Nota pública contra a circulação e o estacionamento de carros nos calçadões do Centro de SP

Nos últimos dias, verificamos que a Prefeitura de São Paulo está implementando uma sinalização para permitir a circulação e o estacionamento de carros nos calçadões históricos da cidade. As organizações abaixo assinadas repudiam essa política. Alertamos que ela é contrária ao interesse público e que está sendo implantada de maneira autoritária.

Essa medida é extremamente equivocada, insegura e repleta de erros técnicos, revelando um desconhecimento da dinâmica da mobilidade e das necessidades urbanísticas do centro. Tal delimitação de faixas, ao invés de favorecer a partilha, marca uma cisão. Consagra os automóveis, colocando pedestres e ciclistas em risco. Precariza a infraestrutura de mobilidade a pé. E, pior, contraria as legislações federal – como a Política Nacional de Mobilidade Urbana – e municipal – como o Plano Diretor Estratégico,  o Plano de Mobilidade Urbana e o Plano de Ação Climática do Município. As leis são claras: o poder público deve priorizar os modais ativos e desincentivar o uso do automóvel. A Prefeitura viola, até mesmo, o Código de Trânsito Brasileiro que, em seus artigos 29-V e 181-VIII, garante a segurança dos pedestres nos calçadões. 

A justificativa dada pela municipalidade é que a criação desse estacionamento aumentaria o público do Theatro e, portanto, traria mais segurança. Isso é um equívoco. Aumentar vagas para carros apenas fará com que as pessoas saiam do transporte coletivo e passem a ir de automóvel. Isso, inclusive, vai aumentar o congestionamento das pequenas ruas do centro. Convenhamos, São Paulo não precisa de mais pontos de engarrafamento. 

A Prefeitura está criando problemas. Ela não vai melhorar o acesso ao Theatro com algumas dezenas de vagas. A capacidade do Municipal é de 1523 pessoas. Só um transporte público de qualidade é capaz de transportar essa quantidade de usuários. As vagas, portanto, são inúteis.

Essa política também é elitista, pois pressupõe que os frequentadores do Theatro Municipal não poderiam utilizar o transporte público, alegando “problemas de segurança”. Ora, a Prefeitura tem muitos mecanismos para aumentar a circulação de pessoas e, assim, melhorar a segurança. A SPTRANS, por exemplo, pode determinar que os ônibus atendam todos os pontos do centro, após as 19h. O cidadão, então, poderia descer mais perto do Theatro. A autarquia também poderia mover os pontos de ônibus para as esquinas, aproximando-os das faixas de pedestres. Isso melhoraria a qualidade dos deslocamentos e também a segurança (principalmente das mulheres, que não mais ficariam “abandonadas” no meio de um quarteirão). O Município, ademais, pode reduzir drasticamente o preço das passagens. Essa seria uma medida eficaz para trazer mais pessoas aos equipamentos de cultura do centro. Além disso, a Prefeitura pode posicionar a Guarda Civil no percurso entre terminais de ônibus e estações do Metrô até o Theatro. Alternativas não faltam.

Está claro que a circulação de carros e o estacionamento sobre os calçadões degradam a mobilidade ativa. Mesmo à noite, há pessoas caminhando nos calçadões e pedalando nas ciclovias. Esses cidadãos se sentirão inseguros com o tráfego de veículos. Tal medida, portanto, pode reduzir o número de pedestres e de ciclistas. A Prefeitura, ao implantar esse estacionamento, vai na contramão das principais cidades globais, que vem criando mais calçadões e mais ciclovias nas regiões centrais.

Acreditamos que as ruas podem ser prazerosas, e não apenas um lugar em que se entra dentro de um carro. O Município precisa criar ações de ocupação do espaço público. Com brinquedos, com praças, com arborização. Com agentes de educação, de cultura, de assistência social e de saúde. Queremos garantir a segurança e o bem-estar de todos, e não apenas de alguns motoristas. 

E se mesmo assim a Prefeitura quiser criar mais vagas de estacionamento, que o faça retirando espaço dos carros. Temos várias sugestões. As margens das ruas Xavier de Toledo, Quirino de Andrade, Conselheiro Crispiniano, Sete de Abril e 24 de Maio, das Avenidas São João e Ipiranga, da Praça Ramos de Azevedo e do Viaduto do Chá estão subutilizadas no período noturno. Não há nada que justifique tirar espaço dos pedestres para dar a automóveis particulares. 

Não podemos esquecer que o espaço público vem sendo tratado como estacionamento em vários lugares. Há carros que param sobre calçadas, sobre escadarias e sobre ciclovias na cidade toda, principalmente nas periferias. E a Prefeitura tem fechado os olhos para isso.

Todos esses “erros” são facilmente identificáveis. Essa política – tão incorreta, tão insegura – só saiu do papel porque não houve diálogo com os cidadãos. Não houve uma reunião, uma audiência pública. Demandamos que a Prefeitura converse com os vereadores, com a sociedade civil, com os órgãos técnicos e com os movimentos que questionam essa medida. E que, então, abdique desse absurdo.

Assinam:

Conselheiros do Conselho Municipal de Trânsito e Transportes

Participantes da Câmara Temática de Mobilidade a Pé

Cidadeapé – Associação pela Mobilidade a Pé em São Paulo

Aliança Bike – Associação Brasileira do Setor de Bicicletas

ANTP – Comissão Técnica Mobilidade a Pé e Acessibilidade

Bike é Legal / Renata Falzoni

Bike Zona Oeste

BrCidades – Núcleo São Paulo

CAU-SP

Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos

Ciclo-Comitê Popular de Luta de São Paulo

Cicloação

CicloCentro_SP

Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo

Cidade Ativa

Coalizão Clima e Mobilidade Ativa

Coletivo Helen Keller

Coletivo Monta Mona

Coletivo Pedal Verde

Comitê de Mobilidade e Transporte do Butantã

Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência

Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

Instituto Corrida Amiga

IAB-SP

Instituto Pólis

LabCidade FAUUSP – Laboratório Direito à Cidade e Espaço Público da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Metrópole 1:1

Pastoral da Pessoa com Deficiência da Arquidiocese de São Paulo

Pedalagem

Pluri.urb

Polo Planejamento

SampaPé!

SOS Transportes M’Boi Mirim

A sua organização quer fazer parte desse movimento? Envie um email para contato@cidadeape.org e assine a nota pública.

Imagem: Estadão

Mais do que carros elétricos, precisamos mesmo é da ‘desmobilidade urbana’

Por Ricardo Abramovay. Originalmente publicado no UOL

As montadoras ficaram indignadas com a decisão do governo francês de tratar a publicidade de automóveis de forma semelhante à de cigarros. A partir de março de 2022, os anunciantes terão que lembrar ao público que bicicletas, caminhadas, compartilhamento de veículos e transportes públicos são melhores do que o uso individual do carro. E, em 2028, a propaganda de SUV será simplesmente proibida, por decisão do parlamento.

