco da responsabilidade dos acidentes que hoje se concentra nos erros humanos dos usuários das vias (motoristas e pedestres, por exemplo) e traz à tona a atuação de gestores e projetistas do sistema viário, chamando-os para serem corresponsáveis junto aos usuários. Segundo Raia Jr., tais atores são “sempre responsáveis pelo projeto, operação e uso do sistema de trânsito e, portanto, responsáveis pelo seu nível de segurança” . Da mesma forma, o Art. 1º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em seus incisos 3 e 5 determina :

3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.

5º Os órgãos e entidades de trânsito pertencentes ao Sistema Nacional de Trânsito darão prioridade em suas ações à defesa da vida, nela incluída a preservação da saúde e do meio-ambiente.

 

Isso parte da ideia de que pessoas podem e devem se adaptar a um sistema, como prega o conceito tradicional de segurança viária, mas elas serão sempre passíveis de cometer erros. Por tal razão, é necessário que sejam tomadas medidas que promovam “a eliminação de comportamentos deficientes mais graves” da mesma forma como é possível observar em campos como o uso da energia elétrica ou no tráfego aéreo. No caso dos eletrônicos, mesmo que o usuário o opere de maneira inadequada algum aparelho ele não deve sofrer uma descarga elétrica. Portanto, o que motiva a Visão Zero é o entendimento de que o sistema viário precisa, antes de tudo, ser adaptado às necessidades dos usuários e, principalmente, daqueles que estão mais vulneráveis.

Outro ponto fundamental da Visão Zero é a regra ética de que sempre que houver uma vítima fatal ou alguém ficar com ferimentos graves no trânsito, faz-se necessário que ações sejam tomadas para que uma ocorrência similar não se repita. Isso implica que se coloque em prática medidas sistemáticas e combinadas que levem em conta todos os elementos que compõem o sistema, como os veículos, a via, o sistema legal e a fiscalização da operação. A realidade do trânsito é um fenômeno complexo e não poderá ser equacionado com soluções mágicas ou até mesmo pontuais. Tanto isso é um pressuposto definido por essa filosofia, que o enfoque de suas ações não é seu objetivo final (nenhuma morte no trânsito), mas sim o uso de uma metodologia de melhoria contínua.

Após tomar posse em janeiro de 2014, o prefeito de Nova York Bill de Blasio anunciou que a cidade assumiria o compromisso com a Visão Zero e criaria um plano de ações que visassem o objetivo de não ter mais mortes devido ao trânsito. Isso já vinha a reboque de um consistente programa de priorização aos pedestres e ciclistas implantado por seu antecessor Michael Bloomberg, com a criação de ciclovias ao longo das avenidas e praças em áreas antes dedicadas aos carros. Porém, foi somente a partir da adoção da filosofia de nenhuma fatalidade no trânsito é que houve a coordenação entre departamentos e entidades governamentais em busca de um objetivo comum e de forma sistemática.

Uma das primeiras metas estipuladas pela prefeitura foi a criação de uma força-tarefa que ficasse responsável pela articulação das ações e órgãos participantes do plano. Fazem parte dos trabalhos o Departamento de Polícia, o Departamento de Transportes, a Comissão de Táxis e Limusines, o Departamento de Serviços Administrativos Municipal e o Departamento de Saúde e Higiene Mental. Isso permite com que o problema da violência no trânsito sempre seja visto por diferentes perspectivas e especialistas, em  que as diversas causas sejam devidamente tratadas.

A cada ano uma série de metas intermediárias são estipuladas para que os benefícios da política se acumulem com o tempo e cheguem a seu objetivo final de forma ativa. Inicialmente definiram-se 63 iniciativas a serem tomadas entre todos e, desde então, outras 88 foram adicionadas com o entendimento de constante revisão e aprimoramento dos processos. Para isso, o uso de dados coletados das ocorrências de trânsito e de infrações direcionam os programas e implementação dos projetos.

Segundo o próprio plano de ação da prefeitura de Nova York, o Departamento de Transporte, antes mesmo de estipular a primeiras metas, analisou os registros de acidentes de trânsito feitos pelo Departamento de Polícia entre os anos de 2008 e 2012, o que possibilitou que se criasse um robusto conjunto de informações que permitisse compreender as causas das ocorrências e fatalidades no trânsito. Entre as mais de 270 mortes que anualmente se apurava na cidade, viu-se que cerca de 56% era composta por pedestres e atingia principalmente os mais idosos e as crianças. 33% das fatalidades de pedestres eram de pessoas maiores de 65 anos e o atropelamento por veículos era a maior causa de mortes entre menores de 14 anos.

Outros detalhes importantes surgiram e se tornaram mais evidentes para as autoridades do município. Observou-se intersecções que concentravam um grande número de fatalidades e verificou-se as causas que levaram às ocorrências e, principalmente, às morte de pedestres. Uma dessas causas levantadas foi a incidência de ocorrências fatais na conversão de veículos à esquerda, mesmo com os pedestres atravessando na faixa de segurança. Como um exemplo, entre os dados de 2010 e 2014 viu-se que 19% de todas as fatalidades e ferimentos graves de pedestres em toda a cidade aconteceram em tal situação de conversão à esquerda, enquanto o cenário de conversão à direita apresentava somente 6% do total das vítimas pedestres.

Por tal razão o Departamento de Transporte realizou o estudo “Don’t Cut Corners: Left Turn Pedestrian and Bicycle Crash Study” em 2016 que consistiu em uma revisão e análise de 1.105 relatórios de ocorrências fatais de pedestres e ciclistas encontradas em conversões de veículos à esquerda entre 2009 e 2013. Por meio desse estudo foi possível criar um programa piloto de acalmamento de tráfego para as conversões à esquerda que deve ser implantado em pelo menos 100 cruzamentos até o final de 2017, segundo a meta estipulada pela prefeitura.

Por meio do estudo verificou-se que a totalidade das ocorrências aconteceram em apenas 18% das intersecções da cidade, apesar de estar razoavelmente bem distribuídas entre os 5 distritos, totalizando 8.304 cruzamentos. Da mesma forma, foi possível averiguar o quão vulnerável os mais idosos estão durante os cruzamentos das ruas e avenidas. A idade média das vítimas era de 67 anos para os pedestres, enquanto entre os ciclistas essa média foi de 50 anos.

Na análise, os pesquisadores do NYC DOT conseguiram identificar condições que se mostravam mais frequentes e causas que extrapolavam aquelas já haviam sido identificadas na literatura sobre o assunto:

“As quatro condições comuns são quando o veículo se origina de uma via de menor circulação, quando a via de destino possui 20 metros ou mais de largura, o veículo provém de uma via de mão-única e/ou a rua receptora é de mão-dupla. Essas condições permitem que os veículos façam uma conversão à esquerda com maior raio de curva e maiores  velocidades, aumentando o risco de atropelamento de um pedestre ou ciclista”.

Também foi observado que medidas eficazes de prevenção de fatalidades já haviam sido implementadas em diversas intersecções e que poderiam ser replicadas no resto da cidade. Viu-se que houve uma queda de 14% nos casos graves ou fatais onde foram instalados sistemas de semáforos que priorizam a travessia dos pedestres (Leading Pedestrian Interval – LPI), em que são dados 7 segundos de vantagem para os pessoas iniciarem a travessia sem o conflito com os carros que vão fazer conversão.

Além disso, no contexto do estudo foi desenvolvida uma proposta de projeto piloto de acalmamento de tráfego em que serão instalados obstáculos visuais e físicos (ilhas) que façam com que a visão do motorista não seja obstruída por veículos estacionados e obrigue que ele faça um raio de curva menor e com menor velocidade.

O plano de ação ainda se completa com outros dois componentes-chave. As ações de mitigação, como no caso das restrições a qualquer conversão à esquerda em alguns cruzamentos, devem ser também implementadas, mas necessitam de maiores estudos para serem colocadas em prática em toda a cidade. Da mesma forma, as campanhas de informação pública se fazem importantes como parte da Visão Zero de envolver cada vez mais a sociedade como um todo na discussão e educação acerca de práticas seguras de direção.

No caso de São Paulo, o Boletim Técnico nº 53 da CET (2012) foi um trabalho de análise de mil casos de mortes no trânsito, ocorridos entre 2006 e 2010 (53 meses), em que estudaram 307 atropelamentos. Conforme este estudo, 82,7% dos acidentes fatais com pedestre ocorrem na sua travessia. São 69,7 % de acidentes fora do cruzamento (o local mais fatal) e apenas 26,8% nos cruzamentos, onde circulam a maioria das pessoas. Dentro do cruzamento, 80% ocorreram em intersecções semaforizadas e em 80% destes, os acidentes aconteceram sobre a faixa, sendo que 67,4% dos mesmos ocorreram no sinal vermelho para o pedestre. Fora do cruzamento, 38,2% das mortes ocorrem a mais de 50 metros da esquina mais próxima e 31,5% ocorrem a menos de 50 metros.

Figura 2: Gráfico de Pareto com as 3 principais causas de mortes nas travessias de São Paulo

Fonte: Companhia de Engenharia de Tráfego. Formulação própria.

 

Fazendo uma análise com a metodologia de Pareto, constatamos que 81,1% dos acidentes de travessia se concentram em 3 pontos / condições destas. Lamentavelmente, estas publicações são ignoradas pela própria  CET  na construção de políticas pública ou para suas ações de prevenção, fazendo o uso de campanhas tradicionais de educação no trânsito em que os usuários das vias são os maiores responsáveis pelo eventual acidente.

Um dos casos mais emblemáticos nos últimos anos foi o Programa de Proteção ao Pedestre, implantado a partir de maio de 2011 e descontinuado em 2013, e que promovia por meio de publicidade em televisão, rádio e meios impressos o respeito à faixa de pedestres bem como a aplicação de multas aos motoristas transgressores. Além de ser construído em base a conceitos tradicionais de segurança no trânsito, os programas exemplificam bem a prática de troca de gestão do poder público e a descontinuidade de ações governamentais ao gosto da autoridade de turno, o que contraria a filosofia da Visão Zero.

Um programa de melhoria contínua em acidentes, em obediência às leis 9.503/97 (CTB – Art. 1º) e 12.587/12 (PNMU – Art. 5), deve ser estabelecido por lei ou decreto local, como política de estado (vontade da sociedade e com objetivos sistêmicos ou estruturais), para assegurar que suas ações ultrapassem sucessivas administrações, rumo à meta estabelecida. Deve ser definido o comprometimento recíproco das várias secretarias ou setores envolvidos (ex. Polícia, no levantamento e análise das ocorrências; Mobilidade, na estatística, tratamento dos dados e coordenação; Obras, no projeto e alterações das vias e locais; Jurídico nas ações legais; Educação, na comunicação; Zeladoria, na manutenção; Administração na compra e contratos; etc.) e principalmente sociedade civil, diretamente interessada nos resultados. Assim todo trabalho e providências são diretamente executados pelas decisões do Grupo de trabalho constituído.

