Publicado originalmente em: ANTP
Autora: Silvia Stuchi Cruz
Data: 12/02/2016
Meus pés e pernas são meu principal meio de locomoção: por opção, comodidade, saúde, contemplação da cidade e também para viver mais feliz. A mobilidade ativa nos proporciona a real sensibilidade de estarmos presentes nas ruas, somos protagonistas do nosso próprio deslocamento, ocupamos o espaço que, por direito, é nosso! Ao correr, vivenciamos também os problemas das ruas, os buracos e obstáculos nas calçadas que uma pessoa sem limitações físicas pode simplesmente saltar, alargar a passada… E quem não tem essa opção? Como fica???
No início de 2016, brincando de jogar vôlei, num simples salto rompi o ligamento do joelho. Resultado: cirurgia, fisioterapia e quase 2 meses de mobilidade temporariamente reduzida. Comecei do zero, reaprendendo e criando confiança para voltar a andar e depois a correr nas ruas – rodeadas de #CalçadasCilada.
Além de parar muitas das minhas atividades cotidianas, dentro da minha própria casa pude encontrar inúmeras limitações como, por exemplo, enfrentar 20 degraus todos os dias para sair e ir a qualquer lugar.
Passado um tempo percebi que encarar a situação de um modo negativo só pioraria ainda mais as coisas e atrasaria minha recuperação. E, praticamente como um “contra-ataque” às adversidades da vida, optei por mergulhar na situação, o que serviu para constatar com nitidez latente a precariedade da infraestrutura das cidades e para legitimar a pertinência e urgência – e procrastinação – em atender as demandas reivindicadas ao longo dos trabalhos de ativismo pela mobilidade a pé e acessibilidade nas cidades.
Ao morar fora do país, a princípio, fiquei perplexa com a quantidade de pessoas com deficiência nos lugares e nas ruas. Mas não é o “lugar” que tem pessoas com deficiência, mas sim os locais é que são acessíveis, ou seja, as pessoas conseguem levar uma vida independente, é garantida a liberdade de ir e vir. Aqui, em terras brasileiras, não! Aqui, elas não conseguem nem sair do portão de casa. Infelizmente aqui grande parte das pessoas com deficiência tem dificuldades enormes em desempenhar atividades cotidianas como trabalhar e estudar. E, em muitos casos, não há sequer informação sobre seus direitos.
Apesar de nítidos avanços alcançados na atualidade, com mais pessoas engajadas em prol da causa da acessibilidade, o país ainda está longe de garantir o direito de ir e vir universal. Somos um país carente de ônibus adaptados e terminais acessíveis, banheiros públicos, guias rebaixadas, calçadas decentes, e edificações com acessibilidade assegurada. Para muito além de uma “Paulista” e uma “Faria Lima” mais acessíveis, precisamos de uma cidade toda acessível.
O apoio e adesão da população a estas medidas são fundamentais para que as mudanças aconteçam. Ponto-chave para que as transformações ocorram é o empoderamento dos cidadãos e cidadãs, conhecendo seus direitos e multiplicando conhecimentos, dando voz e incluindo de modo igualitário quem mais sofre com as condições inadequadas dos espaços urbanos. E não se trata de um movimento exclusivo à cidade de São Paulo. Em outras cidades brasileiras, discussões e mobilizações similares são encontradas.
Por fim, espera-se que em 2016 as Políticas Públicas e Programas continuem a evoluir e a construir mudanças significativas. E mais, que indivíduos e grupos representantes da sociedade civil ampliem sua presença e participação, não só nas questões voltadas ao espaço público e mobilidade urbana, mas em todos os espaços que lhes é de direito.
Silvia Stuchi Cruz é membro da Cidadeapé, idealizadora da Corrida Amiga e secretária executiva da CT Mobilidade a Pé e Acessibilidade da ANTP.
***Dedico o texto aos heróis e heroínas que enfrentam diariamente as barreiras de uma cidade inacessível, em especial: Mila Guedes, Tuca Munhoz, Alan Mazzoleni, Mara Gabrilli, Emerson Almeida, Fabíola Pedroso, Gilberto Frachetta e Ricky Ribeiro.
Agradecimentos especiais aos profissionais Alessander Signorini e Nathália Zampronha, pelos cuidados e por serem cruciais na minha rápida recuperação.