A orientação governamental francesa é coerente com a política da cidade de quinze minutos, ou seja, com a ideia de que as infraestruturas de mobilidade deveriam permitir que os deslocamentos cotidianos das pessoas não ocupassem mais que quinze minutos de seu tempo. É a resposta a um dos mais importantes paradoxos contemporâneos: o automóvel individual, símbolo da liberdade, dos espaços amplos percorridos em pouco tempo, converteu-se em seu contrário, em sinônimo de congestionamento, paralisia, desperdício de recursos materiais e um dos mais neurotizantes ícones da vida moderna. A violência verbal e gestual a que os indivíduos são propensos dentro de seus carros é muito mais rara quando se deslocam a pé ou de bicicleta…Faz parte deste paradoxo o fato de que, na esmagadora maioria das cidades dos países em desenvolvimento os proprietários de veículos individuais ocupam a maior parte do espaço de circulação e desfrutam de investimentos públicos voltados a melhorar o trânsito, com resultados próximos aos de quem enxuga gelo.

Daí a importância da desmobilidade, neologismo vindo da França no início dos anos 2000 e que ganhou ainda maior projeção com a intensificação do teletrabalho na pandemia. Como mostra Julien Damon, um de seus mais importantes estudiosos, “desmobilidade” não é paralisia. É, antes de tudo, a capacidade de evitar os deslocamentos penosos. Trata-se de reduzir as viagens longas e sofridas a que sobretudo os mais pobres estão sujeitos — e aumentar aquelas feitas por opção e em condições dignas.

Mas a desmobilidade enfrenta obstáculos notáveis. Estes obstáculos são um bom exemplo das dificuldades ligadas à própria luta contra a crise climática. A distribuição das pessoas e das atividades (econômicas, culturais, de lazer) nas cidades é muito diversificada. Há cidades caracterizadas por densidade populacional nas áreas onde se concentram as atividades e os serviços e onde a meta de deslocamentos rápidos pode ser atingida a um custo relativamente baixo. Em geral, são cidades que, durante o século 20, construíram redes densas de transportes coletivos e onde atividades comerciais e residências não estão rigidamente separadas. Estas cidades aproximam-se daquilo que preconiza a agência da ONU especializada neste tema, o Habitat: cidades compactas, conectadas e integradas.
Há outras cujo desenho urbano vai na direção contrária — e onde o transporte por coletivos movidos a diesel ou gasolina, percorrendo longas distâncias e enfrentando congestionamento, é o que domina parte significativa dos deslocamentos.

Paraisópolis, em São Paulo Imagem: André Lucas/UOL

Um estudo recente do Centre for Cities compara a mobilidade em aglomerações urbanas britânicas com o que prevalece no restante da Europa. Nas cidades do continente, 67% das pessoas chegam dos subúrbios ao centro em no máximo 30 minutos. Nas cidades britânicas abordadas no estudo, este total não vai além de 40%. Isso não se deve a superfícies maiores ocupadas pelas cidades britânicas quando comparadas às do restante da Europa, mas sim ao fato de que no continente mais gente mora em áreas centrais e perto dos transportes coletivos.

A ineficiência da rede britânica de transportes (em função dos padrões dispersos de ocupação de seus territórios urbanos) tem um custo anual de £23,1 bilhões (R$ 165 bilhões). Este custo deriva basicamente do fato de que a distância dos grandes centros reduz o acesso das pessoas aos melhores empregos e diminui os efeitos positivos das aglomerações e, portanto, da produtividade e do desempenho da economia. Roma e Manchester, por exemplo, têm o mesmo tamanho, mas, pelos cálculos do Centre for Cities, Roma é 55% mais produtiva que Manchester — em grande parte, pela diferença no tempo de acesso aos centros onde estão situados os empregos e os serviços mais importantes.

A mensagem do estudo é que não basta eletrificar a frota de veículos. Trânsito entupido e longas distâncias com veículos elétricos (ou a movidos a etanol) é melhor que com automóvel a gasolina ou diesel. O mais importante, porém, é valorizar as áreas próximas às estações de transportes coletivos e, sobretudo, impedir o esvaziamento populacional dos grandes centros.

Claro que este é um tema que envolve as prefeituras, mas, ao mesmo tempo, tem uma dimensão nacional decisiva. Programas como o Minha Casa Minha Vida (que, como mostra Leão Serva, era chamado por Jaime Lerner de Minha Casa, Minha Vida, Meu Fim do Mundo) ampliam os “custos de morar longe”, como foi largamente demonstrado pelos trabalhos do Instituto Escolhas.

Reocupar os centros, impor sanções tributárias pesadas a imóveis vagos aí situados, estimular formas diversificadas de uso nestas áreas pela convivência de residências com comércio, centros culturais, atrações gastronômicas e artísticas são formas de luta contra o apartheid territorial de nossas cidades. É uma das mais emblemáticas expressões da ideia de que o desenvolvimento sustentável, mais do que soluções tecnológicas (sem dúvida, importantes) supõe e abre amplas oportunidades de reorganização social.

Cidades compactas, conectadas e integradas, onde todos tenham acesso rápido ao trabalho, aos serviços, à cultura, à socialização construtiva e ao lazer é a tradução, para a vida urbana, da urgência contida na ideia de justiça ambiental. Por maior que seja a importância do carro elétrico, é a desmobilidade que vai melhorar a vida urbana e contribuir à redução das desigualdades.

Andar a pé e a valorização do Pensamento Pedestre

No âmbito das contribuições em pesquisa, nossos associados Mauro Calliari e Wans Spiess fazem uma reflexão sobre a mobilidade a pé em São Paulo.

Mauro Calliari, nosso representante na CTMP e CMTT, investiga o andar a pé a partir da perspectiva do pedestre para compreender se a experiência de mobilidade (andar para chegar a algum lugar) também pode vir acompanhada de uma experiência estética — a da fruição da cidade. Os resultados culminam na constatação de que o caminhar permite “experimentar a cidade”. O artigo foi publicado na Revista Do Programa De Pós-Graduação Em Arquitetura E Urbanismo Da FAUUSP.

Wans Spiess, nossa Diretora de Relacionamento, propõe observar a relação de porosidade entre a participação de diferentes atores e a formulação de políticas públicas no âmbito da mobilidade urbana, com foco central no sistema de mobilidade pedestre em São Paulo que é entendido como o conjunto dos lugares de passagem e de permanência, sendo assim, espaço público produto de relações sociais. O artigo foi publicado nos Cadernos de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie

Mauro Calliari é mestre em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com foco em Espaços Públicos e doutorar na FAU-USP, com concentração na área de História do Urbanismo, além de colunista na Folha de S.Paulo.