Metodologias de melhoria contínua, sem burocracias, tem sido adotadas e com êxito, por vários organismos de diferente ramos, com diferentes nomes, mas sempre com enfoque na  supressão dos indesejados acidentes. Assim podemos citar a aviação comercial, a Fórmula 1, a OIT – Organização Internacional do Trabalho e no caso da mobilidade, a chamada Visão Zero, que tecemos algumas comparações, pelo tamanho e possibilidades.

A CET-SP enviou dois técnicos de sua equipe em 2011 para Nova York, para conhecer as melhorias adotadas por aquela cidade e que poderiam ser implantadas em São Paulo na época em que se discutia um programa para segurança dos pedestres. Este trabalho está publicado no Boletim Técnico nº 52. Este trabalho parece esquecido ou marginalizado, pois vê-se que não foi utilizado nos programas da época e, muito menos, tem sido usado para solução dos problemas dos pedestres nos anos seguintes.

As ações das administrações na prevenção dos acidentes de trânsito, apesar de constantes, tem se mostrado inconsistentes, insuficientes, desconexas e até mesmo inúteis, porque seguem o padrão cultural brasileiro de se confundir a relação de causa e efeito, querendo resolver os problemas com ações sobre os efeitos, por ocorrerem no tempo recente e não sobre as causas, esquecidas e que foram construídas num passado mais distante.

A falta de ação mais efetiva na prevenção passa também pela resistência às mudanças, pelo receio de medidas que possam interferir no fluxo dos veículos. Não  sabendo como agir, ou mesmo não querendo, agem pelo senso comum, sem base em dados estatísticos, mostrando muito amadorismo em questão de capital importância.

Como o fator humano (nos 2 lados – motorista e pedestre) está naturalmente envolvido em 100% das ocorrências, e por isso, considera-se que é suficiente a realização apenas de campanhas de conscientização, principalmente querendo ensinar ou canalizar os pedestres por onde não atrapalhe o fluxo veicular. A CET-SP, dentro dessa lógica tradicionalista, possui naturalmente seu setor de educação, por considerar que esta é a solução mágica para se evitar acidentes.

A velocidade que faz parte natural da dinâmica de todos os acidentes, diz-se por isso, envolvida em cerca de 50% das ocorrências. A política de redução da velocidade implementada a partir de 2011 sob a gestão Gilberto Kassab e intensificada pela gestão Fernando Haddad em 2015, igualmente está baseada também no senso comum, como se bastasse reduzi-las (ou mesmo aumenta-las politicamente), sem qualquer outra análise. Além do senso comum da causa, ambas as ações (velocidade e campanhas) são de baixo custo e imediatistas em sua execução, além de facilmente serem visualizadas  como medidas de ação, omitindo-se de outras medidas.

A prevenção, apesar de constar no CTB como obrigação de vital importância, não traz qualquer medida de controle ou acompanhamento das ocorrências que de fato, obrigue as administrações a tomarem medidas mais efetivas na prevenção. Tal como há punições por responsabilidade fiscal para gastos, deveriam haver medidas punitivas para omissão de políticas que evitem mortes em decorrência do trânsito.

Ainda na gestão da prefeitura de São Paulo, uma ação que poderia servir  de exemplo para os gestores do sistema viário na construção de políticas públicas consistentes é o caso da Comissão Permanente de Calçadas conformado pelo próprio prefeito João Doria e coordenada pela Secretaria das Prefeituras Regionais. Nela estão congregadas doze entidades do governo municipal e que irão trabalhar em conjunto “objetivo de orientar a realização das obras necessárias à reforma ou construção de passeios e/ou calçadas” no âmbito do Programa Calçada Nova.

CONCLUSÕES

Apesar da existência de dados estatísticos e estudos de análise, bem como experiência exitosas de cidades similares ao redor do mundo na prevenção de acidentes de trânsito e, particularmente nos casos de atropelamento de pedestres, as administrações do município de São Paulo agem tradicionalmente com campanhas de conscientização e ações pontuais.

A filosofia da Visão Zero expõe os tomadores de decisão e os obriga a se posicionarem de forma ativa e firme em favor da preservação da vida. Isso se mostra contraditório no caso de São Paulo, pois as leis brasileiras já respaldam a decisão de mudar os paradigmas da mobilidade urbana, assim como os parâmetros que devem direcionar a segurança viária, mas os gestores acabaram por se acostumar com um número alto de mortes no trânsito e não tomam medidas coerentes com a resolução do problema.

O caso de Nova York se mostra interessante, pois demonstra que não somente é possível adota a Visão Zero como definição de política, mas também é factível o aprimoramento de ferramentas que já faziam parte da estrutura municipal, como é o caso dos relatórios de acidentes realizados pelo Departamento de Polícia, além de congregar outros órgãos estatais para criar e promover projetos de intervenção. A constituição da força-tarefa de coordenação do plano da Visão Zero de Nova York é emblemática e deveria ser melhor avaliada, principalmente em um país em que há tantas dificuldades de articulação entre instâncias governamentais como é o caso do Brasil.

O fato do estudo realizado pela CET-SP por meio de seu Boletim Técnico nº 53 não ter servido para a implantação de programas sistemáticos de segurança do trânsito acaba sendo simbólico de como as gestões municipais tratam o assunto de forma geral. Ainda há uma grande preocupação em manter e melhorar o fluxo veicular e a segurança dos usuários termina por ficar subordinada a essa premissa.

 

NOTAS

1 COMPANHIA DE ENGENHARIA E TRÁFEGO. Acidentes de Trânsito Fatais: Relatório Anual 2015. Disponível em <http://www.cetsp.com.br/media/468500/acidentesdetransitofataisanual2015.pdf> Acesso em 21/05/2017, 18:30:30

2 BRUNSN, Christopher; GETMAN, Arthur; HOSTETTER, Seth; VIOLA, Rob. Don’t Cut Corners: Left Turn Pedestrian & Bicyclist Crash Study. New York: New York City Department of Transportation, 2016.

3 REGIO, Maurício. 000 relatórios de investigação de acidentes de trânsito fatal São Paulo. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego, 2012. 50 p. (Boletim Técnico da CET, 53)

4 RAIA JUNIOR, Archimedes Azevedo. A responsabilidade pelos acidentes de trânsito segundo a Visão Zero. In: XVI Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, 2007. Anais do XVI Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito. São Paulo: ANTP. v. 1. p. 1-9

5  BRASIL. Lei Federal nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>. Acesso em 21/05/2017, 18:55:00

6 CITY OF NEW YORK. Vision Zero: Action Plan 2014.

7 SÃO PAULO (CIDADE). Decreto Municipal Nº 57.627, de 15 de março de 2017. Disponível em <http://www.legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-57627-de-15-marco-de-2017/>. Acesso em 22/05/2017, 15:28:00

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRUNSN, Christopher; GETMAN, Arthur; HOSTETTER, Seth; VIOLA, Rob. Don’t Cut Corners: Left Turn Pedestrian & Bicyclist Crash Study. New York: New York City Department of Transportation, 2016.

BRASIL.    Lei    Federal    nº    9.503,    de   23    de    setembro   de    1997.    Disponível    em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>.      Acesso     em     21/05/2017, 18:55:00

BRASIL.    Lei    Federal    nº    12.587,    de    3    de    janeiro    de    2012.    Disponível    em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>.                                Acesso em 22/05/2017, 15:20:00

CITY OF NEW YORK. Vision Zero: Action Plan 2014.

COMPANHIA DE ENGENHARIA E TRÁFEGO. Acidentes de Trânsito Fatais:  Relatório Anual   2015.                                          Disponível                         em <http://www.cetsp.com.br/media/468500/acidentesdetransitofataisanual2015.pdf>.  Acesso em 21/05/2017, 18:30:30

CUCCI NETO, João. Visita técnica a Nova Iorque para analisar a prioridade ao pedestre: João Cucci Neto, Luis Molist Vilanova, Wlamir Lopes da Costa. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego, 2012. 64 p. (Boletim Técnico da CET, 52)

REGIO, Maurício. 1.000 relatórios de investigação de acidentes de trânsito fatal São Paulo. São Paulo: Companhia de Engenharia de Tráfego, 2012. 50 p. (Boletim Técnico da CET, 53)

RAIA JUNIOR, Archimedes Azevedo. A responsabilidade pelos acidentes de trânsito segundo a Visão Zero. In: XVI Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, 2007. Anais do XVI Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito. São Paulo: ANTP. v. 1. p. 1-9

SÃO PAULO (CIDADE). Decreto Municipal Nº 57.627, de 15 de março de 2017. Disponível em <http://www.legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-57627-de-15-marco-de-2017/>. Acesso em 22/05/2017, 15:28:00

 

 

COMUNICAÇÕES TÉCNICAS 21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO – 28, 29 E 30 DE JUNHO DE 2017

TEMA: Mobilidade Ativa: Ações de organizações da sociedade civil

Imagem do post:21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO

A subestimativa das viagens a pé em São Paulo

Publicado originalmente em: ANTP – 21º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito
Autoras: Glaucia Guimarães Pereira e Ana Carolina Nunes / Cidadeapé
Data da publicação: 19/07/2017

O trabalho apresenta resultados de análise da Pesquisa OD 2012 em relação a viagens a pé, em São Paulo. Propõe metodologias de análise dos dados e constata que viagens a pé são subestimadas na principal pesquisa de planejamento de transportes.

INTRODUÇÃO

A Secretaria de Transportes Metropolitanos mensura as viagens realizadas dentro da  Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) por meio da Pesquisa Origem-Destino (Pesquisa OD) desde 1977, planejada e executada pela Companhia do Metropolitano de  São Paulo – Metrô. Esta pesquisa é a mais importante fonte de dados sobre padrão de deslocamentos, e serve para diagnóstico e planejamento dos transportes da RMSP. Pela pesquisa, é possível identificar as viagens diárias das pessoas conforme motivo e modos de transporte utilizados. Em 2012, ganhou a denominação Pesquisa de Mobilidade da RMSP.

O objetivo deste trabalho é estimar quantas viagens a pé deixam de ser computadas pela Pesquisa de Mobilidade da RMSP devido às escolhas metodológicas da pesquisa. Nesta pesquisa, as viagens a pé representam 32,5% das viagens com origem e destino no município de São Paulo. Este total considera apenas as viagens realizadas exclusivamente  a pé, ou seja, sem integração com outros modos. Além disso, a metodologia indica que são consideradas viagens a pé apenas aquelas com distâncias superiores a 500 metros, caso o motivo da viagem não seja trabalho ou educação. Por fim, é comum que, quando o entrevistado responde sobre viagens, deixe de relatar ou esqueça das viagens a pé e outras viagens mais curtas em outros modos.