Wans Spiess é mestre em Arquitetura e Urbanismo e sua dissertação de mestrado – Por um pensamento pedestre : a dinâmica de políticas públicas do sistema pedestre em São Paulo – rua Oscar Freire, rua Galvão Bueno e avenida Paulista (2000-2020) pode se consultada neste link.

Andar a pé com segurança

Calçadas estreitas, falta de iluminação e trânsito agressivo são obstáculos para os pedestres em SP

Com a participação de Mauro Caliari, associado da Cidadeapé

Publicado originalmente em 32xSP

Todo dia, 13,3 milhões de trajetos a pé são feitos na região metropolitana de São Paulo, mostrou a pesquisa Origem/Destino do Metrô, de 2017. É bom para o bolso, corpo e mente, mas caminhar pela cidade tem sido um desafio.

PlanMob (Plano de Mobilidade de São Paulo), de 2015, estabelece que “andar a pé tem prioridade absoluta em qualquer momento, lugar ou condição”. Seis anos depois da criação do programa, como está a situação do pedestre na cidade? 

A pesquisa “Viver em São Paulo – Mobilidade Urbana”, de 2020, da Rede Nossa São Paulo, constata “a sensação de insegurança quando os paulistanos circulam a pé”. Pelo estudo, 89% dos moradores da zona sul sentem-se pouco ou nada seguros. Na zona oeste o índice é recorde: 91%. 

Pedestres na Lapa, zona oeste de São Paulo (Ira Romão/32xSP)

Além da insegurança ao caminhar, há o risco de ser vítima de algum acidente. Dados do Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo) revelam que, de janeiro a junho de 2021, 501 pessoas morreram atropeladas em São Paulo — a maioria acima de 60 anos, sendo 36% dos casos. 

ILUMINAÇÃO NAS PERIFERIAS

A falta de iluminação também interfere na sensação de insegurança dos moradores. No Jardim Dom José, periferia da zona sul, Valmir Guimarães, 66, presidente da associação de moradores e do Conseg (Conselho Comunitário de Segurança) Capão Redondo, é crítico da atuação da prefeitura nesse quesito. 

“A população periférica é atendida com descaso e há uma diferença enorme no tratamento recebido pelos moradores daqui em relação às áreas centrais. O investimento é menor e as demandas não são atendidas como deveriam.”

Valmir reclama da rede de iluminação, por exemplo. “No bairro só se troca lâmpada e nada de novos postes e luminárias”. Para ele, o baixo investimento causa insegurança e medo de andar à noite. 

A qualidade das calçadas também é alvo de reclamações. “Há pouca manutenção, muitos buracos e obras paradas.” 

Ele cita como ponto crítico de acidentes o cruzamento da Estrada de Itapecerica com a Rua Ministro Moacyr do Amaral Santos, no Jardim Dom José. 

“É um ponto conhecido de acidentes, mortes e atropelamentos. Desde 2017, a CET (Companhia de Engenharia e Tráfego) tem um projeto de semáforos, com faixas de pedestres, que nunca saiu do papel. Dizem não ter equipamento nem empresa para instalar”, conta.

A prefeitura, por sua vez, alega que o trecho faz parte do programa Via Segura da Estrada de Itapecerica. “Estão previstas obras de adequação e semáforos para melhorar a segurança de pedestres e demais usuários.”

Questionada sobre a data de instalação dos equipamentos, o órgão não respondeu até a data de fechamento da matéria.

INSEGURANÇA E ALAGAMENTO

Na cidade há inúmeros lugares para dificultam a travessia dos pedestres. Na Lapa, zona oeste, por exemplo, para evitar uma volta de mais de um quilômetro para cruzar o bairro, cortado pelas linhas de trem, os pedestres são obrigados a usar dois pontos críticos de circulação.

Um desses ponto é a passagem subterrânea 12 de Outubro, que dá acesso à estação da linha 7-Rubi da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), e o outro é a Toca da Onça, que faz ligação com a Lapa de Baixo. Os usuários citam excesso de lotação, pichações, sujeira, insegurança e alagamentos.

A Toca da Onça é baixa, estreita e registra assaltos à noite. É o que conta o músico Paulo de Freitas, 48, há mais de um ano apresentando canções gospel em uma das saídas.

“O movimento caiu muito, na pandemia, mas fico aqui até a hora que a garganta aguentar”. Morador do Jardim Paulistano, na zona norte, ele fala que já soube de roubos, principalmente celulares.

Na outra saída, Eliseu Soares, 61, sobe com dificuldade a escadaria. Há dez anos ele teve uma queda e perdeu parte dos movimentos dos membros superiores. Hoje, sem condição de trabalhar, recebe o benefício assistencial. 

Eliseu não gosta de atravessar o túnel: “moro na Freguesia do Ó [zona noroeste] e preciso passar aqui, é estreito e tem essa escada cansativa. Dificulta pra gente.”, lamenta. 

Eliseu Soares, 61, sobe escadaria com dificuldade (Ira Romão/32xSP)

Com maior largura, a passagem 12 de Outubro tem ambulantes nos dois lados e os pedestres circulam espremidos na parte central. Um vendedor, que prefere não se identificar, fala que ali inunda constantemente.

“A água vem de uma mina e por isso tem essas canaletas. O problema é que roubaram as grelhas de ferro e as pessoas vivem tropeçando e caindo. Aqui só tem fiscalização para tirar a gente, mas ninguém vem tapar esses buracos”, diz ele.

A empregada doméstica Ciumara de Campos, 55, de Pirituba, na zona norte, afirma que já pagou para atravessar o local, durante uma forte chuva, em uma espécie de “canoa de isopor”. “Na hora de mais movimento, no começo da noite, sem espaço, tem muito empurra-empurra e vem o medo de ser roubada.” 

Para fazer compras, a recepcionista Andreia Santos, 46, veio com a família da Cachoeirinha, também na região norte. Ela desaprova o túnel 12 de Outubro e explica. “Aqui tem buracos, mau cheiro, insegurança e roubo de celular”. 

Andreia aponta para uma rampa vazia e critica: “é uma passagem morta, ninguém sabe que existe, não há sinalização nenhuma”.  Instalada em uma das entradas, a rampa é pouco usada. Se uma pessoa com deficiência descer por ali, precisará de ajuda para subir a escadaria do outro lado.

Em nota, a subprefeitura da Lapa informa que atua nas duas passagens com serviços de zeladoria, varrição, limpeza de galerias, lavagem e bombeamento diário, pois os locais têm minas d’água. 

A segurança é feita por rondas da Polícia Militar. O órgão prevê, até o final do ano, “revitalizar a passagem 12 de Outubro, com melhorias na iluminação, drenagem e acessibilidade”.

O QUE DIZEM OS URBANISTAS

A reportagem do 32xSP procurou urbanistas para entender o que impacta a locomoção a pé na cidade. 

Na opinião de Leticia Sabino, urbanista da ONG (Organização Não Governamental) SampaPé, o planejamento municipal é frágil e enxerga o tema apenas como a redução de atropelamentos, gestão de calçadas e zeladoria.  

“Mobilidade é complexa e vai muito além de tapar um buraco. É a lógica usada para o automóvel sendo aplicada no deslocamento a pé.”

A urbanista também defende um acesso mais justo para os moradores das periferias, com menor risco de atropelamentos, inclusive de crianças na rota da escola.

Para Mauro Calliari, da ONG Cidade a Pé e membro eleito do Conselho Municipal de Trânsito e Transporte, falta um órgão da prefeitura que cuide da cidade com o “olhar pedestre” e concentre o trabalho das secretarias. Também é necessária maior autonomia às subprefeituras para executar serviços, aponta.  “Nossos gestores públicos andam pouco a pé. Falta esse olhar para ganhar mais profundidade sobre os problemas reais da cidade.”

CALÇADAS IRREGULARES 

Calçadas irregulares também interferem na locomoção. “Há pouca fiscalização e ação efetiva da prefeitura. Os recursos do orçamento vão para cuidar das vias de veículos, mas o mesmo não ocorre com as calçadas”, completa Leticia. 

Mauro argumenta que muitas das calçadas não têm a largura mínima de 1,20m, segundo padrão apontado pela prefeitura. 

“Os passeios deveriam seguir a inclinação da rua, mas o morador quer facilitar a entrada na garagem e faz degraus no piso, um desastre para quem está andando.”

Em caso de calçada irregular, a prefeitura afirma que o infrator é multado em R$ 497,32 por metro linear e intimado. Se fizer a obra em 60 dias, a multa pode ser cancelada. O órgão mantém o Plano Emergencial de Calçadas para serviços nos passeios. 

FAIXAS DE PEDESTRES E SINALIZAÇÃO

Mais de 8 em cada 10 paulistanos são a favor de multar os carros que param sobre a faixa de pedestres ou calçadas, aponta a pesquisa “Viver em São Paulo – Mobilidade Urbana”, de 2020.

“A sinalização para o pedestre não é adequada. Quando existe, é impositiva, traz restrições à circulação e não informações úteis. Até os sinais de trânsito podem confundir quem está a pé”, diz a urbanista da ONG SampaPé. 

Até mesmo a iluminação das faixas de pedestres é pensada para os veículos. “A pessoa circula em uma calçada escura, atravessa uma faixa iluminada e depois volta para a iluminação ruim. Sem contar que o semáforo para pedestres não respeita o tempo de travessia suficiente para uma pessoa idosa.”

Um espaço público bem iluminado garante a presença de mulheres, crianças e idosos. Isso inibe a sensação de insegurança naquele local. Com a iluminação coerente, o morador consegue ver o espaço e também ser visto, se algo acontecer.  

“A lombofaixa de pedestres (acima do nível da rua), sinalização, iluminação e o aumento da área de calçada no ponto de travessia formam um conjunto que força o motorista a diminuir a velocidade e parar”, destaca Mauro, da ONG Cidade a Pé, como uma solução.  

O ideal, segundo o urbanista, é que os postes de luz sejam direcionados para a via e também para o passeio. 

A Prefeitura de São Paulo informou à reportagem que foram remodelados e ampliados 541 mil pontos de luz por LED ou 88,5% do total instalado (100% até o final do ano). 

O tempo de travessia nas faixas de pedestres foi aumentado em mais de 1.000 cruzamentos. Há previsão de instalação de 2.800 novas faixas e 200 projetos de avanço de calçada ou construção de ilhas e refúgios para pedestres.

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA 

Mila Guedes é ativista e tem deficiência múltipla. Ela usa cadeira de rodas e tem 20% da visão. Em função da pandemia, só recentemente voltou a sair de casa e circular pelas ruas da cidade. Para ela, as calçadas são cheias de obstáculos. 

Mila Guedes, ativista pelos direitos humanos das pessoas com deficiência (Matheus Pigozzi/32xSP)

“Tenho que ter muita força de vontade para andar nas calçadas. São inclinadas, esburacadas, têm degraus e sempre preciso desviar para a rua”, conta. 

Um dos “enfrentamentos diários” de Mila é passar onde há vagas para carros na frente do comércio. “Parte dos veículos invade o passeio e fica impossível a passagem de um cadeirante, idoso ou carrinho de bebê.” 

Em resposta ao 32xSP, sobre os equipamentos para a mobilidade de pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida, a prefeitura destaca a instalação de pisos táteis e de botoeiras sonoras nos semáforos. 

No entanto, a ativista diz que apenas encontra esses dispositivos em pontos específicos, como próximo a hospitais, mas não na cidade toda. “Não vejo as cores nos semáforos, então a botoeira [função de avisar o controlador que existe a demanda da travessia] sonora é essencial para mim” , diz.

Ela comenta que foi atropelada na região dos Jardins, na zona oeste, pela falta de rampa na faixa de pedestres. “Fui a outro ponto, com guia rebaixada, para atravessar a rua. Uma pessoa me ajudou, vários carros pararam, mas um deles não, e aconteceu o impacto. Felizmente foi só o susto, mas a cadeira ficou desmontada”, conta.

Após a repercussão do acidente, enfim, a Subprefeitura de Pinheiros instalou o equipamento.

Essa reportagem faz parte da série “Segurança sem Violência”, do 32xSP, em que serão abordados aspectos da participação política e dos serviços públicos como parte da segurança na cidade, um direito dos moradores.

Imagens: Ira Romão / 32xSP

Como decisão de priorizar carros agrava crise hídrica nas grandes cidades

Por Kelly Fernandes

Publicado em UOL Carros

Não é a primeira vez que alerto sobre os impactos negativos decorrentes do uso intensivo de automóveis para a realização de deslocamentos e, para a sua alegria ou tristeza, não será a última. A insistência ocorre por vários motivos, e hoje será devido à preocupação frente aos desdobramentos da crise hídrica que vem colocando em risco o abastecimento de água e também a geração de energia.

E você deve estar se perguntando: e o que isso tem a ver com o rodoviarismo? É porque a decisão de sobrepor rios, córregos e suas duas margens com pistas para veículos é uma das causas para o agravamento do cenário de crise hídrica que enfrentamos.

A maneira como os centros urbanos das cidades brasileiras se desenvolveram é, em grande medida, decorrência do rodoviarismo. O caminho escolhido para a implantação de infraestrutura necessária para a intensa circulação de carros, motos, caminhões e outros veículos motorizados (voltados para o transporte de pessoas, bens e mercadorias) foram, justamente, os fundos de vale. Isto é, áreas no entorno das margens por suas condições de relevo favoráveis à realização das obras de engenharia.