É importante ressaltar que trabalhos relevantes já foram realizados sobre modo a pé e pesquisa Origem-Destino. Malatesta (2007) é um exemplo importante, e já tratou das limitações metodológicas da pesquisa. A inovação neste trabalho é calcular as viagens subestimadas por tais limitações.

Este trabalho foi organizado definindo três tipos de limitações: sub-identificação, sub-registro e sub-relato.

DIAGNÓSTICO, PROPOSIÇÕES E RESULTADOS

Pesquisa OD 2012

A pesquisa OD 2012 é uma aferição da pesquisa OD 2007, com zoneamento de 31 zonas na RMSP (Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2012a). No município de São Paulo foram 23 zonas e a amostra contou com 5.979 domicílios e 17.686 pessoas, resultando em 39.534 viagens registradas.

O cálculo dos totais da pesquisa a partir da amostra é feito por fatores proporcionais às totalidades de domicílios, famílias e pessoas, por zona e estratificados por renda. Os totais de viagens são resultantes dos dados de bilhetagem dos sistemas de trilhos e ônibus. Por exemplo, as viagens amostradas do modo metrô são expandidas para se ter a quantidade  de entradas de passageiros do Metrô. Os fatores de expansão de viagens diferentes de trilhos e ônibus, que é o caso dos modos ativos, são proporcionais aos fatores de expansão de ônibus  (Svab, 2016).

A Tabela 1 apresenta os números da amostra e do resultado com fator de expansão das viagens com  origem  e destino no município de  São Paulo.  Nota-se que foram amostradas 10.417  viagens a pé, expandidas para 7.887.738 viagens.

Tabela 1 – Amostra e viagens com fator de expansão por tipo de viagem

Tipo de viagem Amostra de viagens Viagens com fator de expansão Percentual com fator de expansão
Coletivo 11.689 8.994.748 37,0%
Individual 10.878 7.256.079 29,9%
A pé 10.417 7.887.738 32,5%
Bicicleta 170 147.321 0,6%
Total 33.154 24.285.885 100,0%

 No presente trabalho, as análises foram feitas para o município de São Paulo, usando os fatores de expansão de pessoas e viagens. Os dados utilizados foram os disponíveis no site do Metrô e o software usado para tabulação e gráficos foi o Microsoft Excel 2010.

Sub-identificação das viagens a pé

Para cada viagem, são anotados até quatro modos de transporte. Porém, as viagens a pé são consideradas como tal somente se forem realizadas totalmente a pé. Neste trabalho, o fato de o modo a pé não ser considerado quando integrado a outros modos é denominado sub-identificação.

A Figura 1 foi extraída do manual (Companhia do Metropolitano de São Paulo, 2012b) que o entrevistador deve seguir durante a pesquisa, e mostra a clara instrução em relação ao modo a pé.

Figura 1 – Manual da Pesquisa Domiciliar 2012, página 60

Isto se dá justamente porque o modo a pé é parte integrante das viagens realizadas por modos coletivos e, em muitos casos, dos modos individuais motorizados, como quando é necessário andar até o estacionamento. Sendo assim, praticamente todas as viagens teriam modo a pé registrado, o que poderia inviabilizar a coleta dos dados.

Em contrapartida, são registrados nas entrevistas o tempo andando da origem até o local de acesso do primeiro modo de transporte, e o tempo andando do último modo de transporte até o local de destino da viagem. Os tempos são registrados em minutos, e disponíveis na base de dados como “tempo andando na origem” e “tempo andando no destino”. Vale notar que, ainda assim, não são mensuráveis as caminhadas feitas entre modos de transporte, como por exemplo, na integração entre dois ônibus que passam em pontos diferentes.

Como proposição metodológica para superar a sub-identificação, os tempos andando na origem e no destino foram somados, e transformados em viagens a pé equivalentes, considerando um tempo médio de viagem a pé.

Cálculo do tempo médio de uma viagem – Resultados

Como visto na Tabela 1, as viagens a pé (totalmente a pé, sem integração, seguindo a definição da Pesquisa OD) com origem e destino no município de São Paulo são 7.887.738. A duração destas viagens somadas totaliza 112.362.068 minutos. Assim, a duração média de uma viagem totalmente a pé é 14 minutos.

Transformação do tempo andando na origem e no destino em viagem média – Resultados

Foram então somados os tempos andando na origem e no destino dos outros modos de transporte. A Tabela 2 apresenta os resultados por minutos de caminhada (em duas colunas) e deve ser lida da seguinte forma: na primeira linha nota-se que foram 665.069 viagens com 1 minuto de caminhada cada, resultando em 665.069 minutos, e este número, dividido por 14, que é o tempo médio de uma viagem a pé, equivale a 47.505 viagens a pé; na segunda linha, foram encontradas 5.664.716 viagens com 2 minutos de caminhada cada, resultando em 11.329.432 minutos, e este número, dividido por 14, equivale a outras 809.245 viagens a pé; e assim por diante.

O resultado são 8,9 milhões de viagens a pé integradas a outros modos, além daquelas exclusivamente a pé. Há então, com origem e destino em São Paulo, 16,8 milhões de viagens a pé por dia.

Tabela 2 – Viagens equivalentes, por duração de tempo caminhando na origem e destino, em minutos

Min Viagens de outros modos Viagens x Minuto Viagens a pé equivalentes Min Viagens de outros modos Viagens x Minuto Viagens a pé equivalentes
1 665.069 665.069 47.505 22 44.015 968.321 69.166
2 5.664.716 11.329.432 809.245 23 32.236 741.418 52.958
3 642.858 1.928.573 137.755 24 4.675 112.197 8.014
4 1.411.863 5.647.451 403.389 25 325.300 8.132.504 580.893
5 243.912 1.219.562 87.112 26 10.246 266.385 19.028
6 850.304 5.101.823 364.416 27 12.102 326.749 23.339
7 542.266 3.795.862 271.133 28 9.313 260.765 18.626
8 429.407 3.435.257 245.375 30 145.771 4.373.130 312.366
9 113.497 1.021.471 72.962 31 4.022 124.688 8.906
10 1.927.797 19.277.968 1.376.998 32 6.978 223.308 15.951
11 238.014 2.618.150 187.011 33 1.211 39.965 2.855
12 334.989 4.019.864 287.133 35 93.539 3.273.852 233.847
13 244.444 3.177.771 226.984 36 896 32.239 2.303
14 26.082 365.147 26.082 40 32.061 1.282.455 91.604
15 980.037 14.700.559 1.050.040 41 1.089 44.659 3.190
16 88.473 1.415.575 101.113 42 917 38.495 2.750
17 151.944 2.583.040 184.503 43 970 41.715 2.980
18 78.780 1.418.041 101.289 45 11.678 525.495 37.535
19 18.198 345.766 24.698 50 7.280 363.978 25.998
20 941.595 18.831.892 1.345.135 55 2.698 148.408 10.601
21 21.329 447.909 31.993 60 5.753 345.158 24.654

 

Sub-registro

Outra questão que diz respeito à mobilidade a pé é o fato de que viagens cujos motivos não sejam trabalho ou escola só são registradas quando superiores a 500 metros. A Figura 2 apresenta a instrução da página 63 do manual da pesquisa OD 2012. Neste trabalho, a opção do Metrô de não incluir as viagens a pé com menos de 500 metros foi denominada sub-registro.

 

Figura 2 – Registro igual ou superior a 500 metros

Como proposição metodológica para superar sub-registro das viagens, a ideia foi verificar o percentual de viagens dos modos bicicleta e dirigindo automóvel, para determinar o percentual de viagens a pé com menos de 500 metros. Ou seja, supõe-se que o percentual de viagens de bicicleta com menos de 500 metros deve ser o mesmo percentual do modo a pé; ou ainda, o percentual de viagens dirigindo automóvel nesta faixa de distância deve também acontecer para o modo a pé.

Esta suposição é pertinente porque as distribuições das distâncias de viagens, juntamente com outros custos, explicam a probabilidade de uma viagem ocorrer, a depender também das oportunidades de realização da atividade a partir da origem (Ortúzar e Willumsem, 2001). A Figura 3, adaptada desse livro, exemplifica algumas curvas, mostrando como a distribuição varia com o custo generalizado ( neste exemplo, o custo generalizado é uma equação que pondera diversos custos, como distância, tempo e dinheiro).

Figura 3 – Exemplos de função de custo generalizado

 

Basicamente, compara-se o formato das curvas percentuais de distância para inferir qual seria a curva do modo a pé.

O modo bicicleta foi escolhido por ser também um modo ativo, e embora seja mais fácil percorrer distâncias um pouco maiores com bicicleta, os custos envolvidos na viagem a pé e na viagem de bicicleta são parecidos. O modo dirigindo automóvel foi inserido na análise para fins de comparação, porque é um modo individual e apresenta maior amostra na pesquisa. Já as viagens realizadas por modos coletivos tendem a ter distâncias mais longas, sendo inadequadas para comparação com as viagens a pé em termos de distância.

Vale notar que a distância que consta da base de dados da pesquisa é a distância em linha reta entre os pontos de origem e destino, não correspondendo exatamente ao percurso realizado. De qualquer forma, foi usada como aproximação do que pretende medir.

Curvas percentuais – Resultados

A Figura 4 apresenta as curvas dos modos a pé, bicicleta e dirigindo automóvel, por motivos trabalho/educação e outros motivos. As distribuições percentuais de viagens de bicicleta indicam 19% das viagens com menos de 500 metros com motivos trabalho e educação, e 16% por outros motivos. Das viagens dirigindo automóvel, são 7% com motivos trabalho e educação e 6% por outros motivos. É importante notar que compõem a amostra apenas 170 viagens de bicicleta, enquanto as viagens do modo dirigindo automóvel são 7.154 na amostra.


Figura 4 – Distribuição percentual de viagens modos a pé, dirigindo automóvel e bicicleta, por motivo

Ao se comparar as curvas, surpreendentemente, a distribuição de viagens a pé com motivos trabalho e educação, que são registradas independentemente da distância, é bastante parecida com a distribuição percentual de viagens a pé por outros motivos, que só seriam registradas acima de 500 metros.

Provavelmente, isto é devido à distância linear  ser menor que a distância percorrida, ou  seja, viagens computadas com menos de 500 metros são mais longas na realidade. Há também pouca precisão para o entrevistador decidir registrar ou não a viagens de  “5 quadras ou mais”, e talvez parte das viagens curtas tenham sido registradas.