No entanto, algumas obras foram necessárias para garantir a construção de faixas e mais faixas para cada vez mais veículos. É o caso das obras de retificação das margens do rio. A palavra retificação pode não soar familiar, mas o próprio nome já revela seu propósito.

Se retificar significa “alinhar”, “tornar reto” ou “endireitar”, o objetivo das obras de retificação dos rios é o de, artificialmente, tornar os rios e córregos sinuosos e curvilíneos em linhas retas, forçando-os a acompanhar a racionalidade mais conveniente para um aproveitamento rodoviário.

Portanto, as obras de retificação contribuem para transformar as margens dos rios, antes verdes e permeáveis, em um mar de asfalto. Para piorar, muitos desses rios chegam a ser tamponados com placas de concreto a fim de dar ainda mais lugar para o asfalto, tendo sua função ambiental reduzida a meros eixos de escoamento de esgoto sem tratamento adequado.

Entre os impactos da replicação desse modelo estão os desequilíbrios ambientais, causando inundações e, em momentos como o que estamos vivendo, reduzindo a capacidade dos reservatórios hídricos, muitos desses envoltos por moradias, ruas e quase completamente impermeabilizados.

O que, em síntese, contribui para uma série de desequilíbrios ambientais que colocam a vida de inúmeras pessoas em risco, somado aos perigos da impossibilidade de higienização após uma jornada longa de trabalho, ainda mais graves nesse contexto de pandemia.

Outra má notícia é que, com a intensificação dos efeitos das mudanças do clima (elevando a temperatura do planeta, logo intensificando eventos climáticos) a tendência é que esse cenário piore muito rápido. Por via de regra, a população mais (e/ou antes) afetada será aquela que já vive em situação de vulnerabilidade, residindo em áreas que apresentam mais riscos ambientais como enchentes, deslizamentos de terra ou desabastecimento de água.

Sabendo que milhares de pessoas antes mesmo do iminente colapso dos reservatórios já enfrentavam períodos longos de desabastecimento, cujos desdobramentos são ainda piores em residências sem caixa d’água, uma vez que a frágil estrutura de suas casas não a suportaria.

Nesse sentido, o setor de transporte pode exercer um papel fundamental para a mudança desse contexto. O impacto positivo de um uso consciente do transporte pode contribuir tanto para a mitigação dos impactos negativos decorrentes do modelo que adotamos até aqui, por exemplo, a partir do estímulo ao transporte público coletivo e do transporte ativo (a pé e por bicicleta) e da restauração das áreas verdes; quanto por meio da adaptação da infraestrutura urbana para torná-la mais adequada aos desafios que vem por aí em termo de intensificação de eventos climáticos, como ondas de calor, enchentes e secas.

No mais, podemos nos inspirar com as cidades que já reconheceram o problema e estão mobilizando esforços para dar aos rios, córregos e às suas margens, o espaço que lhes é de direito. Em troca, esses rios dão de presente para as pessoas novos espaços públicos e ponto de contato com a natureza.

Exemplo disso são cidades como São Carlos (SP), que realizou investimentos para a reabertura e renaturalização do córrego Tijuco Preto, e o famoso caso de Seul, que devolveu o rio Cheonggyecheon para a capital coreana. Afinal, quem nunca sonhou com um banho de rio em um dia ensolarado?

Expansão da flexibilização do uso do espaço público por bares e restaurantes

Conheça a opinião da Cidadeapé sobre o projeto da Prefeitura que expande projeto a flexibilização do uso do espaço público por bares e restaurantes

A Prefeitura de São Paulo começou a expansão do projeto Ruas SP, que prevê a autorização para que bares e restaurantes ampliem sua área de atendimento ao ar livre, colocando mesas e cadeiras no lugar de vagas de estacionamento diretamente na frente desses estabelecimentos. O projeto foi iniciado com um piloto na região central da cidade, com o patrocínio de empresas. A partir da experiência, foi lançada uma consulta pública do novo decreto que regularia sua expansão pela cidade durante o período de emergência sanitária.

Agora a Prefeitura de São Paulo definiu as primeiras 42 vias onde estabelecimentos poderão solicitar autorização para implantar a expansão da área da atendimento. As vias foram escolhidas por atenderem às exigências do Ruas SP, como possuir faixa de rua destinada ao estacionamento de veículos para instalação de mesas e cadeiras, não ocupar faixas exclusivas de ônibus, ciclovias, ciclofaixas, e não estar localizado em via de grande fluxo de veículos.

A Cidadeapé acompanha o projeto RuasSP desde a sua apresentação na Câmara Temática de Mobilidade a Pé e enviou algumas sugestões para essa consulta pública, feita de forma totalmente online pela plataforma Participe. Destacamos aqui um resumo das principais regras sobre a instalação dessas expansões, de acordo com notícia divulgada no site da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento:

“- As extensões temporárias somente serão permitidas a colocação de mesas e cadeiras nas vagas de estacionamento de veículos regulamentadas nas vias locais imediatamente em frente ao lote que cada estabelecimento ocupa.

– A faixa do leito carroçável a ser utilizada para extensão temporária não poderá ocupar espaço superior a 2,20m (dois metros e vinte centímetros) de largura, contados a partir do alinhamento das guias;

– A instalação só poderá ocorrer em local antes destinado ao estacionamento de veículos, sendo vedada em locais onde haja faixa exclusiva de ônibus, ciclovias ou ciclofaixas;

– A extensão temporária só poderá ser instalada em via pública com limite de velocidade de até 50km/h (cinquenta quilômetros por hora) e com até 12% (doze por cento) de inclinação longitudinal;

– Deverá ter proteção em todas as faces voltadas para o leito carroçável e somente poderá ser acessado a partir do passeio público;

– Deverá estar devidamente sinalizado, inclusive com elementos refletivos;

– A extensão temporária não deverá ultrapassar a largura do lote de cada estabelecimento;

– As condições de drenagem e de segurança do local de instalação deverão ser preservadas.”

Além disso, é importante destacar a regra disponível no decreto sobre a disposição das mesas no espaço público: “Mesas e assentos devem ser disponibilizados em menor quantidade do que o habitual, de forma a respeitar-se a largura mínima de 1,20m da faixa livre no passeio público, conforme fixado pelo Decreto, bem como o espaçamento de 2m entre mesas, e de 1m entre cadeiras de mesas diferentes.”

A não-obstrução da calçada, bem como a garantia da distância segura para não aumentar o risco a transeuntes foram itens apontados pela Cidadeapé na sua colaboração para a consulta pública. Uma vez que essa regra consta no decreto, nós, enquanto cidadãs e cidadãos, temos a possibilidade de denunciar às autoridades municipais (subprefeitura, vigilância sanitária, secretaria municipal de urbanismo e licenciamento) a violação das mesmas.

Por fim, celebramos que finalmente tenha se concretizado a expansão do programa RuasSP, ao mesmo tempo em que lamentamos que tenham sido adotadas tão tardiamente as ações de resposta à pandemia no campo do uso dos espaços públicos. Seria importante que elas não ficassem restritas a iniciativas sob responsabilidade de estabelecimentos comerciais, que acabam por abrir a possibilidade de ocupação segura do espaço público apenas para fins de consumo.

Foto: Edson Lopes Jr/SECOM

Summit Mobilidade: experts pedem fim do ‘rodoviarismo’

Pa­ra eles, as po­lí­ti­cas pre­ci­sam pro­mo­ver me­lho­ri­as no trans­por­te co­le­ti­vo e apoi­ar bi­kes e des­lo­ca­men­tos a pé

Com a participação de Ana Carolina Nunes

Publicado em: O Estado de S.Paulo

Uma mu­dan­ça no pla­ne­ja­men­to em mo­bi­li­da­de ur­ba­na e o aban­do­no do cha­ma­do “ro­do­vi­a­ris­mo” fo­ram de­fen­di­dos por es­pe­ci­a­lis­tas e ges­to­res pú­bli­cos que par­ti­ci­pa­ram do quar­to dia do Sum­mit Mo­bi­li­da­de Ur­ba­na nes­ta quin­ta-fei­ra. Pa­ra eles, as po­lí­ti­cas pú­bli­cas pre­ci­sam pro­mo­ver me­lho­ri­as no trans­por­te co­le­ti­vo e na in­fra­es­tru­tu­ra pa­ra des­lo­ca­men­tos a pé e por bi­ci­cle­ta.Uma mu­dan­ça no pla­ne­ja­men­to em mo­bi­li­da­de ur­ba­na e o aban­do­no do cha­ma­do “ro­do­vi­a­ris­mo” fo­ram de­fen­di­dos por es­pe­ci­a­lis­tas e ges­to­res pú­bli­cos que par­ti­ci­pa­ram do quar­to dia do Sum­mit Mo­bi­li­da­de Ur­ba­na nes­ta quin­ta-fei­ra. Pa­ra eles, as po­lí­ti­cas pú­bli­cas pre­ci­sam pro­mo­ver me­lho­ri­as no trans­por­te co­le­ti­vo e na in­fra­es­tru­tu­ra pa­ra des­lo­ca­men­tos a pé e por bi­ci­cle­ta.

O con­gres­so co­me­çou com um pai­nel com o prefeito de For­ta­le­za, Jo­sé Sar­to (PDT), so­bre as ações pa­ra am­pli­a­ção dos es­pa­ços pa­ra bi­ci­cle­tas e de re­du­ção de ve­lo­ci­da­de de au­to­mó­veis na ci­da­de, ini­ci­a­das há cer­ca de oi­to anos. “É po­lí­ti­ca de mé­dio pra­zo.” Se­gun­do ele, em seis anos, aci­den­tes de trân­si­to dei­xa­ram de ser a quin­ta cau­sa de óbi­tos na capital e pas­sa­ram pa­ra a 16.ª po­si­ção.

A pri­ori­da­de de po­lí­ti­cas pú­bli­cas vol­ta­das à cha­ma­da mi­cro­mo­bi­li­da­de (tra­je­tos cur­tos fei­tos por meio de mo­bi­li­da­de ati­va, co­mo de bi­ci­cle­ta, a pé, de pa­ti­ne­te e afins) foi de­fen­di­da por es­pe­ci­a­lis­tas no pai­nel se­guin­te. A pes­qui­sa­do­ra e in­te­gran­te do mo­vi­men­to Ci­da­de­a­pé Ana Ca­ro­li­na Nu­nes ci­tou que até os Es­ta­dos Uni­dos, que chamou de “Me­ca do ro­do­vi­a­ris­mo”, per­ce­be­ram que é pre­ci­so apos­tar em al­ter­na­ti­vas ao trans­por­te por veí­cu­lo au­to­mo­tor. Co­mo exem­plo, ci­tou o cha­ma­do “Gre­en New De­al” do go­ver­no nor­te-ame­ri­ca­no, que pre­vê o in­cre­men­to das re­des de trans­por­te co­le­ti­vo e de in­fra­es­tru­tu­ra pa­ra mo­bi­li­da­de ati­va pe­lo País.

Já Tomás Mar­tins, CEO da Tem­bi­ci (res­pon­sá­vel pe­la operação de ser­vi­ços de bi­ci­cle­ta com­par­ti­lha­da em ci­da­des co­mo São Paulo e Porto Alegre), de­fen­deu no even­to do Es­ta­dão me­lhor apro­vei­ta­men­to da es­tru­tu­ra viá­ria já exis­ten­te, por meio de adap­ta­ções pa­ra ou­tros mei­os de lo­co­mo­ção. “Re­pen­sar es­sa in­fra­es­tru­tu­ra se­ria um ga­nho pa­ra as ci­da­des.”

As­ses­so­ra po­lí­ti­ca do Ins­ti­tu­to de Es­tu­dos So­ci­o­e­conô­mi­cos (Idesc) e in­te­gran­te do Mo­vi­men­to Nos­sa Bra­sí­lia, Cleo Ma­nhas des­ta­cou que não adi­an­ta fa­zer me­lho­ri­as na in­fra­es­tru­tu­ra pa­ra pe­des­tres e ci­clis­tas sem a re­du­ção da desigualdade so­ci­al. Ca­so con­trá­rio, es­sa mu­dan­ça es­ta­rá res­tri­ta a bo­lhas.

Ou­tro mo­dal que pre­ci­sa cres­cer e atin­gir um pú­bli­co mais am­plo é o dos ôni­bus. Pa­ra is­so, des­ta­cou Iê­da de Oliveira, di­re­to­ra e co­or­de­na­do­ra do Gru­po de Veículos Pe­sa­dos da As­so­ci­a­ção Bra­si­lei­ra de Veí­cu­lo Elé­tri­co (ABVE) e da em­pre­sa do mes­mo se­tor Ele­tra, é pre­ci­so que os ôni­bus se­jam mais se­gu­ros, con­for­tá­veis e sus­ten­tá­veis, com a tro­ca de veículos a di­e­sel. “Te­mos uma das mai­o­res fro­tas de ôni­bus do mun­do, e não se con­se­gue avan­çar.”

Conversa sobre Manifestos e Cartas

Unir esforços e fortalecer ações conjuntas na busca de um impacto e incidências nas políticas públicas.

Por Leandro Aliseda

A Cidadeapé participou dessa conversa, que contou com a participação de várias entidades, dentre elas o Projeto Como Anda, a Rede Esporte Pela Mudança Social (REMS), o Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul (CELAFISCS) e a Sociedade Brasileira de Atividade Física e Saúde (SBAFS). A proposta é reunir mais organizações e indivíduos que possam se interessar por unir forças para incidir politicamente nesta pauta das vidas ativas na sua cidade.