A Figura 5 mostra o detalhamento das distâncias a cada 100 metros. Era esperado que o percentual de viagens por outros motivos fosse menor que viagens por motivos trabalho e educação, nas faixas a cada 100 metros. Esta expectativa não se confirmou, e só é possível concluir que é essencial que as viagens a pé sejam tratadas como todos os outros modos  de transporte, para que não se tenha distorções nos registros de viagens.

Figura 5 – Distribuição das viagens a pé, a cada 100 metros, por motivos outros e motivos trabalho e educação

 

Sub-relato

Por fim, como o terceiro abordado neste trabalho é o sub-relato, que ocorre por conta do entrevistado. O sub-relato de viagens é um problema conhecido das pesquisas de padrão  de viagens, e é uma consequência do caráter de autodeclaração de viagens.

Richardson, Ampt e Meyburg (1995) indicam que os respondentes tendem a não considerar as viagens curtas, as que não considerem importantes ou as que não são motorizadas. De acordo com Oliveira et al (2010), o sub-relato ocorre em percentual significante de viagens, especialmente as relacionadas a atividades de curta duração sem relação com trabalho ou em viagens não motorizadas, atingindo de 20 a 50% dependendo do motivo da viagem e outras características. Segundo Murakami e Wagner (1999), pesquisas sobre padrão de viagens realizadas com registros em diários de viagens apresentam problemas de sub-relato em viagens curtas, e informações imprecisas sobre hora de início e fim de viagem  e precisão de localização.

Nota-se então que o sub-relato é um problema sistemático que impacta diretamente as viagens a pé. Sendo assim, qualquer tentativa de superá-lo passa por suposições de comportamento do padrão de viagens e cruzamentos de dados nem sempre adequados ou possíveis com as variáveis disponíveis. Assim, a abordagem aqui sugerida não é exaustiva, pelo contrário, é um exercício de mineração possível a partir da base de dados da pesquisa OD.

Como proposição metodológica para superar sub-relato, tentou-se estimar  viagens realizadas no horário do almoço para pessoas que trabalham fora. Esta estimativa  se justifica pelo notável volume de pedestres entre 12h e 14h em alguns centros comerciais de São Paulo. Dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009 (IBGE, 2010) indicam que 24% das despesas com alimentação eram gastos fora de casa no Brasil. Sendo assim, é esperado um pico de viagens por volta das 12h por motivo “assuntos pessoais”. De fato, a pesquisa OD 2012 indica 400 mil viagens a pé por motivos pessoais (com horas  de início 12h e 13 horas), porém eram mais de 5 milhões de empregos formais no município segundo Seade (2017).

Novamente, esta proposição não tem a pretensão de solucionar o problema ou ser exaustiva, mas sim indicar uma possível mensuração das viagens a pé, com dados disponíveis na pesquisa OD. Vale notar que este método pode ter sobreposição com o sub- registro de menos  de 500 metros.  Diferentemente da sub-identificação e do sub-registro,  a análise do sub-relato foi feita por pessoas e não por viagens.

Estimativa de pessoas que podem ter viagens no horário de almoço – Resultados

Foram analisadas as pessoas com registro de viagem de trabalho com mais de oito horas sem nenhuma viagem intermediária. Para isso foi verificado se: 1) a atividade teve início entre 6h e 10h da manhã, pois assim seria esperado um intervalo para refeição entre 12h e 14h; 2) o motivo no destino de uma viagem é o mesmo motivo na origem da próxima viagem, pois é necessário checar se não houve falha na cadeia de viagens; 3) se  o município em que a atividade ocorre é São Paulo; 4) se a pessoa tem trabalho (condição de atividade=1); 5) se a pessoa é maior de 18 anos; 6) se a duração da atividade foi maior que 480 minutos.

Para o sub-relato, considerando os critérios da abordagem metodológica adotada, são 360 mil pessoas com trabalho na indústria, 420 mil trabalhando em comércio e 1.7 milhões em serviços. Dada a possibilidade de haver refeitórios nas instalações, os dados da indústria foram desconsiderados. A Tabela 3 apresenta cenários de pessoas potenciais caminhantes na hora do almoço. São mostrados cinco cenários, de dez a cinquenta por cento de caminhantes.

 

Tabela 3 – Cenários percentuais de potenciais caminhantes

 

Trabalho

 

Pessoas

Cenário 10% Cenário 20% Cenário 30% Cenário 40% Cenário 50%
Comércio 419.598 42.000 84.000 126.000 168.000 210.000
Serviços 1.694.289 169.000 339.000 508.000 678.000 847.000
Total 2.113.886 211.000 423.000 634.000 846.000 1.057.000

 

Assim, em um cenário que apenas metade das pessoas que trabalham mais de oito horas nos setores de comércio e serviços saiam para almoçar, há em torno de um milhão de pessoas caminhantes na cidade.

CONCLUSÕES

Este trabalho aponta o modo a pé é como o mais importante modo de transporte em São Paulo. Além das 7,9 milhões de viagens existentes totalmente a pé, são mais 8,9 milhões de viagens a pé equivalentes realizadas juntos com outros modos. Ademais, uma abordagem proposta indicou pelo menos um milhão de pessoas caminhantes no horário de almoço. A análise de sub-registro indica que as viagens a pé deveriam ser tratadas como todos os outros modos de transporte na pesquisa OD. Sendo assim, este trabalho mostrou que os parâmetros na pesquisa OD de São Paulo precisam ser revistos para não subestimar as viagens a pé.

Há também questões específicas da mobilidade a pé que não são abrangidas por uma pesquisa que mede todos os modos de maneira geral, pois a pesquisa OD acaba não servindo para o planejamento da rede de mobilidade a pé, por exemplo. Dado o descaso histórico com este modo, se faz necessária uma pesquisa de padrão de viagens específica para o transporte a pé, para compreender suas dimensões e particularidades, como deslocamentos dentro dos bairros por motivos diversos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009: aquisição alimentar domiciliar per capita. Rio de Janeiro, 2010.

Malatesta, Maria Ermelina Brosch. Andar a pé: uma forma de transporte para São Paulo. Dissertação de mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 254p., 2007.

Companhia  do  Metropolitano  de  São  Paulo.  Secretaria  dos  Transportes Metropolitanos. Pesquisa       de       Mobilidade       2012.       Base       de       dados.       Disponível      em:  <http://www.metro.sp.gov.br/metro/numeros-pesquisa/pesquisa-mobilidade-urbana- 2012.aspx>.

            . Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Pesquisa de Mobilidade 2012 Manual da                      Pesquisa                        Domiciliar,                2012.                Disponível                em:  <http://www.metro.sp.gov.br/metro/arquivos/mobilidade- 2012/manuais/manual%20domiciliar_2012.pdf>.

Murakami, E., Wagner, D.P., Can using global positioning system (GPS) improve trip reporting?. Transportation Research Part C, n. 7, pg 149-165, 1999.

Oliveira, M.G.S., Vovsha, P., Wolf, J., Birotker, Y., Givon, D., Paasche, J., GPS-assisted prompted recall household travel survey to support development of advanced travel model in Jerusalem, Israel. In: 89th Transportation Research Board Annual Meeting, Washington, Estados Unidos, 2010.

Ortúzar, J.D., Willumsem, L.G., Modelling transport. J. Wiley, New York, 2001, p.182.

Richardson, A.J., Ampt, E.S., Meyburg, A.H., Survey methods for transport planning. Eucalyptus Press, Australia, 1995.

Seade. Informações dos Municípios Paulistas, 2017. Disponível em: <http://www.imp.seade.gov.br>.

Svab, Haydée. Evolução dos padrões de deslocamento na Região Metropolitana  de São Paulo: a necessidade de uma análise de gênero. Dissertação de mestrado. Escola Politécnica. Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, 472p., 2016.

 

COMUNICAÇÕES TÉCNICAS 21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO – 28, 29 E 30 DE JUNHO DE 2017

TEMA: Mobilidade Ativa: Ações de organizações da sociedade civil

Imagem do post:21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO

Como a sociedade civil organizada é capaz de influenciar e pautar o poder público com relação à mobilidade urbana – o caso da Cidadeapé.

Publicado originalmente em: ANTP – 21º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito
Autoras: Leticia Leda Sabino e Joana Canêdo / Cidadeapé
Data da publicação: 19/07/2017

A falta de atenção à mobilidade a pé, modo de transporte mais utilizado nas cidades brasileiras, levou a criação da Cidadeapé, em São Paulo, associação que atua junto ao poder público e a sociedade para melhorar a mobilidade a pé. Apresenta-se a relevância e o histórico de atuação da associação.

PALAVRAS-CHAVES
Mobilidade a pé, pedestre, sistema de transporte a pé, mobilidade sustentável, mobilidade ativa

 

INTRODUÇÃO

Os números são inequívocos: o meio de transporte mais utilizado nas cidades brasileiras é o modo a pé. Além disso, a legislação federal e municipal (São Paulo) estabelece prioridade dos modos de transportes ativos sobre os motorizados. Apesar disso a mobilidade a pé não recebe investimentos compatíveis com a sua importância, sendo pouco reconhecida formalmente pelos órgãos públicos municipais como um meio de transporte de fato.

Na cidade de São Paulo, e em todo o Brasil, os modos de transporte ativos começaram a ganhar destaque com o movimento cicloativista de contestação do espaço público e condições mais seguras para se deslocar por bicicleta. Tais movimentos ganharam maior relevância com as jornadas de junho de 2013. Porém, o modo a pé continuava sem conseguir relevância na mídia, nas mobilizações sociais e nas políticas públicas.

Foi nesse contexto que foi criada a Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo em 2015. A associação reúne pessoas engajadas em questões relativas à mobilidade, sustentabilidade e resiliência urbana, que decidiram criar uma entidade de defesa e valorização do transporte a pé.

Desde sua criação a associação tem trabalhado em quatro frentes principais: 1) Pesquisa; 2) Participação política; 3) Mobilização social; 4) Difusão de conhecimentos.

Essa atuação gerou impactos diretos e relevantes na gestão da cidade nos últimos anos, como por exemplo a criação da Câmara Temática da Mobilidade a Pé, um espaço de participação social dentro da Secretaria Municipal de Transportes, para discutir questões relativas a esse modo de deslocamento e seu lugar dentro do sistema de mobilidade da cidade.

Esta comunicação tem como objetivo apresentar as principais ações da Cidadeapé e seus resultados na sociedade e na gestão pública, como forma de informar e incentivar outras cidades e cidadãos a se organizarem para garantir o desenvolvimento humano e sustentável de seus espaços urbanos.