Foram discutidos:

  • A contextualização do grupo-coletivo, da sinergia dos temas e da carta, inspirados pela roda de conversa O que nos conecta?, realizada em 20 de dezembro de 2020;
  • Como dar mais visibilidade, explorando a comunicação e os eventos realizados pelos coletivos;
  • Contatos entre as associações, secretarias e outros atores, potencializando os contatos regionais mais próximos através dos membros, associados de cada coletivo e da mobilização das redes locais;
  • A SBASF apresentou da carta para a promoção das atividades físicas e esportivas e de cidades mais saudáveis, sustentáveis e inclusivas, enviada aos gestores municipais e estaduais com sugestões para a inclusão na agenda do mandato atual . A carta também reúne documentos que podem ajudar os gestores a incluir essa importante pauta na agenda das políticas públicas. A carta pode ser acessada aqui;
  • A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) trabalha para a Agenda Convergente Mobilidade Sustentável e Saúde, um documento referência sobre Meio Ambiente, Mobilidade Ativa e Atividade Física. A OPAS e o Ministério da Saúde tem maior foco na relevância da Atividade Física para os gestores de saúde, Guia da Atividade Física para a população brasileira;
  • Foi salientada a necessidade de mobilizações, por exemplo, pela manutenção da Lei de Incentivo ao Esporte;
  • Foi comentado o levantamento dos planos de governo eleitos, 48 cidades compromissadas com Planos de Metas, e a necessidade de sensibilizar pessoas-chaves a partir do tema mais próximo e ampliar para questão do modo de vida ativo; incidência nos Planos Diretores e frentes-fóruns parlamentares e da sociedade civil das questões climáticas (uma questão prioritária e bem visível) e que tem relação com Vidas+Ativas;
  • O conteúdo da carta e manifestos e a incidência política podem fazer parte do plano e processo pedagógico das organizações, e perpassar a formação de educadores, crianças, jovens, adultos, idosos, familiares etc. Por exemplo, envolver o pessoal na disseminação da carta. Para a disseminação das cartas é importante manter a linguagem de ofício-protocolo;
  • Foi também apresentado o documento sobre Transposição do Conhecimento para à ação Política;
  • O Portal Mobilize ofereceu-se para comunicação e mobilização das redes e ativismos locais;
  • Fortalecer o discurso da sinergia e visão sistêmica para “furar bolhas”.

A próxima conversa será no dia 06 de maio, 10 horas, tendo como pauta inicial a comunicação dos eventos dos coletivos e outras possibilidades de ações sinérgicas. Fique ligado nas nossas redes sociais com os detalhes para participar.

Os desafios de 2020

Por muitos anos, o planejamento urbano voltado para o transporte sobre rodas e o culto ao automóvel afastaram o urbanismo e a arquitetura daqueles que mais importam nas cidades: as pessoas. A crise global ligada à Covid-19 desafiou tudo e todos, e escancarou a necessidade de mudar os nossos paradigmas, especialmente sobre a maneira como percorremos diariamente a cidade. Nunca se mostrou tão necessário lutar por cidades mais inclusivas, transportes públicos de qualidade, ciclovias, ruas arborizadas com calçadas generosas.

No Brasil, tivemos as eleições municipais e vimos a pauta da mobilidade sustentável ganhar um espaço inédito no debate político. Aproveitamos essa oportunidade para tentar pautar boas propostas para o tema. Atuamos não apenas em São Paulo, mas também em uma articulação nacional que estimulou outras organizações da sociedade civil a fazer o mesmo. Agora nos preparamos para acompanhar e pressionar mais uma gestão municipal por políticas que efetivamente priorizem a mobilidade a pé.

Destaques do ano

Iniciamos o ano lançando nossa nova identidade, que reflete com mais clareza a missão de defender políticas públicas para que todas as pessoas tenham o direito de andar a pé com segurança, conforto e qualidade, independente de gênero, raça, idade, condição física ou socioeconômica. É sempre bom relembrar no que acreditamos para fortalecer nossa ação no mundo.

Em Fevereiro nosso colaboradores se encontraram para definir as prioridades da Cidadeapé em 2020. Só não contávamos com uma pandemia no meio do caminho.

Já atentos aos efeitos das restrições impostas pela crise desencadeada pela Covid-19 na mobilidade urbana, no final de Março fomos um dos signatários do documento endereçado à Secretaria de Transportes Metropolitanos (estadual) e na Secretaria de Mobilidade e Transportes (municipal). Encabeçado pela Ciclocidade, o posicionamento sugeria medidas imediatas ao Estado e à Prefeitura de apoio aos trabalhadores que precisam usar bicicleta nesse momento de pandemia.

Também passamos a fazer parte da rede Pacto pela Democracia –  uma plataforma de ação conjunta, que conta com 100 organizações da sociedade civil, além de lideranças públicas e políticas de diversos campos.

Em Abril, assinamos junto a 35 organizações da sociedade civil o posicionamento sobre a necessidade de um Programa Emergencial do Transporte Social, com o objetivo de reduzir os impactos da pandemia de Covid-19 sobre os sistemas de transportes durante a pandemia no Brasil.

A pauta foi levada em Maio ao Conselho Municipal de Transporte e Trânsito. A Cidadeapé apoiou a ação de conselheiros, que protocolaram um documento direcionado a autoridades paulistanas com contribuições sobre propostas e medidas possíveis ou adotadas relativas à mobilidade urbana para manter o isolamento social necessário,

Também juntamos forças com organizações como IAB SP – Instituto de Arquitetos do Brasil – São Paulo,  Ciclocidade, Instituto A Cidade Precisa de Você, Aromeiazero, Corrida Amiga, Metrópole 1:1 e Cidade Ativa em mobilização articulada pelo SampaPé intitulada Ruas para a mobilidade ativa durante a pandemia. O objetivo é pressionar a Prefeitura de São Paulo para abrir espaço nas ruas para as pessoas se deslocarem a pé e de bicicleta em segurança, como já está sendo feito em várias partes do mundo.

Em Junho foi possível dar foco a outro assunto não menos importante: a desigualdade no Brasil. Realizamos um levantamento de raça e gênero entre associadas e associados e também assinamos o manifesto da Coalizão Negra por Direitos.

A Cidadeapé, o ComoAnda e a Ciclocidade formaram uma coalizão para poder coletar e sistematizar os comentários de seus colaboradores a respeito do Manual de Desenho Urbano e Obras Viárias da cidade de São Paulo. Enquanto aguardamos o lançamento do Manual, você pode acompanhar os resultados dessas contribuições no nosso site.