DIAGNÓSTICO

Nascimento de uma organização de voluntários pela mobilidade a pé

O ano de 2014 foi marcado na cidade de São Paulo como o ano da bicicleta. Foi quando uma política cicloviária começou a ser implementada de fato, com o planejamento de um sistema cicloviário para o município e o início da instalação de trechos de ciclovia por toda a cidade – o objetivo era alcançar 400 km de ciclovias até 2016. “Visando minimizar os crescentes problemas de congestionamento e a prejudicial emissão de gases poluentes, o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (Lei Municipal 16.050/2014), em conformidade com a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei Federal 12.587/2012), define diretrizes que favorecem os modos de transporte não motorizados, incentivando o uso da bicicleta como meio de transporte sustentável” (CET, 2014).

Do ponto de vista da mobilidade urbana sustentável – que tem como foco o transporte de pessoas nas cidades de maneira saudável, humana, limpa, eficiente e econômica –  essa decisão política, acompanhada de progressos visíveis, com inaugurações de trechos semanais, foi de grande importância, indicando avanços. Os movimentos cicloativistas, que lutavam há mais de 10 anos por melhorias no transporte cicloviário, começaram a ver suas necessidades ouvidas e implementadas. Mais do que isso, a sociedade civil passou a participar de discussões formais com o poder público, com o objetivo de contribuir para soluções ainda melhores, ao mesmo tempo em que levavam críticas com fundamentação técnica e empírica sobre o que estava sendo realizado. O trabalho de anos de movimento cicloativista foi decisivo para chegar a esse ponto.

Mas em que situação se encontrava o transporte mais utilizado, e ao mesmo tempo o menos reconhecido, na cidade de São Paulo (e no Brasil) – o transporte a pé? Não havia nenhuma programa  de política pública voltada para esse modo de deslocamento como uma rede de transporte. O caminhar não era considerado um modo de transporte pelos órgão responsáveis por políticas de mobilidade urbana na cidade, e os pedestres eram vistos apenas como vítimas de trânsito, que deveriam ser circunscritos a espaços cada vez menores de calçada, limitados em suas possibilidades de atravessar ruas por barreiras visando sua “segurança”. O paradigma era o transporte de veículos, não de pessoas – o desempenho do sistema de transporte definido apenas pelo fluxo motorizado, não pela capacidade, ou ainda melhor a qualidade, do deslocamento dos habitantes da cidade.

Inspirados no movimento cicloativista, e incomodados com a desconsideração do modo a pé, um grupo de cidadãos engajados em questões relativas à mobilidade, sustentabilidade e resiliência urbana decidiu que era importante se organizar de forma ampla e dar voz aos mais variados cidadãos que usam os pés como meio de transporte – o maior em números e o menor em peso social. Assim com o objetivo de unir-se ao coro da mobilidade ativa, mas com voz própria, a fim de defender, valorizar e demandar melhorias para o transporte a pé, formaram uma associação aberta à participação de qualquer cidadão.

Um movimento nesse sentido já havia apontado há algumas décadas, em 1981 com a fundação da ABRASPE – Associação Brasileira de Pedestre – já não atuante. E mais recentemente, o tema havia voltado a receber atenção com a fundação e atuação do SampaPé!, que desde 2012 atua para valorização do caminhar e melhorar a experiência do modo a pé na cidade.

O que parecia faltar era um movimento ativista e com atuação política, nos moldes do cicloativismo. Em março de 2015, o grupo promoveu sua primeira reunião pública, convocando pessoas de toda a cidade que de alguma forma já estavam engajadas no tema, ou simplesmente caminhantes a procura de um espaço de discussão e ação. O grupo reunia então cidadãos envolvidos nos movimentos de mobilidade a pé, por bicicleta e transporte público, ambientalistas ligados a parques e arborização urbana, movimentos urbanos de reapropriação do espaço público, movimentos de pessoas com deficiência, como cegos e cadeirantes, além de profissionais ligados às áreas de desenvolvimento urbano, tais como gestores ambientais, geógrafos, arquitetos e urbanistas.

O mote comum era uma cidade com mais qualidade de vida: humana, agradável, resiliente, saudável e sustentável (do ponto de vista ambiental, mas também econômico). A visão é de que os modos de transporte ativos fazem bem para as cidades e podem ser ótimos para as pessoas, desde que a infraestrutura e as condições de deslocamento sejam boas, seguras, eficientes e confortáveis.

A proposta era formar uma associação de pessoas voluntárias, dispostas a dedicar parte de seu tempo, conhecimentos e talentos em prol de uma causa: a mobilidade a pé. O grupo ganhou o nome de Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo e passou a se reunir regularmente e a trabalhar pela melhoria da mobilidade a pé na cidade.

O sistema de transporte mais utilizado – e desconsiderado

“É urgente o entendimento de que pessoas andando pela cidade estão se deslocando fazendo uso de um sistema de transporte: o sistema de mobilidade a pé. […] Portanto tanto pela importância deste sistema para as cidades quanto o seu estado atual deveria ser o sistema de mobilidade com maior atenção tanto do poder público, que tem como dever trabalhar pelo bem coletivo, quanto da sociedade como usuária frequente e em massa deste sistema” (Sabino 2015).

Antes de dar prosseguimento, é essencial enfatizar dois pontos. 1) O deslocamento a pé é um sistema de transporte. 2) O sistema de transporte a pé é o mais utilizado na cidade de São Paulo (e no Brasil).

Quanto aos números, pesquisas nacionais e regionais de mobilidade informam: no Brasil, 36,5% das viagens diárias são feitas a pé e 28,3% de transporte coletivo (ANTP, 2016). Na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), aproximadamente 1/3 das viagens diárias são feitas exclusivamente a pé e mais de 36% de transporte coletivo, segundo as pesquisas Origem e Destino e de Mobilidade do Metrô (2008 e 2013).

“Cabe ser ressaltado que a pesquisa [Origem e Destino do Metrô] considera como modo a pé as viagens com extensão mínima a partir de 500m realizadas totalmente a pé. Se considerarmos que as viagens de transporte coletivos [costumam] ser iniciadas e terminadas por um percurso a pé, [em muitos casos] superior a 500m, concluímos que a representatividade do modo a pé perfaz a esmagadora maioria de 2/3 das viagens realizadas, ou quase 70% do total de todos os deslocamentos realizados na Região Metropolitana de São Paulo”. (MALATESTA, 2007)

Observa-se uma nítida subdimensão do número de viagens a pé nas cidades, uma vez que os números acima desconsideram todas as viagens curtas, de menos de 500 metros. Segundo uma análise realizada pelo Eng. Horácio Figueira para a Rede Nossa São Paulo, se considerados o número de viagens a pé mais o número de conexões a pé entre modos de transporte coletivo –  desde a origem, entre modos e até o destino –, chega-se ao número incrível de “39,91 milhões de deslocamentos / viagens a pé na cidade de São Paulo” (RNSP, 2014). Em outras palavras, dois terços de todas os deslocamentos realizados pelas pessoas.

Quanto ao sistema de transporte, é o conjunto de elementos que se articulam para permitir o deslocamento de pessoas entre ponto de origem e de destino. No caso do transporte a pé, o sistema é formado por vias, calçadas, travessias, pontes, passarelas, sinalização, faróis, etc. O problema, como bem indica Sabino (2015), é sua fragmentação, pois numa cidade como São Paulo, “a infraestrutura da mobilidade a pé tem diferentes responsáveis e que pouco se conversam”. As calçadas são de responsabilidade dos proprietário dos imóveis lindeiros com fiscalização (teórica) das subprefeituras (PMSP, 2011); as travessias, como ocorrem pela via, são de responsabilidade da CET, incluindo faixas, passarelas e sinalização luminosa; a sinalização indicativa para pedestres foi um projeto da Secretaria de Turismo; as árvores, praças e canteiro são da Secretaria do Verde e Meio Ambiente; os pontos de ônibus da Secretaria Municipal de Serviços e Obras, através da SP Obras, assim como as lixeiras e outros serviços. Isso sem contar iluminação, bancas de jornal, escadarias, parklets, mesas nas calçadas, coleta de lixo e todo o mobiliário e serviços de responsabilidade das concessionárias de eletricidade, gás, telefonia, etc. Em suma, muitos donos para poucos responsáveis, o que resulta numa infraestrutura deteriorada, ineficiente e insegura para a mobilidade a pé.

Além disso, nas mais recentes legislações federais e municipais, o pedestre e a mobilidade a pé são colocados como prioridade. Porém isso só ocorre nominalmente, pois no próprio texto e, sobretudo na prática gestora pública, ela continua relegada ao último plano.

No plano federal, o Código de Trânsito Brasileiro – CTB (PLANALTO, 1997) define trânsito como a utilização da via por pessoas em primeiro lugar (Art. 1o), no entanto, quando se trata da competência dos órgãos executivos, (Art. 21, II), eles devem “planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito” primeiramente dos veículos, e apenas depois dos pedestres – o que costuma ser preterido. A Política Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU (PLANALTO, 2012), determina a “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”. A mais recente Lei Brasileira de Inclusão (PLANALTO, 2015) dispõe no art. 46 que “o direito ao transporte e à mobilidade da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida será assegurado em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, por meio de identificação e de eliminação de todos os obstáculos e barreiras ao seu acesso”.

Nos exemplos municipais, destacam-se o Plano Diretor Estrutural da Cidade de São Paulo – PDE que determina uma “melhoria e complementação do sistema de mobilidade urbana, com integração entre os sistemas de transporte coletivo, viário, cicloviário, hidroviário e de circulação de pedestres, dotando-o de condições adequadas de acessibilidade universal e sinalizações adequadas” (PMSP, 2014).

O próprio Plano de Mobilidade Urbana do Município de São Paulo – PlanMob, bastante inovador e avançado, coloca entre suas primeiras diretrizes a “democratização do espaço viário e a prioridade aos pedestres e aos modos ativos” (PMSP, 2015); no entanto o capítulo dedicado ao sistema de “circulação de pedestres” (e não de transporte) é o terceiro nas propostas do plano de mobilidade urbana.

Na prática os espaços físicos, os tempos urbanos e os investimentos públicos continuam sendo dedicados e priorizados aos meios motorizados, e em particular aos individuais em detrimento dos coletivos.

Considerando esses dados, as perguntas as quais a organização se baseia para definir sua atuação e pressionar o poder público são:

  1. Por que o Estado não cumpre sua função, definida por lei, de dar condições de atendimento à demanda de mobilidade das pessoas nas cidades?
  2. Por que os investimentos dedicados ao transporte a pé são inferiores àqueles dedicados aos meios de transporte individual e coletivo – e não proporcionais ao número de pessoas que transporta e aos benefícios que o transporte a pé pode promover nas cidades?
  3. Por que as cidades não têm políticas públicas dedicadas à melhoria da mobilidade a pé, mas apenas paliativos de segurança que pouco conhecem a realidade deste modal? (Como por exemplo, implantação de gradis em cruzamentos “perigosos”).
  4. Por que o deslocamento a pé é tão inseguro e as maiores vítimas do trânsito são os pedestres, ultrapassando 400 mortes por atropelamento por ano só na cidade de São Paulo? (CET, 2016)
  5. Por que toda essa massa populacional que se desloca a pé todos os dias pelas cidades ainda se sente insegura, tensa, desconfortável e desprezada?

 

PROPOSIÇÕES

Início da atuação

Foi com essas questões em mente que os integrantes da Cidadeapé começaram a trabalhar. Definimos nossa missão como a de proporcionar “representatividade formal perante o poder público a fim de defender as condições dos espaços da cidade para quem se desloca a pé: os pedestres. [Numa] organização de voluntários trabalhando por uma cidade acessível, amigável e, sobretudo, caminhável” (Cidadeapé, c. 2015). E elencamos os seis principais objetivos para nossa atuação:

  1. Segurança absoluta para quem anda a pé
  2. Calçadas caminháveis para todos
  3. Valorização da mobilidade a pé como meio de deslocamento na cidade
  4. Sinalização específica para a mobilidade a pé
  5. Travessias e espaços de compartilhamento da via com prioridade total às pessoas se deslocando a pé
  6. Estabelecer e consolidar a rede de mobilidade a pé

O trabalho foi então iniciado em quatro frentes principais: 1) Pesquisa; 2) Participação política; 3) Mobilização social; 4) Difusão de conhecimentos.

Pesquisa

Esta frente se dedica a obter fundamentação legal, técnica, teórica e empírica para a atuação política da associação. Para tanto fazemos: levantamento e análise de legislação nas três esferas do governo; levantamento de literatura de referência nas esferas pública, acadêmica, privada e de organizações da sociedade civil; pesquisas empíricas, tais como contagem de pedestres, análise e auditoria de situações de trânsito, etc.

Participação política

No plano público, participamos dos espaços de participação social do governo municipal, tais como do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte, Câmara Temática de Mobilidade a Pé, audiências públicas, reuniões secretariais, conselhos regionais, etc. Além disso, articulamos e conversamos com membros do legislativo municipal e federal para discutir e propor modificações, implementações, adições ou veto de leis relacionadas ao transporte a pé ou a mobilidade urbana em geral.

Mobilização social

No plano social, defendemos publicamente nossos posicionamentos com relação à mobilidade urbana por meio de manifestos, cartas abertas, entrevistas, artigos, etc. Foi o caso dos posicionamentos em defesa de ciclovias, ruas abertas, diminuição do limite de velocidade nas marginais, entre outros.

Além disso realizamos ações públicas de sensibilização, esclarecimento e informação, tais como a celebração do dia do pedestre, vídeos para questionar os tempos semafóricos, participação em eventos como o “Desafio Intermodal”.

Difusão de conhecimentos

No plano da difusão dos conhecimentos mantemos um site ativo e regularmente atualizado com textos produzidos pela associação assim como reportagens, artigos científicos e acadêmicos, relatórios técnicos, pesquisas etc.

Fazemos apresentações em conferências e seminários, como no Encontro Estadual de Arquitetos, na Faculdade de Saúde Pública, Seminário Cidades a Pé, Congresso Peatonal (no México), entre outros.

Além disso oferecemos oficinas gratuitas sobre legislação, estrutura dos órgãos governamentais e conceituação e discussão da mobilidade a pé como sistema de transporte, convivência entre pessoas a pé e de bicicleta, além de visitas técnicas e culturais pelas ruas da cidade.

 

RESULTADOS

Ao longo dos seus dois anos de existência a Cidadepé ganhou espaço e envergadura no plano municipal, e também teve participação em discussões nacionais. A Cidadeapé se posicionou entre organizações sociais de mobilidade ativa e sustentabilidade, agindo de modo independente, mas também em parceria próxima de outras organizações[1], buscando unir conhecimento técnico e força.

A seguir uma lista, não exaustiva, dos principais trabalhos realizados pela Cidadeapé – muitas vezes em parceria com entidades afins – com importantes conquistas legislativas e práticas para a mobilidade a pé, além de sensibilização social e política para o tema, estabelecendo uma base para mudanças de paradigmas com relação à mobilidade urbana.

Legislação municipal e federal

  • Contribuições na redação de propostas para o Plano Municipal de Mobilidade Urbana (2015) referentes à mobilidade a pé junto com outras organizações. Nossas contribuições foram aproveitadas e o capítulo sobre mobilidade a pé no PlanMob final ganhou mais relevância.
  • Contribuições para a revisão do Código de Obras e Edificações (COE) (PL 466/2015). Parcialmente aceitas.
  • Contribuições para o substitutivo ao PL do Estatuto do Pedestre (PL 617/2011). Substantivamente aceitas.
  • Consultoria para o PAC Mobilidade Ativa. A minuta apresentada por movimentos ciclistas nacionais prevê recursos para a infraestrutura da mobilidade a pé e por bicicleta e foi entregue ao Ministério das Cidades.
  • Campanha junto à sociedade e articulação junto a senadores para vetar o PL do “Gesto de Pedestres” (PLC 26/10), que representa um retrocesso nos direitos e na segurança dos pedestres brasileiros.

 

Participação no executivo municipal

  • Criação da Câmara Temática de Mobilidade a Pé no CMTT (2015), graças a pressão das entidades ligadas à mobilidade a pé.
  • Membro eleito do CMTT pela nova cadeira de mobilidade a pé, criada por demanda das entidades ligadas à mobilidade ativa.
  • Sugestões para a licitação do transporte público coletivo. Incluímos elementos essenciais para o acesso ao sistema de transporte coletivo, assim como sugestões para informação aos usuários nos pontos de ônibus assim como dentro dos veículos e nos terminais. Parcialmente aceitas.
  • Contribuições para a Cartilha do Pedestre da CET. Substantivamente aceitas.
  • Considerações para o projeto Pedestre Seguro.

 

Relatórios e pesquisas entregues ao poder público

  • Contagem de pedestres na Av. Vital Brasil, com o objetivo de evidenciar as demandas de melhoria da infraestrutura para pedestres no entorno da estação de metrô Butantã.
  • Contagem de pedestres na alça da ponte Cidade Universitária, com o objetivo de evidenciar as demandas de melhoria da infraestrutura para pedestres no entorno da estação Cidade Universitária da CPTM.
  • Contagem de pedestres nas marginais Tietê e Pinheiros, com o objetivo de evidenciar as demandas de melhoria da infraestrutura para pedestres ao longo das marginais.
  • Auditoria cidadã de segurança na avenida João Goulart, na Capela do Socorro, após observação e análise técnica do local, apresentamos à CET relatório com medidas drásticas para o acalmamento do tráfego na região, que é extremamente perigosa.
  • Relatório sobre travessias: o tempo de travessia é curto, o tempo de espera é longo.
  • Relatório sobre semáforos e travessias: recomendações da Câmara Temática de Mobilidade a Pé.

 

Ações políticas

  • Criação do #OcupaCMTT – grupo de candidatos ao Conselho Municipal de Transporte e Trânsito, com o objetivo de chamar a sociedade civil com pauta voltada para a mobilidade sustentável a participar mais ativamente no Conselho.
  • Plataforma de Mobilidade Ativa: mobilidadeativa.org.br, para avaliação de candidatos ao governo municipal.
  • Elaboração, com outras entidades, de pauta sobre mobilidade ativa para as eleições municipais.
  • Elaboração de propostas para o Plano de Metas da gestão 2017-2021.

 

Posicionamentos e participação em debates sociais e políticos

Nossos posicionamentos têm como fundamento os preceitos da “Visão Zero”, em que nenhuma morte ou lesão sejam aceitos nos deslocamentos urbanos, incluindo quedas nas calçadas.

  • Defesa da diminuição dos limites de velocidade nas marginais (2016-17). Além de publicar manifestos e participar de audiências públicas, contribuímos com a elaboração de um dossiê compreensivo entregue ao Ministério Público do Estado documentando como limites de velocidade mais baixos contribuem para melhorar a segurança no trânsito e para evitar lesões e mortes.
  • Manifesto por uma cidade mais humana (2015), defendendo o compartilhamento dos espaços, observando sempre a regra de que o maior deve zelar pela segurança do menor.
  • Carta de apoio às ciclovias (2015), defendendo uma infraestrutura urbana que acomode a todos, e que nos permita usufruir a cidade em um tempo e espaço mais humanos, com segurança e conforto.
  • Nota sobre diminuição das mortes no trânsito na capital (2016), afirmando que as políticas públicas de acalmamento de tráfego são decisões acertadas, mas que ainda é inaceitável a alta taxa de letalidade no trânsito na cidade, especialmente entre os elementos mais frágeis, o(a)s pedestres e ciclistas.
  • Apoio as Ruas Abertas (2017) e as ciclovias (2017).

 

CONCLUSÕES

Acreditamos na força da sociedade civil atuante para discutir questões relacionadas à cidade de modo geral e à mobilidade urbana em particular. Mas principalmente para atuar num espaço anteriormente ocupado exclusivamente pelos meios de transporte motorizados, propondo agendas positivas e novos paradigmas para viver e se deslocar nas cidades.

A Cidadeapé tem mostrado que cidadãos engajados em uma estrutura organizada têm impacto real sobre as políticas públicas, ainda que possa ser mais lento do que gostaríamos. A sociedade civil tem capacidade de levar para a esfera de discussão questões e vivências que estão além dos elementos estritamente técnicos. Esses são evidentemente importantes e necessários, porém há casos em que estão ultrapassados, ou que estão fundamentados em premissas equivocadas no atual contexto de desenvolvimento urbano. É o caso, por exemplo, do cálculo do tempo de travessia para pedestres que tem como premissa o fluxo de veículos e não de pessoas. A sociedade civil também consegue trazer ideias novas sobre o que significa uma cidade melhor para a sociedade como um todo, que às vezes não são consideradas nos espaços essencialmente técnicos e políticos dos órgãos governamentais.

Temos orgulho de estar influenciando positivamente a pauta da mobilidade, porém reconhecemos que a associação ainda precisa ganhar maior relevância na representatividade conseguindo atrair mais associados, de origem e experiências mais heterogêneas, de modo a ser capaz de ampliar verdadeiramente a compreensão da cidade e das necessidades dos cidadãos que por ela se deslocam. Visionamos também inspirar e capacitar outros atores em outras cidades para fortalecer a mudança de paradigma de forma nacional.

Ainda há muito que se trabalhar para atingir os objetivos que elencamos, dos quais de destaca a segurança total para quem caminha. Mas também, e isso não é menos importante, qualidade e conforto para todos os que se utilizam do sistema de transporte mais utilizado nas cidades – o transporte a pé. E em particular os cidadãos mais vulneráveis, como idosos, crianças, pessoas com deficiência. Se a cidade for boa, segura e trata-los com respeito, será para todos. O papel de organizações como a Cidadeapé é trabalhar, junto com os órgãos públicos, para que seja para todos.