Em Julho, tivemos uma conquista importante. A ação civil pública movida em 2017 pela Ciclocidade e apoiada pela Cidadeapé recebeu parecer favorável do MPF enquanto aguarda julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça. Ação questiona adequação de medida de aumento de limites de velocidade nas marginais Tietê e Pinheiros.

Em Agosto, Dia Mundial do Pedestre, elegemos nova diretoria. Devido à pandemia, todo o processo de mudança de gestão foi realizado remotamente, com direito a brinde e desejos de sucesso.

O novo corpo diretivo estreou com comemorações. Depois de uma espera de 3 anos, finalmente o Estatuto do Pedestre foi regulamentado. E a iniciativa Ruas para a mobilidade ativa abriu espaço para a Cidadeapé, junto com o Sampapé e o Aromeiazero, na condução de oficinas participativas para avançar nas transformações das ruas em resposta à pandemia. Embora sejam avanços importantes com alguns bons frutos (veja os resultados das primeiras intervenções aqui), tudo evolui a passos muito lentos e será crucial estar atento a suas evoluções no próximo ano.

Outro desafio colocado à nova diretoria foi a fiscalização do andamento do Programa Emergencial de Calçadas. O Programa, que visa construir e requalificar calçadas de áreas com grande fluxo de pessoas, vem sendo executado, foi retomado após um hiato de anos sem executar obras de requalificação de calçadas. Acessar publicamente os dados de acompanhamento da execução continua sendo um desafio e 2021 iniciará com a demanda de avaliação do cumprimento da meta estipulada. 

Já em clima das Eleições Municipais, sete organizações da sociedade civil lançaram a “Agenda Propositiva para a Cidade de São Paulo: Mobilidade e  Clima“. A publicação é um conjunto de propostas direcionado às candidaturas à Prefeitura e ao Legislativo municipal, com o  objetivo de pautar o debate eleitoral sobre mobilidade urbana.

Em Setembro, mais uma vitória da sociedade civil. O Tribunal de Justiça manteve a medida que determinou a suspensão do processo de alteração da lei de zoneamento (lei municipal nº 16.402/2016). A ação foi promovida por 5 entidades e apoiada por mais 150, entre elas a Cidadeapé.

Em Outubro, mais uma contribuição coletiva, desta vez para a consulta pública Espaços Públicos para a flexibilização, que trata do decreto que revê as normas de ocupação de calçadas e ruas por mesas de bares e restaurantes. A norma, no entanto, ainda não chegou a ser publicada.

Sem dúvida um dos grandes destaques do ano foi nossa atuação na campanha  Mobilidade Sustentável nas Eleições. A Cidadeapé, juntou-se a entidades da sociedade civil que atuam em defesa da mobilidade ativa e do transporte público, com o objetivo de reunir e apoiar organizações de todo o Brasil para sensibilizar os candidatos às eleições municipais de 2020. Com o apoio da campanha, dezenas de entidades de todas as regiões do país se mobilizaram para colocar a prioridade à mobilidade ativa e coletiva na pauta eleitoral. 

Aqui em São Paulo, a Cidadeapé também atuou nesse sentido, junto com a Rede Mobilidade e Clima, debatendo e avaliando propostas e cobrando compromissos com a mobilidade sustentável. Como resultado, seis das vereadoras e vereadores eleitos assinaram a Carta-compromisso criada pela Rede, assim como o prefeito reeleito Bruno Covas. Isso significa que temos um instrumento a mais para dialogar com esses representantes e cobrar deles ações contundentes em benefício da mobilidade sustentável [..]

Por fim, finalizamos esta retrospectiva com uma homenagem à nossa amiga e ativista Marina Harkot que teve sua vida interrompida pela violência no trânsito. Sua obra, marcada pela luta por cidades mais justas e seguras, é um legado que nos inspira a continuar caminhando em 2021.

2021 tá ai. Seguimos juntos.

Ministério Público Federal da parecer favorável a ação contra aumento nas marginais

Ação civil pública movida pela Ciclocidade e apoiada pela Cidadeapé recebe parecer favorável do MPF enquanto aguarda julgamento pelo Superior Tribunal de Justiça. Ação questiona adequação de medida de aumento de limites de velocidade.
Desde 2016, no período de eleições municipais, a Ciclocidade – Associação dos Ciclistas Urbanos de São Paulo e a Cidadeapé vêm atuando para garantir a segurança viária na cidade de São Paulo, em especial diante das promessas de campanha sobre aumento do limites de velocidades nas Marginais Tietê e Pinheiros.
Após a eleição, em janeiro de 2017, com as informações sobre a efetiva implementação do aumento das velocidades máximas, a Ciclocidade ajuizou ação civil pública para impedir esse retrocesso. Como era necessário ser associação formalizada há dois anos, a associação de ciclistas urbanos ingressou sozinha, enquanto a Cidadeapé pode participar apenas como apoiadora. A ação segue em curso, hoje perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, no dia 15/07/2020, o Ministério Público Federal (MPF) emitiu parecer favorável ao pedido da Ciclocidade, apresentado no Agravo em Recurso Especial nº 1.648.661, interposto pela associação, no qual se questiona o ato do ex-Prefeito de São Paulo e atual Governador do Estado, João Dória, que aumentou as velocidades máximas das Avenidas Marginais Pinheiros e Tietê.  O documento pode ser lido aqui.
Também em janeiro de 2017, a Associação chegou a obter liminar para suspender o aumento das velocidades, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo derrubou a decisão apenas um dia depois. Após julgamento desfavorável em primeira e segunda instâncias, com a interposição do recurso ao STJ, o MPF entendeu pela necessidade de intervenção do Poder Judiciário, no controle do ato do ex-prefeito, entendendo que o aumento implementado está na contramão da proteção da vida e da saúde, representando uma violação à Política Nacional de Mobilidade Urbana.
O Parecer pelo provimento do recurso foi assinado pelo Subprocurador-Geral da República Mário José Gisi, no qual consta que “as conclusões da Corte de Origem revelam-se temerosas, na medida em que permite que políticas públicas flagrantemente prejudiciais à população continuem a serem adotadas sob o manto do princípio da separação dos Poderes”. O documento chega a destacar que a ação da Prefeitura levou ao aumento no número de ocorrências com mortos e feridos nas marginais.
Em entrevista para a Folha de S.Paulo, Aline Cavalcante, da Ciclocidade, destacou: “Essa decisão gera um precedente importante no debate de segurança viária no Brasil sobre o quanto as políticas de aumento de velocidade têm impacto na saúde pública Só o parecer indicativo, mesmo ainda sem julgamento, já é uma vitória”. Da parte da Cidadeapé, estamos muito satisfeitos com o reconhecimento do MPF e esperamos que essa medida desastrosa possa ser barradas o mais breve possível.
O recurso agora segue para análise da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça.
A Ciclocidade é representada pelo escritório DBML Advogados.