 

Organizações da sociedade civil que atuam com mobilidade a pé – seleção

Organização Ano de fundação Site
ABRASPE – Associação Brasileira de Pedestres 1981 www.pedestre.org.br
Cidade Ativa 2014 www.cidadeativa.org.br
Cidadeapé – Associação pela mobilidade a pé em São Paulo 2015 www.cidadeape.org
Como Anda 2016 www.comoanda.org.br
Corrida Amiga 2014 www.corridaamiga.org
Pé de Igualdade 2014 www.mobilize.org.br/blogs/pe-de-igualdade/
SampaPé! 2012 www.sampape.org

Para uma lista mais abrangente, ver Como Anda:

www.comoanda.org.br/organizacoes/

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRANSPORTES PÚBLICOS – ANTP. Sistema de Informações da Mobilidade Urbana: Relatório Geral 2014. 2016. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRÁFEGO – CET. Bicicleta: um meio de transporte. [2014]. Disponível em:  . Acesso em: 22/05/2017.

COMPANHIA DE ENGENHARIA DE TRÁFEGO – CET. Acidentes de Trânsito Fatais: Relatório Anual 2015. 2016. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

MALATESTA, Maria Ermelina. Andar a pé: um modo de transporte para a cidade de São Paulo. São Paulo: FAU-USP, 2007. Dissertação de mestrado.

METRÔ. Pesquisa Origem e Destino 2007: Síntese das Informações da Pesquisa Domiciliar. 2008. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

METRÔ. Pesquisa de mobilidade 2012: Síntese das informações pesquisa domiciliar. 2013. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

PLANALTO. Código de Trânsito Brasileiro, lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997. 1997. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

PLANALTO. Política Nacional de Mobilidade Urbana, lei nº 12.587, de 3 de janeiro de 2012. 2012. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

PLANALTO. Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO – PMSP. Lei nº 15.442, de 9 de setembro de 2011. 2011. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO – PMSP. Política de Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, lei nº 16.050 de 31 de julho de 2014. 2014. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO – PMSP. Plano de Mobilidade Urbana do Município de São Paulo. 2015. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

REDE NOSSA SÃO PAULO – RNSP. Sugestões para a elaboração do Plano de Mobilidade Sustentável de São Paulo. 2013. Elaborado por Horácio Augusto Figueira, no Grupo de Trabalho Mobilidade Urbana. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

SABINO, Leticia. O sistema de transporte mais utilizado. Portal Mobilize, 2015. Disponível em: . Acesso em: 22/05/2017.

[1] As principais organizações parceiras com as quais a Cidadeapé costuma trabalhar são: SampaPé!, Corrida Amiga, Pé de Igualdade, ANTP, Ciclocidade, IDEC, Cidade Ativa, entre muitas outras entidades amigas em São Paulo e no Brasil.

COMUNICAÇÕES TÉCNICAS 21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO – 28, 29 E 30 DE JUNHO DE 2017

TEMA: Mobilidade Ativa: Ações de organizações da sociedade civil

Imagem do post:21º CONGRESSO BRASILEIRO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO SÃO PAULO

16a Reunião Geral da Cidadeapé

Todos estão convidados a participar da 16a Reunião Geral da Cidadeapé, segunda-feira, 25/07/16, às 19h, no Casarão do Belvedere. A reunião é aberta ao público e todos estão convidados.

Mas, antes da reunião, você pode dar uma ajuda preciosa à Cidadeapé. Responda nosso formulário sobre compromissos dos candidatos e candidatas à Prefeitura com a Mobilidade Ativa. Se você já respondeu, peça para um amigo e uma amiga responderem também. Quanto mais pessoas colaborarem, mais força teremos!

Pauta da 16a Reunião Geral

  • Ações do GT Eleições
  • Cartilha do Pedestre e Dia do Pedestre
  • CT Mobilidade a Pé: Composição e possível site
  • Questão de Calçadas: definição de discurso
  • Gerência de Mobilidade Ativa na CET
  • Grupo de Trabalho com SPTrans
  • Estatuto do Pedestre e Código de Obras: estratégias para forçar mudanças
  • Ações na João Goulart e na Praça da Paz
  • Informes e outros assuntos
    • Organização interna
    • Evento Viva Anariá

Notícias de JULHO

Cidadeapé apresenta contribuições à revisão do Código de Obras
Cidadeapé e Comissãto Técnica de Mobilidade e Acessibilidade da ANTP contribuem com substitutivo ao PL do estatuto do Pedestre
Relato sobre o encontro do GT Eleições com a equipe do pré-candidato à reeleição Fernando Haddad
São Paulo faz eleições para Conselho de Transportes e Trânsito

Agenda

22/07/16 Reunião da CT de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP
08/08/16 – Dia do Pedestre
25/08/16 19a Reunião do CMTT
17/08/16Reunião da Câmara Temática de Mobilidade a Pé

16a Reunião Geral da Cidadeapé

Dia: Segunda-feira, 25/07/16
Hora: Das 19h às 21h
Local: Casarão do Belvedere
Endereço: Rua Pedroso, 267
Como chegar: Metrô São Joaquim ou Avenida Brigadeiro Luís Antônio
Imagem do post: Sede da Câmara Municipal de São Paulo no viaduto Jacareí. Foto: Devanir Amâncio

 

Cidadeapé e Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP contribuem com substitutivo ao PL do Estatuto do Pedestre

No dia 15 de junho foi aprovado na Câmara dos Vereadores, em primeira votação, o Estatuto do Pedestre, Projeto de Lei (617-2011)de autoria do vereador José Police Neto (PSD). Apesar de trazer pontos importantes sobre a garantia de direito às pessoas que se locomovem a pé pela cidade, o projeto de lei apresentava muitos pontos que precisavam ser melhorados. Por isso, um grupo de trabalho liderado pela Comissão Técnica de Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP, da qual participaram também Cidadeapé, Corrida Amiga, Idec e SP Para o Pedestre, colaborou com o vereador para aprimorar o projeto.

O Estatuto do Pedestre foi apresentado à Câmara em 2011, alguns anos antes da aprovação de novos marcos legais importantes como o atual Plano Diretor Estratégico, a Lei Brasileira de Inclusão e a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Por esse motivo, estava bastante defasado em relação aos novos paradigmas da mobilidade urbana, além de trazer em sua redação conceitos desatualizados e que contrariavam leis existentes, em especial o Código de Trânsito Brasileiro . Veja os comentários da ANTP sobre o texto original.

Com a previsão de ir à votação entre os dias 30 de junho e 1º de julho, a comissão acelerou os trabalhos a fim de propor um substitutivo que contemplasse de maneira satisfatória as demandas da mobilidade a pé na cidade de São Paulo. Em linhas gerais, o grupo de trabalho buscou, na redação do substitutivo: reforçar o conceito de que mobilidade a pé é um sistema de transporte, destacar o pedestre nas políticas de mobilidade urbana, fomentar o debate sobre a mobilidade a pé, subsidiar políticas que garantam a criação da rede de mobilidade a pé e garantir o direito social básico de acesso à cidade pelos que caminham.

Ao fim o texto não chegou a ir para a segunda votação, que foi adiada para depois do recesso parlamentar. A expectativa é que seja votado na semana do Dia do Pedestre (8 de Agosto).

Abaixo estão as diretrizes que guiaram as sugestões do grupo. O texto integral do substitutivo proposto pela comissão ao vereador José Police Neto pode ser encontrado aqui.

1 – Financiamento
– Associar o avanço e melhorias de calçadas a fundos como Fundurb, Fema (explicitar a relação entre arborização/compensação ambiental, justificando os recursos do FEMA para mobilidade a pé), mitigações de impacto ambiental e outros.
– Associar avanço de calçadas e projetos de acalmamento de tráfego a intervenções como Operações Urbanas, Polos Geradores de tráfego, PIUs, Licenciamento de Impacto Ambiental etc.


2 – Sinalização
Garantir o direito a uma rede de sinalizações/placas na cidade para o pedestre, a ser criada e desenvolvida levando em conta suas demandas e necessidades sob a lógica da Mobilidade a Pé e das pessoas com Deficiência.


3 – Big data da mobilidade a pé
Fomentar a elaboração e publicação de dados estatísticos sobre a mobilidade a pé na cidade. Rede de dados (Big data) a ser criada e desenvolvida levando em conta demandas e necessidades sob a lógica da Mobilidade a Pé, assim como banco de dados públicos de acidentes de trânsito e verticais (quedas nas calçadas).


4 – Hierarquização
– Baseado em pesquisas de volumes de pedestres, estabelecer uma hierarquização viária para a rede de mobilidade a pé da cidade, definindo-se áreas e vias prioritárias a serem contempladas com políticas que priorizem a Mobilidade a Pé.


5- Tempo Semafórico
– Modificar o método de estabelecimento do tempo semafórico levando em conta a demanda do fluxo de pedestres e não apenas a largura da via nas áreas detectadas como detentoras de maior fluxo a pé.


6- Responsabilização de equipamentos de transporte de massa
– Compatibilizar o impacto dos fluxos a pé ao equipamento instalado – seja ele ponto de ônibus, estação de metrô ou trem, terminal de ônibus –  com a rede viária do entorno em um raio mínimo de 300 metros (raios para pontos e estações podem ser diferente) para acomodar e priorizar estes fluxos tanto nas calçadas como em travessias.

 

7- Readequação de geometria
– Elaborar um plano municipal visando adequar a geometria viária aos novos padrões de velocidade operacional máxima, de forma a proporcionar maior segurança aos que caminham.

Com estas contribuições e mais algumas readequações realizadas no texto do projeto de lei o documento, quando aprovado, possibilitará a implementação de políticas públicas que realmente priorizem a Mobilidade a Pé com  o compromisso de estruturar uma rede contínua, segura, confortável e atrativa para quem caminha na cidade.

“Balanço Geral da Mobilidade a Pé dos últimos anos: atingimos o mesmo pé de igualdade dos demais modais?”

Publicado originalmente emANTP
Autora: Meli Malatesta
Data: 04/04/2016

Mais uma gestão municipal entra na reta final de mandato e exige a feitura de uma reflexão sobre como anda (desculpe o trocadilho) a Mobilidade a Pé na cidade dos últimos anos.

De positivo temos de cara um Plano Diretor que insere a Mobilidade a Pé na matriz modal da cidade, assume e descreve sua rede, institui a criação de área responsável para cuidar do assunto como nunca foi feito antes em qualquer legislação municipal.

Na sequência vem o Plano de Mobilidade – PlanMob, exigência do Programa Nacional de Mobilidade Urbana instituído pela Lei Federal da Mobilidade Urbana. Com a participação da sociedade, através dos primeiros movimentos pedativistas, a insípida redação inicial foi alterada e passou a incluir diretrizes políticas de forma a finalmente descolar o assunto dos tradicionais programas pontuais de segurança trânsito limitados à redução de atropelamentos, assumindo a uma postura mais ampla e sistemática, apesar da recusa da SMT da inclusão do conceito de Rede de Mobilidade a Pé.  O assunto Mobilidade a Pé conseguiu até uma cadeira na estrutura do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte que a princípio, para variar, não havia contemplado este modal na sua formação inicial.

 

Apesar de todas estas boas iniciativas, a aplicação prática da prioridade dada à Mobilidade a Pé ficou restrita a uma única e efetiva ação de abrangência, constituída pelo Programa de Proteção à Vida, responsável por reduzir as velocidades das principais avenidas da cidade a civilizados níveis de 50 Km/h.  Apesar de não ter sido objetivamente  dirigido aos que caminham a pé,  esta redução, minimizada por muitos equivocadamente como indústria de multas, repercutiu positivamente e em pouquíssimo tempo, com uma expressiva redução do número de mortes de pedestres.  Este fenômeno assume enorme importância porque, pela primeira vez desde que os dados de acidentes de trânsito passaram a ser coletados na capital, o atropelamento deixou de ser a ocorrência de trânsito que mais mata gente.

Entretanto ainda há muito a ser feito para se estruturar uma rede por onde se possa exercer definitivamente a mobilidade mais praticada na cidade: são as ações referentes à construção, manutenção e fiscalização das terríveis calçadas paulistanas. Nesta gestão se reduziram a um pífio programa de construção de 1 milhão de metros quadrados de calçadas.  Apesar do impressionante número, quando divididos pelos 2,00 m de largura da média de nossas calçadas resultam em 250 Km, quase nada se comparado aos quase 34 mil Km que representam o total.  É quase a metade do que os já alcançados 400 Km de ciclovias e ciclofaixas que foram implantados nos últimos dois anos.

E quanto à sensação de desconforto gerada pelo pouco tempo de travessia nas faixas semaforizadas, o que foi feito?  Persiste ainda para os que andam a pé a sensação de divisão injusta de tempo nas travessias sinalizadas, mesmo com o vídeo tutorial divulgado pela CET explicando a eles o que é para ser feito nesta bizarra programação.  Pena terem esquecido de preparar outro filme tutorial para os condutores sobre o que fazer nesta situação. Mas efetivamente, até o momento, não houve alteração da política da redivisão do direito de uso do espaço e do tempo dos cruzamentos entre pedestres e veículos, e a exótica programação semafórica da travessia reduzida adotada desde a gestão anterior reina absoluta, indiferente às características de perfil e fluxo de usuário.

Também muito pouco ainda foi feito para melhorar a qualidade do acesso a pé para a utilização dos equipamentos de transporte público coletivo, totalmente desprovidos de infraestruturas de conexão eficientes e seguras e menos ainda de informação sobre as linhas de ônibus que as servem.

Baseados nestas considerações podemos concluir seguramente que mesmo tendo sido criado um ambiente legal propício às políticas de priorização da Mobilidade a Pé e à estruturação de sua rede através da Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei da Mobilidade Urbana de 2012) e da Lei Brasileira da Inclusão, o caminho ainda é longo para que a caminhada possa estar nivelada no mesmo Pé de Igualdade dos demais modais.

Maria Ermelina Brosch Malatesta – Arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrado em Transporte a Pé na FAUUSP e doutorado em Transporte Cicloviário pela FAUUSP; presidente da Comissão Técnica Mobilidade a Pé e Mobilidade e Acessibilidade da ANTP

Imagem do post: Travessia da rua Libero Badaró. Foto: Cidadeapé

Módulo 3: O pedestre na lei

No dia 12 de março, sábado, acontece o terceiro módulo das Formações em Mobilidade a Pé, sobre o tema “O pedestre na lei”.

Vamos discutir como as diversas legislações, de nível federal a municipal, tratam o pedestre e a mobilidade a pé. Embora muitas delas determinem a priorização do deslocamento a pé frente aos outros modos de transporte, não são definidas diretrizes claras que garantam o desenvolvimento de cidades mais caminháveis, acessíveis e seguras para as pessoas.

Queremos destrinchar os significados “escondidos” nos códigos e assim facilitar aos participantes da formação um olhar mais crítico sobre o que a legislação determina e o que fica faltando legislar ou aplicar. Pretendemos avançar e contribuir para o desenvolvimento e a inclusão de propostas para a priorização de fato de quem se desloca a pé, além de estimular e catalisar transformações nas cidades que privilegiem o caminhar com melhor infraestrutura, sinalização, segurança e regulamentação.

A Formação em Mobilidade a Pé é uma atividade gratuita, com a duração de seis horas, e oferecida por voluntários. Inscrições aqui.

Esta é uma iniciativa da Cidadeapé em parceria com  a Comissão Técnica de  Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP. Contamos com o apoio do Colégio Equipe.

Módulo 3: O pedestre na lei

Quando: Sábado, 12/03/16, das 9h às 16h
Local: Colégio Equipe
Endereço: Rua São Vicente de Paula, 374
Como chegar: Metrô Marechal Deodoro

Parte 1 – CTB, PNMU, leis estaduais e municipais
Das 9h às 12h
Responsável: Meli Malatesta
1) O que é o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e sua leitura crítica;
2) O que é a Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) e sua leitura crítica;
3) Leis estaduais e o entendimento das regiões metropolitanas em relação à mobilidade a pé;
4) Leis municipais: calçadas e a apropriação dos espaços públicos de caminhada para outras funções

Parte 2 – Atividade prática: oficina de críticas e propostas
Das 13h às 16h
Responsável: Meli Malatesta
1) Estudos de caso: PlanMob de São PauloPAC Mobilidade Ativa, PLC 26/2010 (Gesto do Pedestre), PL 79/2013 (Modifica Lei da Calçada em São Paulo)
2) Trabalho em grupos: cada grupo escolherá uma legislação para criticar e fazer sugestões.

Bibliografia recomendada:

Compilação de leis relacionadas ao pedestre
As pessoas no CTB a
Diretrizes para o Plano de Mobilidade Urbana 2015 da Cidade de São Paulo referentes à mobilidade a pé
“É preciso ter boas calçadas, mas também muito mais do que isso…”
“A influência da proposta da CT Mobilidade a Pé e Acessibilidade na definição do PlanMob”

Inscrições: preencha o formulário aqui

“Caminhando na diver(cidade)”

Publicado originalmente emANTP
Autora: Silvia Stuchi Cruz
Data: 12/02/2016

Meus pés e pernas são meu principal meio de locomoção: por opção, comodidade, saúde, contemplação da cidade e também para viver mais feliz. A mobilidade ativa nos proporciona a real sensibilidade de estarmos presentes nas ruas, somos protagonistas do nosso próprio deslocamento, ocupamos o espaço que, por direito, é nosso!  Ao correr, vivenciamos também os problemas das ruas, os buracos e obstáculos nas calçadas que uma pessoa sem limitações físicas pode simplesmente saltar, alargar a passada… E quem não tem essa opção? Como fica???

No início de 2016, brincando de jogar vôlei, num simples salto rompi o ligamento do joelho. Resultado: cirurgia, fisioterapia e quase 2 meses de mobilidade temporariamente reduzida. Comecei do zero, reaprendendo e criando confiança para voltar a andar e depois a correr nas ruas – rodeadas de #CalçadasCilada.

Além de parar muitas das minhas atividades cotidianas, dentro da minha própria casa pude encontrar inúmeras limitações como, por exemplo, enfrentar 20 degraus todos os dias para sair e ir a qualquer lugar.

Passado um tempo percebi que encarar a situação de um modo negativo só pioraria ainda mais as coisas e atrasaria minha recuperação. E, praticamente como um “contra-ataque” às adversidades da vida, optei por mergulhar na situação, o que serviu para constatar com nitidez latente a precariedade da infraestrutura das cidades e para legitimar a pertinência e urgência – e procrastinação – em atender as demandas reivindicadas ao longo dos trabalhos de ativismo pela mobilidade a pé e acessibilidade nas cidades.

Ao morar fora do país, a princípio, fiquei perplexa com a quantidade de pessoas com deficiência nos lugares e nas ruas. Mas não é o “lugar” que tem pessoas com deficiência, mas sim os locais é que são acessíveis, ou seja, as pessoas conseguem levar uma vida independente, é garantida a liberdade de ir e vir. Aqui, em terras brasileiras, não! Aqui, elas não conseguem nem sair do portão de casa. Infelizmente aqui grande parte das pessoas com deficiência tem dificuldades enormes em desempenhar atividades cotidianas como trabalhar e estudar. E, em muitos casos, não há sequer informação sobre seus direitos.

Apesar de nítidos avanços alcançados na atualidade, com mais pessoas engajadas em prol da causa da acessibilidade, o país ainda está longe de garantir o direito de ir e vir universal. Somos um país carente de ônibus adaptados e terminais acessíveis, banheiros públicos, guias rebaixadas, calçadas decentes, e edificações com acessibilidade assegurada. Para muito além de uma “Paulista” e uma “Faria Lima” mais acessíveis, precisamos de uma cidade toda acessível.

O apoio e adesão da população a estas medidas são fundamentais para que as mudanças aconteçam. Ponto-chave para que as transformações ocorram é o empoderamento dos cidadãos e cidadãs, conhecendo seus direitos e multiplicando conhecimentos, dando voz e incluindo de modo igualitário quem mais sofre com as condições inadequadas dos espaços urbanos. E não se trata de um movimento exclusivo à cidade de São Paulo. Em outras cidades brasileiras, discussões e mobilizações similares são encontradas.

Por fim, espera-se que em 2016 as Políticas Públicas e Programas continuem a evoluir e a construir mudanças significativas. E mais, que indivíduos e grupos representantes da sociedade civil ampliem sua presença e participação, não só nas questões voltadas ao espaço público e mobilidade urbana, mas em todos os espaços que lhes é de direito.

Silvia Stuchi Cruz é membro da Cidadeapé, idealizadora da Corrida Amiga e secretária executiva da CT Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP.

 

***Dedico o texto aos heróis e heroínas que enfrentam diariamente as barreiras de uma cidade inacessível, em especial: Mila Guedes, Tuca Munhoz, Alan Mazzoleni, Mara Gabrilli, Emerson Almeida, Fabíola Pedroso, Gilberto Frachetta e Ricky Ribeiro.

Agradecimentos especiais aos profissionais Alessander Signorini e Nathália Zampronha, pelos cuidados e por serem cruciais na minha rápida recuperação.